Justiça Federal ordenou continuidade dos trabalhos da FGV. Intoxicação por metais pesados é um dos temas
A Samarco, a Vale e a BHP Billiton, responsáveis pelo crime no Rio Doce em 2015, têm dez dias para depositar em juízo a quantia de R$ 16,4 milhões e garantir a realização de um diagnóstico de saúde dos atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais. A decisão foi proferida pelo novo juiz do caso, Michael Procópio Ribeiro Alves Avelar, da 4ª Vara Federal, em Belo Horizonte, na última quarta-feira (1), em atendimento ao pleito do Ministério Público Federal (MPF), no âmbito da Ação Civil Pública nº 1016756-84.2019.4.01.3800.
A Pesquisa Primária de Saúde será conduzida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e é fundamental para apontar quais medidas precisam ser tomadas para identificar os principais problemas de saúde advindos da contaminação pelos rejeitos de mineração da Samarco/Vale-BHP e de que forma eles podem ser tratados.
Na sentença, o magistrado afirma que a determinação já havia sido expedida em 19 de dezembro passado, dando prazo de 15 dias para que o MPF apresentasse os valores atualizados, devidamente corrigidos, para a concretização dos trabalhos do diagnóstico solicitado.
O despacho também cita esclarecimentos prestados pela FGV no Projeto de Pesquisa para Realização de Diagnóstico, Avaliação dos Impactos e Valoração dos Danos Socioeconômicos Causados para as Comunidades Atingidas pelo Rompimento da Barragem de Fundão, em que consta a afirmação de que os métodos epidemiológicos podem ser utilizados para descrever os impactos relacionados a desastres em populações afetadas.
A partir daí, explica a entidade, é possível caracterizar os riscos e avaliar necessidades médicas imediatas da população e dos sistemas de saúde, assim como rastrear consequências para a saúde pública a médio e longo prazos, além de subsidiar o desenho e a implementação de intervenções de saúde apropriadas que permitam melhorar o planejamento de esforços de intervenção, recuperação e mitigação dos danos para o futuro.
Divergências metodológicas
O atraso na implementação do diagnóstico, no entanto, é muito anterior. A proposta de trabalho foi inicialmente apresentada em novembro de 2019, mas não houve acordo com as empresas para a realização dos estudos em razão de divergências acerca da metodologia a ser aplicada no estudo. Em 2020, após não chegar a um acordo, as empresas rés judicializaram a questão. Na época, o MPF manifestou-se no sentido da realização do estudo nos moldes propostos pela FGV. Em setembro de 2022, temendo que a demora no proferimento de uma decisão judicial sobre o tema pudesse prejudicar mais ainda a continuidade e a concretização dos estudos epidemiológicos propostos pela FGV, o MPF apresentou nova manifestação pedindo que a questão fosse decidida.
“Ao deixar de apreciar questão envolvendo interesse público patente em tema tão importante quanto a realização de estudos de impactos à saúde humana decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, mesmo já ultrapassados quase sete anos desde o desastre, aumentam os temores dos moradores sobre os impactos à saúde e cria-se risco de dano irreparável diante da possibilidade de agravamento de problemas de saúde sem que tenha sido oportunizada a elaboração de estudos epidemiológicos propostos pela FGV, expert contratada para realizar justamente o diagnóstico dos danos socioeconômicos”, ponderou o órgão ministerial.
Ao proferir a decisão determinando a continuidade do estudo, a Justiça ressaltou que apesar de as empresas não concordarem com a metodologia proposta pela FGV, a questão é outra. Trata-se de direito do MPF de contratar um especialista para auxiliá-lo.
“Na prática, estamos diante de confusão injustificada entre conceitos: de um lado há a questão do assessoramento técnico do MPF, fundamentado na paridade de armas e na obtenção de elementos que permitam a organização e o encaminhamento do pleno e livre exercício das funções ministeriais. Do outro, existe a discussão, judicializada no âmbito do Eixo 2, que discute os estudos de risco à saúde humana e risco ecológico, de acordo com os itens de divergência que originariamente serviram como fundamento para a instauração do referido processo”, afirmou o magistrado.
Além disso, a decisão ressaltou que o resultado do estudo não é vinculante e que será apreciado pelo Judiciário. Caso as empresas não cumpram o determinado, foi estabelecida multa diária no valor de R$ 100 mil, limitada ao total de R$ 5 milhões.
Mercúrio
A contaminação por metais pesados, como mercúrio, chumbo e arsênio, é um dos fatores de grande preocupação entre as instituições que realizam pesquisas na região atingida. Uma delas é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que, a partir da análise preliminar de dados apresentados pela Aecom do Brasil, aponta que o aumento de transtornos cognitivos na região atingida por ter relação com metais pesados encontrados nos pescados de águas pluviais, estuarinas e marinhas. Metais esses contidos nos rejeitos de mineração da Samarco/Vale-BHP ou que estavam nos leitos dos rios, manguezais e mar e foram lançados nas colunas d’água, atingindo os pescados.
Comissão externa
A necessidade de estudos e ações na área de saúde pública com os atingidos consta também no relatório final da Comissão Externa da Câmara dos Deputados dedicada a acompanhar o processo de repactuação liderado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021. Interrompida em setembro de 2022 sem acordo, em função da “falta de responsabilidade ambiental e social” das empresas criminosas, conforme afirmaram, em comunicado conjunto, os governos do Espírito Santo e Minas Gerais e as instituições de Justiça que defendem os atingidos, a repactuação foi retomada no final de 2022 e segue sendo acompanhada pelo governo federal, agora sob gestão do presidente Lula (PT).
Relatado pelo deputado capixaba Helder Salomão (PT), o relatório final cita os estudos já desenvolvidos pela FGV que apontam, entre outros aspectos, um crescimento de até 400% nos casos de abortos na região atingida, além de um aumento acima da média de hospitalizações por câncer, com elevada probabilidade de a enfermidade ter se desenvolvido após o rompimento da barragem, e de uma redução significativa na expectativa de vida da população atingida e de maior letalidade em doenças.
Entre as recomendações sobre saúde no relatório, está a instituição de um programa de longo prazo específico da área de saúde, para o acompanhamento das populações na bacia do Rio Doce atingidas direta ou indiretamente pela lama, sobretudo os programas oferecidos no âmbito do Sistema Único de Saúde, hospitais e centros de saúde.
É o fim da pesca no Rio Doce e litoral capixaba?
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