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Lideranças comunitárias vão monitorar danos à saúde em áreas atingidas

Crime da Samarco/Vale-BHP impõe doenças e transtornos mentais a comunidades capixabas

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Leonardo Sá

Coletivos comunitários vão atuar na identificação dos impactos à saúde causados pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP, que impactou municípios capixabas ao longo da bacia do Rio Doce e no litoral, e exigir medidas efetivas que considerem as vivências dos atingidos. Para isso, têm sido realizadas capacitações em Vigilância Popular em Saúde para lideranças de todo o Brasil, pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). No Espírito Santo, as primeiras oficinas foram realizadas neste mês, no município de São Mateus, norte do Estado.

A iniciativa, coordenada pelo Núcleo Estadual de Saúde do MAB, criado em 2023, aborda temas como a história da conquista do Sistema Único de Saúde (SUS), o conceito de Determinação Social da Saúde, e as práticas de Vigilância Popular em Saúde. “Os atingidos denunciam constantemente os problemas de saúde decorrentes das barragens de mineração. Nosso objetivo é organizar essas denúncias e transformar a vivência das comunidades em base para políticas públicas mais justas e efetivas”, destacou o coordenador estadual do MAB, Marcus Thadeu, conhecido como Zeca.

JV Andrade/Ales

Desde o crime da Samarco/Vale-BHP, em 2015, os atingidos têm enfrentado uma série de problemas de saúde, como doenças respiratórias, de pele e gastrointestinais, além de transtornos mentais agravados pela precariedade das condições de vida. A insegurança alimentar, exacerbada pela dificuldade de acesso a alimentos saudáveis e à água potável, também representa um problema grave nessas comunidades.

Relatórios elaborados pela Aecom Brasil confirmam que pescados e produtos agropecuários da região apresentam níveis elevados de contaminação, recomendando ampla divulgação à população sobre os riscos. Já uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), que analisou sangue, urina e cabelo de mais de 300 pessoas, revelou contaminações agudas entre os voluntários. No entanto, as ações para enfrentar esse quadro são limitadas pela falta de reconhecimento oficial dos danos à saúde.

Apesar da sobrecarga no sistema público de saúde, a Fundação Renova, criada em 2016 pelas mineradoras para gerir a reparação e compensação dos danos causados pelo crime, atuou para omitir os impactos do rompimento da barragem sobre a saúde das populações atingidas, por meio da judicialização dos estudos e planos de saúde pública, como forma de postergar ações urgentes.

O estudo da Ambios, de 2020, considerado fundamental para comprovar o nexo causal entre o desastre e os impactos à saúde, foi barrado pela Renova. O Ministério Público Federal de Minas Gerais (MPF/MG) conseguiu uma liminar para garantir a continuidade dos estudos, mas a decisão não teve efeitos práticos. Além disso, os planos de risco à saúde elaborados pelos municípios atingidos foram aprovados, mas seguem judicializados, o que impede a implementação de medidas.

No âmbito da saúde mental, estudos como o Resumo Executivo criado pelo grupo de pesquisa do projeto “Saúde, água, energia, ambiente e trabalho: tecendo saberes na promoção de territórios sustentáveis e saudáveis”, promovido em cooperação entre a Fiocruz e o MAB, de abril de 2024, apontam o aumento significativo de casos de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, relacionados à perda de suas casas, meios de subsistência e modos de vida, e a contínua ameaça de desastres ambientais.

O MAB tem denunciado o agravamento das condições de saúde e lutado para que o poder público estabeleça um diálogo com as comunidades para discutir as ações de reparação, transferidas para os governos federal e estaduais pelo acordo de repactuação, assinado por Lula em outubro do ano passado, sem a participação dos atingidos. Diante do fracasso do modelo privado e transferência da responsabilidade da maior parte das ações de reparação para o poder público, a organização defende a participação direta dos atingidos na formulação e implementação de políticas públicas implementadas nesta nova fase da reparação.

Entre as ações previstas no acordo de repactuação, está a destinação de R$ 260 milhões para a construção de um novo hospital, a Maternidade Silvio Avidos, em Colatina, além da aquisição de equipamentos e outras iniciativas do Programa Especial de Saúde – Rio Doce. Para o representante do movimento, é essencial que esses recursos sejam aplicados com transparência e em diálogo com os atingidos. “As comunidades não são especialistas em saúde, mas conhecem profundamente as consequências que enfrentam em seu dia a dia”, destaca Zeca.

Nesse contexto, o movimento reforça a reivindicação pela ampliação dos mecanismos de participação popular, como Comitês de Atingidos, Fóruns de Controle Social e Conselhos de Acompanhamento, para garantir que as decisões sobre os recursos da repactuação atendam verdadeiramente às necessidades das comunidades atingidas. “Não aceitaremos que a vida dos atingidos seja decidida em mesas de negociação, sem nossa presença. Vamos seguir cobrando por participação nas decisões sobre a saúde”, pontua.

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