Dados de abril de 2020 da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) indicam que apenas 62,45% da população do Espírito Santo contam com cobertura do trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACSs). São 948 agentes em atuação, integrantes de 812 equipes de saúde da família, que, por sua vez, cobrem um percentual semelhante, de 64,32%.
O maior gargalo está na região metropolitana, avalia a coordenadora de Atenção Primária e chefe especial de Atenção Primária da Sesa, Tania Mara Ribeiro dos Santos. “O grande desafio é aumentar a cobertura dos agentes de saúde na Grande Vitória”, diz.
Nas grandes cidades, muitas das equipes de atenção básica não contam com o agente, limitando-se aos profissionais de medicina, enfermagem e técnica de enfermagem, e, com isso, o trabalho limita-se à chamada atenção básica tradicional, de recepção da população na unidade básica de saúde, não havendo a visita às residências, numa ação mais ativa de busca das necessidades dos moradores de cada território.
Englobando esse trabalho mais tradicional e limitado, o percentual de cobertura da atenção primária é um pouco maior, chegando a 78,94% das famílias capixabas, considerando que cada equipe de atenção básica tem capacidade para atender até quatro mil habitantes. Ainda assim, portanto, mais de 20% sem o acesso mínimo da atenção básica em saúde.
Tânia ressalta que os agentes comunitários de saúde são o elo primordial entre a comunidade e a equipe de saúde da família, por serem pessoas pertencentes às comunidades onde trabalham e qualificadas para levar as informações necessárias. E, neste momento de pandemia de Covid-19, são os mais preparados para dialogar com as comunidades no linguajar adequado de cada uma. “A atenção primária é que tem diálogo próximo da comunidade e pode fazer com que ela entenda que o controle da pandemia depende muito da população. E quem é esse elo entre a comunidade e a equipe de saúde da família? Os agentes comunitários”, salienta.
Como impulsionadora da política de atenção primária em saúde, cabe à Sesa, durante a pandemia, levar informações oficiais às prefeituras, como Notas Técnicas e protocolos produzidos pelo Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde (OMS), numa tentativa de minimamente equalizar o conhecimento e os procedimentos adotados em cada município.
A Sesa, destaca, foi a primeira secretaria estadual a realizar uma webconferência com os municípios sobre a Covid-19, no dia 10 de março, véspera da declaração de pandemia pela OMS.
A Secretaria também prepara o lançamento, até o final deste mês, de uma cartilha orientadora do trabalho da atenção primária no Estado, incluindo os protocolos básicos de atuação dos profissionais, as notas técnicas e portarias nacionais e estaduais; sugestões de “atividades autoaplicativas” voltadas à saúde física e saúde mental, como yoga e exercícios respiratórios, para quem foi infectado pela Covid e ainda está se recuperando, com dificuldade respiratória; além de informações voltadas à integralidade dos territórios, com orientações para articulação da saúde com as ONGs e programas de governo voltados para o fortalecimento econômico das famílias. “Potencializar a comunidades para saírem da crise. Intersetorialidades que permitem reduzir o impacto”, resume Tania.
Demandas e conquistas históricas
A diversidade de realidades municipais, no entanto, dificulta essa equalização. A diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Espírito Santo (Sindsaúde/ES), Regineli Ribeiro Ildefonso, agente comunitária de saúde e conselheira no Conselho Municipal de Saúde de Anchieta, no sul do Estado, lamenta que as orientações para o trabalho dos ACSs durante a crise do coronavírus esteja somente agora ganhando um arranjo mais padronizado no conjunto dos municípios.
“Até poucas semanas atrás, os agentes comunitários estavam meio que perdidos nas unidades de saúde. A pergunta das próprias chefias era o seguinte: o que fazer com os agentes? Não pode ter aglomeração, não pode ficar com todos nas unidades. Muitos agentes começaram a ir pra dentro de suas casas aguardando decisão das chefias. Em Anchieta todos ficaram dentro das unidades de saúde fazendo trabalho remoto, identificando, fazendo atendimento e acolhimento aos pacientes”, relata Regineli.
De modo geral, o trabalho dos agentes, desde a deflagração da pandemia, tem se retirado das ruas e se focado no monitoramento remoto, com as visitas domiciliares mantidas apenas às pessoas de grupos de risco. “Tendo uma informação de que há risco de complicação, a equipe se prepara para visitar a família no domicílio. Atenção primária salva vidas”, enaltece Tania.
