A decisão do Governo Federal, que sancionou a Lei 13.840 autorizando a internação involuntária de dependentes químicos, sem a necessidade de autorização judicial, e as disposições sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre as Drogas (Sisnad) e as condições de atenção aos usuários, foram os temas de um debate promovido pela Frente Parlamentar de Enfrentamento à Situação de Rua, nessa sexta-feira (26), na Câmara de Vitória.
No encerramento da reunião, o vereador Mazinho dos Anjos (PSD) sugeriu a criação de uma estrutura mínima para atendimento a pessoas com problemas psiquiátricos em todos os hospitais gerais. “Nem que seja feita uma experiência-piloto como a já realizada no Hospital São Lucas”, propôs.
Já a promotora Célia Luz Vaz manifestou sua preocupação sobre a forma como a lei foi concebida. “Temos uma Constituição que garante as liberdades individuais e são preocupantes os critérios que regem esta lei”, ressaltou. “O esforço da Constituição é voltado para a solidariedade com o ser humano e a aplicação dessa lei nos faz refletir sobre a fraternidade necessária na sociedade”, acrescentou, destacando o objetivo de Estado de bem-estar social da Carta Magna.
O psiquiatra Paulo Bonates, por sua vez, ex-diretor do Hospital Adalto Botelho, falou de sua vasta experiência com doenças psiquiátricas. “Faço parte de uma geração que se esforçou para comprovar que é um erro ligar doença mental com violência e parar a desospitalização. Isso deu certo na Itália, onde a medida foi seguida por forte amparo social aos pacientes. Então há muitos aspectos sociais envolvidos. Durante os 15 anos que dirigi o Adalto Botelho nunca houve um caso de violência envolvendo os pacientes. Me preocupo com a marginalização da doença mental”, comentou.
O médico também ressaltou a inexistência atual de uma estrutura governamental para o atendimento dos pacientes mentais, e relembrou que, no passado, o governo pagava hospitais para mantê-los internados, o que muitas vezes era um alívio para a família e para a sociedade, mas criou uma “indústria lucrativa”, e muitas vezes injusta, nos critérios de internação e alta. Para Bonates está faltando um elo fundamental no enfrentamento do problema da doença mental. “Todos os hospitais deveriam oferecer um atendimento clínico para esses pacientes, e hoje nenhum oferece”, criticou.
Também foram levantados questionamentos mais amplos sobre com promover a reinserção social dos pacientes e os critérios familiares para definir quem precisa de internação, além da participação dos conselhos populares e do poder público no debate. “Já recebi pacientes que se diziam vítimas da família e às vezes é difícil determinar quem está com a razão”, relembrou Bonates.
Comunidades terapêuticas
Profissionais de saúde mental, assim como militantes de Direitos Humanos, se opõem às internações compulsórias e, principalmente, às comunidades terapêuticas que estão dominando o tratamento da dependência química no Brasil, que, em regra geral, são geridas por instituições religiosas e não possuem quadro técnico com profissionais capacitados para esse atendimento.
Para o militante do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e integrante do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra), Gilmar Ferreira, em muitas das comunidades terapêuticas já foram flagradas práticas de violências, segregação e tortura. Além disso, elas oferecem, em sua maioria, um atendimento precário e com viés puramente religioso e com objetivos de arregimentar fiéis; tudo isso com dinheiro público. Em 2018, o Governo Federal destinou R$ 90 milhões para as comunidades terapêuticas, repasse que passou para R$ 155 milhões no Governo Bolsonaro.
“O Estado precisa afirmar o seu caráter laico. Os serviços de prevenção e tratamento para dependência do álcool e outras drogas devem estar disponível a todos na rede pública de saúde com equipamentos e profissionais capacitados, a exemplo dos Centro de Prevenção e Tratamento de Toxicômanos (CPTT’s) e dos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Nesse sentido, essa nova lei representa um enorme retrocesso, rebaixando os avanços legislativos que vieram com Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10216/2001), que tramitou por mais de 12 anos”, explicou o militante.
Para ele, a nova lei federal vai aumentar a corrida por internações compulsórias de dependentes químicos, o que também aumentará os gastos públicos com essas comunidades terapêuticas, “desviando cada vez mais recursos públicos para essas comunidades, muitas delas com viés religioso fundamentalista, e não haverá vontade política para ampliar a rede de atendimento no serviço público”.