Coletivo MESN defende inclusão da seletividade alimentar severa entre critérios aceitos na Farmácia Cidadã
A seletividade alimentar severa precisa ser incluída entre os critérios aceitos pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) para a dispensação de fórmulas nutricionais pela Farmácia Cidadã. O pleito é do Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN), que luta para que as crianças com esse problema, geralmente autistas, tenham acesso às fórmulas enquanto realizam terapias de médio e longo prazo que possam resultar em melhorias significativas na sua dieta cotidiana.
“São muitos casos, crianças que só comem uma única coisa, só purê de batata, só o biscoito tal…e ficam sem comer na escola, às vezes passam dias sem comer nada nem em casa, chegando a ser internadas, de tão fracas”, relata Lucia Mara Martins, coordenadora-geral do Coletivo.
É o caso de Irani Rodrigues do Nascimento, moradora do bairro Estrelinha, em Vitória, que tem dois filhos autistas, de nove e seis anos, com seletividade alimentar severa. A fórmula nutricional que ela prepara para os dois vem de latas doadas e do pouco que ela mesma consegue comprar. A demanda mensal em casa, para atender a todas as refeições, é em torno de 15 latas. Dependendo da marca – PediaSure e Nutrem são as mais conhecidas -, o valor de cada lata varia entre R$ 60 e R$ 105.
“Tenho laudo da nutricionista e da nutróloga pedindo a fórmula, mas meu pedido foi negado duas vezes. Entrei na Defensoria Pública, dia 28 vai ter audiência. Falam que se meu filho ficar só com a fórmula, pode ter vários problemas de desenvolvimento daqui a cinco anos. Mas se ele estiver vivo daqui a cinco anos, eu já vou estar feliz”, roga Irani.
Em paralelo, Irani, Lucia e diversas outras mães têm pautado o assunto nas reuniões realizadas com o governador Renato Casagrande (PSB). A desta segunda-feira (25) será a quarta da série, que teve início em fevereiro, depois que as mães acamparam por cinco dias no Palácio Anchieta com seus filhos, pleiteando um encontro como chefe de Estado e os secretários de Saúde (Nésio Fernandes) e Educação (Vitor de Angelo).
“Já tratamos disso nas últimas três reuniões com o governador, mas nada mudou. Da parte da Sesa, também não. Eles dizem que a criança não pode ficar dependente dessa fórmula, que precisa aceitar outros alimentos, que essa não pode ser a primeira opção. Meu filho tem seis anos e essa não foi a minha primeira opção. Minha primeira opção foi um prato de arroz com feijão, carne, verduras, folhas. Eu tenho um filho de 19 anos que come de tudo e fui eu que o ensinei a comer. Eu já ensinei três crianças a comer, que foi meu filho e meus dois sobrinhos, eles comem de tudo. A mesma educação alimentar que eu tive, eu consegui transmitir para eles, mas eu sou frustrada porque não consegui passar para os meus dois filhos caçulas. Tudo o que a gente queria, é que nossos filhos comessem bem”, desabafa Irani.
O pleito que vai ser reforçado é a mudança na Portaria 098-R/2021, que estabelece os critérios para aprovar pedidos de dispensação das fórmulas nutricionais. “Pela portaria, meus filhos não têm direito. Independente que eles não se alimentam. Querem esperar chegar ao ponto deles precisarem de sonda para se alimentar. Hoje funciona desse jeito”, lamenta.
Irani conta que a filha tem conseguido alguns avanços com a terapia e já consegue se aproximar das frutas, brincar com algumas, cheirar. “Acredito que daqui a um período vou conseguir dar fruta para a Ster comer. O Nicolas que ainda não melhorou nada, ele faz vômito quando vê fruta ou qualquer coisa verde, sai correndo de perto do prato”.
Atualmente, os únicos alimentos que o menino aceita são achocolatado (de apenas uma marca específica), que ele toma antes de ir para a escola e no lanche da tarde, e um pouco de arroz e feijão, que às vezes aceita no almoço e na janta. “Ele comia coxinha de galinha de uma padaria aqui perto, mas começaram a colocar cheiro verde e ele nunca mais comeu, faz ânsia de vômito”.
Acontece que às vezes nem o arroz e feijão é aceito, e já houve várias ocasiões em que o Nicolas ficou dias seguidos sem comer. “Quando ele fica muitos dias sem comer nada, eu faço o macarrão do miojo. Ele já chegou a comer três pratos de macarrão. Depois, desmaia e dorme um tempão. Bate aquela fraqueza, do corpo muito tempo sem comer, e onde ele está, ele cai e dorme”.
Irani lembra que os filhos já chegaram a comer frutas e verduras, mas à medida que o autismo se manifestou com mais força e o diagnóstico foi confirmado, a seletividade também se agravou, até chegar a esse ponto.
A história é semelhante à de Thatiane Ribeiro Guimarães de Carvalho, que mora em Jacaraípe. O filho, Benjamin, de cinco anos, também já foi de comer frutas e sucos naturais. Mamou até os quatro anos, mas nunca aceitou leite nem derivados, nem carne ou pão. A seletividade começou a aparecer durante a introdução de alimentos salgados. “Ele tomava caldinho de feijão, batatinha, mas abandonou as frutas. Ficou comendo comidinha de sal normal, com legumes e tudo, mas nunca mais comeu frutas e sucos”.
Durante a pandemia, ela conta que o quadro se agravou. “Ele passou um período três meses só comendo aquelas batatas de potinho, industrializadas, biscoito de maisena do pacote vermelho e refrigerante coca-cola. Não aceitava mais nada, nem batata frita natural, nada. Perdeu peso, passou mal na escola, porque não aceita nada”.
As vitaminas e suplementos, Thatiane só consegue fazer o filho tomar se for junto com o refrigerante. “Na água ele não toma remédio. As pessoas me criticam muito, sofro muito preconceito por causa do refrigerante. Mas as pessoas não sabem da saga que eu passei pra chegar nesse recurso. Ele teve que tomar vitamina B12 na veia. Qualquer medicação hoje dele é no refrigerante, não consigo na água e o suco ele não toma”.
Desde que iniciou uma nova terapia, Bejamin tem mostrado alguns avanços. “Hoje ele está melhorzinho, come o arroz, o feijão coado e ovo frito. Por isso não pedi a fórmula. Acredito que ele vai continuar melhorando. Eu leio muito sobre autismo para ajudar meu filho, porque a gente não encontra profissionais especializados, nutricionistas especialistas em seletividade alimentar e autismo. Nas escolas também é difícil. Se a criança come, ok, se não, não é feito nenhum trabalho. A maioria dos autistas não come nada molhado, tem que ser tudo crocante. Ovo tem que ser bem fritinho. A Prefeitura da Serra disse que vai comprar fornos para as escolas, para fazerem alimentos mais aceitos pelos autistas. Se isso acontecer, vai ser muito bom”.