“Estas mudanças mexem muito na atividade dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias. Muitas delas já são exercidas, então é bom regulamentar. Mas outras inovam”, destacou o deputado federal Givaldo Vieira (PT), que coordenou os trabalhos. Ele frisou a necessidade de reconhecimento e valorização dos profissionais, como a definição de um novo piso salarial, que está congelado há três anos. “Desse ponto o projeto não trata”, criticou o parlamentar.
Ele também ressaltou que prefeituras e governo federal ficam num eterno “pingue-pongue” quanto à questão salarial. A União diz que é uma atribuição dos municípios e os municípios jogam a responsabilidade no governo federal. Para ele, o projeto tem que “colocar de forma bem clara como essa categoria pode ser elevada com sua valorização profissional. E a valorização profissional passa pelo piso e pelas condições mínimas de trabalho”, ressaltou.
Mudanças
O relator do projeto na Câmara, deputado federal Valtenir Pereira (PMDB-MT), participou dos trabalhos no Estado. Segundo ele, a matéria trata de “tema extremamente importante para a atenção básica e saúde do povo brasileiro”. Ele explicou que, em 2016, na transição do governo Dilma (PT) para o governo Temer (PMDB), duas portarias editadas pelo Ministério da Saúde (portarias 958 e 959) passaram a permitir a substituição dos agentes de saúde pelos técnicos de enfermagem.
Mas, segundo o parlamentar, a categoria se articulou e conseguiu “convencer o ministro [da Saúde] Ricardo Barros a revogar essas duas portarias, que atropelavam e botavam fim, não de imediato, mas com o tempo, na categoria”, relatou.
Segundo o relator, para atuar na área, a pessoa precisa “ter perfil”: “É um sacerdócio ser um agente comunitário de saúde e um agente de combate à endemia. Vocês, no dia a dia, são psicólogos, assistentes sociais, delegados. Vocês vão até onde a polícia não consegue chegar. São cidadãos envolvidos com a comunidade, em quem a comunidade confia”, elogiou.
De acordo com o deputado, o Projeto de Lei 6.437/2016 vem em boa hora, pois o medo do enfraquecimento das categorias ainda existe. E a nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que está sendo elaborada, tende a unificar os cargos de agente comunitário de saúde e de agente de combate às endemias.
“Esse projeto vem traçar um novo perfil dos agentes comunitários de saúde e de combate à endemia. Algumas coisas a mais: hoje vocês não podem medir pressão, não podem medir glicose. Mas a maioria das atividades vocês já fazem. Não sou da área da saúde, mas, realmente, as duas funções são distintas e não tem como você montar um profissional que tem os dois perfis. Por isso que veio essa lei, porque ela vem com as atividades privativas. Para que vocês não sejam substituídos por nenhum outro profissional”, defendeu o deputado.
Adequações
Uma das adequações ao projeto propostas pelo relator é quanto ao regime de contratação dos agentes. Em 2006, a Emenda Constitucional 51 garantiu às categorias o direito à efetivação, ou seja, a nova legislação convalidou todos os processos seletivos ocorridos antes da entrada em vigor da emenda. “Mas muitos prefeitos não fizeram essa efetivação. Vocês continuam na contratação temporária”, disse.
No substitutivo que Valtenir Pereira apresentará à comissão da Câmara, os municípios que ainda não tiverem promovido a efetivação dos agentes ficarão proibidos de firmar convênio com o Ministério da Saúde.
Para sanar o problema das prefeituras, que alegam que não podem fazer a efetivação devido aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o relator disse que irá propor um novo projeto de lei que determina que os recursos repassados de um ente da federação para outro não serão computados para fins de margem prudencial. Ou seja, os recursos passados pelo Ministério da Saúde para o pagamento dos agentes de saúde não serão contabilizados na folha de pagamento das prefeituras para que elas não ultrapassem os limites impostos pela LRF.
Outra proposta do relator é dividir a carga horária dos agentes – atualmente, 40 horas semanais – em um período de 30 horas de campo e 10 horas para atendimento fora do horário de trabalho, pois muitos são procurados fora do expediente para prestar atendimento. Ele também propôs a flexibilidade no horário de trabalho, principalmente porque os agentes trabalham nas ruas e estão sujeitos à exposição ao sol, podendo ser acometidos por doenças de pele.
Outra flexibilização é referente à compra de imóveis. Hoje, os agentes de saúde são obrigados a residir na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família (PSF). O parlamentar quer permitir que os profissionais possam adquirir imóveis fora da área de abrangência, podendo ser removidos para essa nova área em caso de vacância. O direito à remoção também vale para quando o funcionário sofre risco à sua integridade física na área em que atua.