Com a autoridade de representar uma categoria profissional que se reconhece como fundamental em transformações históricas da saúde do país – como a redução da mortalidade infantil e a retomada do aleitamento materno, a partir da década de 1960, quando esses agentes ainda eram chamados de líderes de saúde, herdeiros dos voluntários organizados pela Igreja Católica –, Regineli afirma que “está em nossas mãos a transformação desse quadro triste da pandemia! Mas precisamos de condições mínimas pra isso”, reivindica, lembrando que o monitoramento tão próximo das famílias também ajuda a identificar e solucionar casos de violência contra a mulher e contra as crianças. “Têm aumentado durante a pandemia”, observa.
Infelizmente, as demandas da categoria, reprimidas há décadas, ainda se acumulam, apesar da importância estratégica dos agentes comunitários na redução da velocidade de transmissão do vírus, especialmente entre as famílias mais vulneráveis, que carecem não só de recursos financeiros, mas de informação sobre seus direitos e possibilidades de cuidado.
“Não estamos tendo capacitação, nem EPIs [Equipamentos de Proteção Individual]. Há agentes que lutam pelo direito a um uniforme!”, diz a diretora do Sindsaúde.
“A essa altura da história, ainda lutamos por reconhecimento por parte das próprias equipes de saúde básica. Não somos reconhecidos com profissionais de saúde, não temos curso técnico, estamos lutando pelos 40% de insalubridade concedidos aos profissionais que atuam na linha de frente da pandemia. Mas temos o reconhecimento das comunidades. Somos o elo, os agentes transformadores. A essência do nosso trabalho é transformar uma comunidade e uma população. Somos os profissionais de saúde que mais utilizam a fala e a escuta. Muitos pacientes procuram primeiro a nós. Ou somos nós quem procuramos primeiro os pacientes”, descreve.
‘Porta-vozes’
Agente comunitário no interior de Divino de São Lourenço, na região do Caparaó, Deivid Miranda Leal define seu trabalho como o de um porta-voz das comunidades. “A gente traz e leva a informação, principalmente para aqueles que têm dificuldade de acesso ao posto de saúde”, diz. “Se não, a médica e a enfermeira não têm como saber quem são as famílias que precisam de atendimento e de qual atendimento”, conta. “Tenho muito orgulho de trabalhar nessa área. As pessoas nos recebem em casa como se fosse um parente. É muito bom, te recebem com um coração imenso!”, exulta.
Durante a pandemia, a auxiliar de saúde bucal Neudiana Miranda também tem atuado como agente comunitária de saúde, reforçando as equipes que atuam nas barreiras sanitárias e fiscalização nas ruas sobre o isolamento social e uso de máscara. “Quando me chamaram, eu aceitei na hora. Faço tudo o que eu puder fazer para ajudar minha comunidade!”, afirma.
Esse vínculo afetivo com é a principal “carta na manga” dos agentes comunitários, observa Regineli. Trunfo que tem sido perdido desde a implementação da nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), em 2017, que determinou a obrigatoriedade de apenas um agente comunitário de saúde por cada equipe de atenção básica. “Mas como o agente dá conta de todo o território dele assim? Está virando apenas um servidor atrás de metas. É quantitativo. Aquela qualidade, aquele olhar, aquele vínculo, estão sendo suprimidos pelas metas”, pondera.
Em Boston, nos Estados Unidos, conta a sindicalista, voluntários estão sendo escalados para ir nas comunidades e identificar, presencialmente ou por telefone, as pessoas contaminadas pelo coronavírus, sendo chamados de “Detetives Covid”. “Eu vejo isso simplesmente como um espelho do trabalho que nós já realizamos no Brasil. Lá eles estão copiando nosso modelo”.
O agente de saúde, salienta Regineli, é o único profissional de atenção básica “100% SUS”, que tem atuação exclusivamente no Sistema Único de Saúde. “Ele não consegue trabalhar numa rede particular como agente comunitário. Nossa bandeira sempre foi e sempre vai ser defender o SUS, o usuário do SUS e tudo o que está na legislação”, exorta.
Painel Covid
O Painel Covid-19 desta quinta-feira (18) confirmou mais 44 óbitos e 1.264 novos casos no Espírito Santo, que, até o momento, registra 1.223 mortes e 31.772 casos confirmados da doença. A taxa de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) está em 82,70% na média estadual, em 84,24% na região metropolitana, em 83,08% na região sul, em 76,92% no norte e em 73,53% na região central. O isolamento social continua baixo, estando em 45,67% nessa quarta-feira (17).