A Enfermagem recebeu com revolta a notícia da suspensão do piso salarial da categoria pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso. A decisão, divulgada nesse domingo (4), tem motivado uma série de manifestações pelo país. No Estado, a categoria, de forma independente, promete atravessar a Terceira Ponte nesta segunda-feira (5). Já o sindicato representativo, o Sindienfermeiros-ES, participará da reunião da Federação Nacional dos Enfermeiros, que terá como pauta as mobilizações em defesa do piso.
A decisão de Barroso é proveniente de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que questionou a constitucionalidade da Lei 14.434/2022, que estabelece o piso. O ministro deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.
O ato desta segunda terá concentração na Praça do Pedágio e na Praça do Papa. Um trabalhador da área que está na organização, mas prefere não se identificar com medo de demissão, afirma que este será o primeiro de muitos. Ele não descarta a possibilidade de realização de mais manifestações de rua e piquetes na porta da rede privada de saúde, uma vez que é o empresariado que está contra o piso, e não as gestões públicas.
Para o trabalhador, com a decisão de Barroso, a Enfermagem “foi de herói a palhaço”. “Trabalhamos pra caramba na pandemia, muitos perderam suas vidas, tivemos o reconhecimento da sociedade, e agora fazem isso. Ninguém foi contra nosso piso, muito pelo contrário, as pessoas reconhecem que ele é justo”, diz, destacando que muitos profissionais haviam feito planos de viagem e outras atividades, considerando que teriam uma qualidade de vida melhor com o pagamento do piso.
A presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado (Sindienfermeiros-ES), Valeska Fernandes, representará a entidade em uma reunião da Federação, que acontece nesta segunda-feira, às 17h. Ela informa que o Espírito Santo irá levar como proposta a criação de um calendário nacional de lutas unificado. “Temos que unificar as forças, as lutas, para não pulverizar”, enfatiza.
Valeska afirma que a decisão de Barroso foi uma surpresa para a categoria, mas, “juntando as peças”, conclui que o empresariado já estava ciente de que o posicionamento seria esse. Isso porque, a rede privada de saúde deixava claro que pagaria o piso somente após manifestação do STF, dizendo, inclusive, que estava disposta a pagar multa. “Para mim, essa fala mostra que sabiam que a decisão seria favorável”, acrescenta.
A sindicalista relata ainda que o piso tem sido usado como desculpa para demissão em massa. Antes da promulgação da lei, aumentou o número de auxiliares e técnicos demitidos, entretanto, a entidade ainda não contabilizou a quantidade de trabalhadores dispensados. Essas demissões, aponta, não são de fato motivadas pelo piso, mas sim pela crise nos planos de saúde.
A dirigente sindical afirma que, com a pandemia, que agravou a crise econômica, muita gente não tem mais condições de pagar plano de saúde. Ela relata que isso, inclusive, é um dos argumentos do empresariado durante as negociações da Convenção Coletiva quando o assunto é reajuste salarial. Quanto ao impacto financeiro da implementação do piso, Valeska afirma que houve um estudo “robusto” do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apontando que seria de 12% a 13% nas redes privada e filantrópica e de 2% nos entes federados.
“A rede privada teve mais de um ano para se preparar, mas contou com a não aprovação do piso e depois com a Adin, que já estava programada para ser feita por eles. O piso é uma vitória legítima da categoria. Não tem que ser retirado. Sendo legítimo, o empregador tem que pagar, tem que se organizar para isso. Como todo bom empresário, tem que ter um caixa”, defende.
A Lei 14.434/2022, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT), estabeleceu piso salarial de R$ 4,75 mil para os enfermeiros; 70% deste total – R$ 3,2 mil – para técnicos de Enfermagem, e 50% – R$ 2,7 mil – para auxiliares e parteiras. Pelo texto, o piso nacional vale para contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e servidores das três esferas – União, Estados e Municípios -, inclusive autarquias e fundações.
Com a suspensão do piso, serão intimados a prestar informações no prazo de 60 dias sobre o impacto financeiro da norma, os 26 estados e o Distrito Federal, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e o Ministério da Economia. Já o Ministério do Trabalho e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) terão que informar detalhadamente sobre os riscos de demissões. Por fim, o Ministério da Saúde, conselhos da área da saúde e a Federação Brasileira de Hospitais (FBH) precisarão esclarecer sobre o alegado risco de fechamento de leitos e redução nos quadros de enfermeiros e técnicos.
O Senado, a pedido do STF, já se posicionou sobre o assunto, pela const
itucionalidade do piso. Também tiveram o mesmo posicionamento a Câmara dos Deputados e a Advocacia Geral da União (AGU).
Diante da suspensão do piso, Contarato afirmou, em suas redes sociais, que lamenta a posição do STF. “O STF, ao qual recorreu o setor patronal, não pode desprezar Lei e Emenda à Constituição aprovados por amplíssima maioria do Congresso. Estou empenhado para que o Tribunal, na via recursal, reverta essa decisão!”, disse. O parlamentar prossegue dizendo que os médicos têm piso quatro vezes maior “e o Judiciário jamais vetou esta medida”. “Os enfermeiros conquistaram a duras penas esse direito por decisão do Poder Legislativo e do Poder Executivo, em ampla e democrática mobilização”, destaca.
Quando a Adin foi ingressada no STF, Contarato protocolou ofício solicitando a concessão de uma audiência pública. O parlamentar, por meio do documento, endereçado ao ministro Barroso, também se colocou à disposição para fazer a defesa da matéria no momento do julgamento. No ofício, Contarato destacou “a deliberação do projeto incluiu debates, discussões e processos de construção de acordos políticos, que ocorreram em ambas as Casas do Congresso Nacional, obedecidas as regras definidas e expressas na Constituição e nos seus Regimentos Internos”.