Visão dos profissionais
Luiz Cláudio Celestino, representante da federação nacional das categorias, concorda com boa parte do projeto. “Não podemos dizer que o PL não é bom como um todo. Há vários pontos que engrandecem e fortalecem os agentes. Mas tem outros pontos que precisam ter um cuidado”, apontou. Ele destacou, principalmente, a questão da valorização profissional e do piso da categoria, que, desde 2014, está fixado em R$ 1.014.
“Já foi anunciado o salário mínimo para 2018. Com esse reajuste, a diferença do salário mínimo para o piso vai ser de apenas 25 reais. Em 2019, o salário mínimo vai engolir o piso salarial da categoria. Nesse contexto, não interessa lado ou posição política, qual é o seu sindicato, o que interessa é termos uma união para nos defender e melhorar nossa situação no País”, alertou.
Romário Galdino, do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Estado (Sindsaúde-ES), reclamou do aumento das obrigações: “Estamos adoecendo e envelhecendo. Mais atribuições?”, questionou.
A colega de sindicato Geisa Pinheiros relatou que as cobranças já estão sendo feitas: “Antes mesmo de a lei ser aprovada, os municípios já aplicam. Nós não somos contra cumprir carga horária, atribuições, mas não concordamos com o desrespeito. Os municípios não melhoram as condições para os nossos agentes. Os agentes têm que fazer digitação, fazer o censo demográfico nas casas, georreferenciamento, têm que bater ponto quatro vezes ao dia. Como ele vai fazer as visitas? O que o Sindsaúde defende é uma greve geral, de todas as categorias”, conclamou.
Alexandre Zamprogno, advogado do sindicato, acusou os municípios de exercerem vigilância exacerbada sobre os agentes. “Os municípios distribuíram aos agentes um tablet. Mas matreiramente colocam um GPS no tablet para controlar os trabalhos do agente”, disse. Ele também relatou que muitas prefeituras cortaram o direito ao adicional de insalubridade. “Falaram que os agentes não têm nenhum contato com pessoas com doença infecto-contagiosa”, disse.
Posição das prefeituras
A vice-presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde, Edineia Figueira, disse que os secretários reconhecem a importância dos agentes. Mas ela acusou o governo federal de repassar a maior parte das responsabilidades na área da saúde para os municípios. “Desde 2000, o governo federal vem se desonerando da responsabilidade de fazer saúde. O pacto federativo vem sendo descumprido. O processo de descentralização coloca para os municípios uma responsabilidade que está muito além. Sabemos que a maior parte dos recursos vai para o governo federal. Cobrar isso dos municípios é impossível”, destacou.
Intervenções
Agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias fizeram intervenções no debate. Dentre os principais pontos destacados, a questão do piso salarial, o acúmulo de funções, a necessidade de capacitação profissional, a insalubridade e as melhores condições de trabalho. Participantes reclamaram ainda que prefeituras não liberaram os agentes para participar do debate. O relator colheu 70 sugestões por escrito.
O deputado Givaldo Vieira concluiu os trabalhos analisando que atualmente vive-se em um ambiente de austeridade por parte dos gestores públicos e pediu união para superar as dificuldades.
O Projeto de Lei 6.437/2016, do deputado federal Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE), amplia a lista de atividades dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias e passa a exigir a conclusão do ensino médio – hoje é preciso o ensino fundamental.
A alteração na regulamentação da profissão (Lei Federal 11.350/2016) é defendida pelo autor como avanço da saúde preventiva, base do Sistema Único de Saúde (SUS). Se a mudança passar, além de nova exigência em formação escolar, será cobrado curso de aperfeiçoamento a cada dois anos de trabalho efetivo (200 horas), e outro de formação inicial (40 horas). O debate sobre a proposta tem rodado os estados brasileiros e é coordenado por comissão especial da Câmara.
A maior preocupação das categorias é o acúmulo de funções e responsabilidades. Atualmente, cabem ao agente comunitário as ações domiciliares ou comunitárias para a prevenção de doenças e promoção da saúde. O projeto quer colocar entre as obrigações a aferição da pressão arterial e a medição de glicemia capilar, desde que supervisionadas por profissional de saúde com nível superior. Também caberá ao agente vacinar idosos, acompanhar gestantes e crianças nos primeiros seis anos de vida, identificar dependentes químicos, pessoas com doenças psíquicas e com sinais de doenças infecto-contagiosas.
Já o agente de combate às endemias, que hoje é responsável pela atividade de vigilância, prevenção e controle de doenças, terá por função identificar sinais de doenças transmitidas por mosquitos e animais, a aplicação indicada de inseticida e a vistoria de imóveis. Caso a lei realmente sofra mudança, o agente de endemias terá a supervisão de veterinário para vacinar e resgatar animais. Já o diagnóstico laboratorial de zoonoses e a identificação das espécies animais contará com a supervisão de um biólogo.