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Epidemiologista alerta sobre novo comportamento da Covid-19

Mais internações e óbitos sem aumento de casos confirmados já ocorre no RJ, SP e sul do país, diz Ethel Maciel

Lissa de Paula/Ales

Um novo padrão de comportamento da Covid-19 já se revela nos estados ao sul do Espírito Santo, nas regiões Sudeste e Sul do país. O alerta é da epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel, em entrevista na edição atual da Revista Radis, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

“Nós temos percebido um aumento de internação e óbito no Brasil não acompanhado do aumento de casos”, expõe a cientista, contrapondo com o parâmetro inicialmente estabelecido no Brasil, em que, uma grande exposição ao vírus (devido a feriados, férias, eventos e outros momentos de aglomeração) era seguida, duas semanas depois, em média, de um grande aumento do número de casos confirmados, e, após mais um período semelhante, ocorreria o crescimento das internações, para logo depois, o de óbitos . 

Agora, sublinha, “estamos vendo um aumento de internação e óbito muito parecido com o que aconteceu lá no início da pandemia, quando tínhamos poucos testes. É uma situação que preocupa”, adverte, destacando, a redução da busca da população pelos testes. “[As pessoas] estão tendo síndromes gripais [e] não estão procurando testagem”. 

Ethel explica que o fenômeno teve início no estado vizinho do Rio de Janeiro, avançou sobre São Paulo e por toda a região sul brasileira. “Continuamos acompanhando para ver o que vai acontecer no Espírito Santo. Em São Paulo, várias escolas retornaram com o uso de máscara e suspenderam aulas”, informa. “Alguns países relaxaram, mas voltaram atrás. Estamos vendo Xangai [na China] com lockdown severo”, contextualizou. “Temos que estar alertas: a pandemia continua”. 

Máscaras 

O relaxamento do uso de máscaras, adotado também pelo governo capixaba, ainda no início de abril, continua alvo de críticas da pesquisadora, que se apoia na postura defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além do aumento da carga viral em circulação e das contaminações (mesmo que assintomáticas), que podem produzir novas variantes de preocupação, há ainda o desestímulo ao uso, mesmo por parte de quem ainda se sente mais confortável com a proteção facial, ponderou, na ocasião da liberação.

À Radis, Ethel Maciel falou ainda sobre como o governo de Jair Bolsonaro (PL), que adotou como “espinha dorsal” o negacionismo científico, levou a uma ausência de estratégias de controle. “A estratégia escolhida pelo governo era todo mundo sair, se contaminar logo para acabar a pandemia, exatamente o contrário do que preconizamos em saúde pública, que seria testar, encontrar os casos positivos e isolar para impedir o contágio. Do ponto de vista da saúde pública, testar e isolar rápido é uma das ações mais importantes, além, claro, da vacina, mas no início a gente não tinha a vacina”, explica.

Outra grande “bola fora” do governo federal, destaca a epidemiologista, foi a revogação da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN). Para estados e municípios, a medida traz um grande problema de falta de prazo para adequar licitações, contratação de pessoas e serviços, o que pode levar a uma crise sanitária. “Serviços serão descontinuados. Profissionais que estão contratados via decreto terão seus contratos finalizados e isso vai ser bastante prejudicial para a população”, explica. 

Na tentativa de remediar a falha, conta Ethel, secretários estaduais e municipais têm pedido um prazo de noventa dias para as devidas adequações, o que ainda é ignorado em Brasília. Em paralelo, organizam e orientam, via conselhos nacionais de Secretários Municipais e Estaduais de Saúde (Conasems e Conass), a publicação de decretos estaduais e municipais de emergência em saúde pública, vinculados ao decreto da OMS de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional. “Acredito que vai caminhar nessa linha”, pondera.

Viva o SUS

Sobre a bandeira “Viva o SUS”, Ethel Maciel reconhece a forte disseminação da mensagem em redes sociais e mídia em geral, mas assevera que “a gente não pode ficar só na bandeira, no cartaz, na palavra. O SUS precisa ser financiado”. As estruturas que foram criadas de forma temporária para atender a pandemia, muitas delas por meio de contratos e licitações vinculados ao decreto nacional de emergência, “precisam ser integradas para atendimento da população, precisam ser permanentes; e isso exige planejamento e, principalmente, financiamento”. 

Devem ser continuados, sublinha, mesmo quando a pandemia acabar. “Mesmo quando o decreto da OMS for revogado, coisa que ainda não foi, pois a pandemia continua, nós ainda teremos muitas ações no pós-pandemia”, assegura. 

Um dado que indica a complexidade do mundo pós-pandêmico é a estimativa da OMS de que aproximadamente 20% das pessoas que tiveram Covid terão alguma sequela. “Algumas dessas sequelas vão necessitar de serviços estruturados, multidisciplinares, com profissionais de diferentes áreas atendendo. Nós precisamos estruturar isso”, pleiteou, usando o zika vírus como lição que precisa ser aprendida. “Temos hoje mais de três mil crianças com sequelas importantes [de zika vírus] e não conseguem atendimento ou têm atendimento precário. Precisam de neurologista pediátrico, gastroenterologista, por exemplo, e são especialidades difíceis de se conseguir no SUS”.

Vacinas 

A desigualdade do acesso às vacinas foi abordada pela cientista com um lamento pela não funcionalidade da iniciativa Covax, elaborada pela OMS para promover uma distribuição igualitária das vacinas no mundo. “Não vingou, não deu certo. Vimos países que tinham mais de sete doses de vacina por habitante, e países que não tinham nada”, expôs. Atualmente, acredita-se que um pouco mais de 50% das pessoas no planeta estão vacinadas, “mas ainda longe dos 70% minimamente ideais”. 

Além da desigualdade de acesso, um outro obstáculo importante à ampliação da cobertura vacinal é o movimento antivacina, que começou nos países desenvolvidos e começou a crescer no Brasil puxado pelo próprio governo federal. “Foi bastante ruim ter a figura do presidente e dos ministros da saúde como centro, ao veicularem notícias mentirosas”, lamentou.

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