No Dia Nacional da Saúde, homenagem ao programa que evitou uma tragédia ainda maior no país com a Covid-19
“O SUS pra mim é um paradigma internacional”. “Não tem como falar de Saúde no Brasil sem falar no SUS”. Profissionais reconhecidas na defesa da saúde pública no Espírito Santo, a doutora em Bioética Elda Bussinger e a epidemiologista Ethel Maciel, respectivamente, prestam suas homenagens ao Sistema Único de Saúde brasileiro neste cinco de agosto, Dia Nacional da Saúde.
“Penso que o SUS deveria ser declarado patrimônio imaterial da humanidade”, argumenta Elda, rememorando uma tentativa já empreendida nesse sentido tempos atrás. “É o maior programa sanitário do mundo. Deveria ultrapassar o Brasil, deveria servir de referência para o mundo”, afirma a especialista, que é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB).
“Nós nos inspiramos no modelo do Reino Unido, mas construímos algo muito maior do que aquele que nos inspirou. Analisando as leis orgânicas da Saúde, vemos que nós temos algo muito complexo. Nenhum sistema de saúde atende a um quantitativo tão grande de pessoas”, descreve.
“O SUS deu conta de resolver problemas de várias endemias e pandemias ao longo da história”, conta. E na crise da Covid-19, salvou a vida de milhares de pessoas, acentua, lembrando que o reconhecimento foi feito também no Reino Unido, pelo primeiro-ministro, Boris Johnson, que se tratou da doença em um hospital público do país e rendeu suas homenagens ao National Helath Service (NHS) britânico.
“Sem o SUS nessa pandemia, teria sido uma tragédia absoluta. O sistema privado não se interessa pelo coletivo, mas pelos atendimentos individuais. E a lógica do SUS é a lógica da saúde coletiva”, diferencia.
As “mazelas do SUS”, ressalta, “não estão na sua concepção, mas nos constantes ataques que ele sofre”, esclarece, citando três principais: o subfinanciamento, os jogos políticos e as tentativas de desqualificação.
O subfinanciamento pode ser observado quando se analisa a queda dos repasses federais ao sistema desde 2014. “É um ataque violento ao SUS. Não tem como manter o projeto inicial sem financiamento. E a Emenda Constitucional [EC] 95, é um dos piores”, salienta, referindo-se à EC que congela os investimentos públicos em saúde, educação e outros setores essenciais por 20 anos, ou seja, mesmo com o crescimento da população e dos custos de materiais e serviços, o orçamento dessas áreas será o mesmo por duas décadas, inviabilizando o seu êxito.
Já os jogos políticos, explica Elda, objetivam usar o recurso do SUS como moeda de troca nas negociações políticas, entre a União e os governadores, por exemplo, como se observou durante a pandemia, em que o Ministério da Saúde liberou apenas 29% dos recursos destinados ao enfrentamento do SARS-CoV-2.
Outro ataque violento, prossegue, é engendrado por empresas de saúde privada e repetida pela grande imprensa, ao enfatizar os problemas do SUS, criando uma imagem de caos e ineficiência para a sociedade.
Como exemplo, Elda conta que há alguns meses, viu, em Cariacica, um outdoor onde constava a foto de uma fila enorme e a frase “Não fique na fila, venha para tal plano de saúde”. Indignada com a tentativa de desqualificação, ela fez uma notificação ao Ministério Público Estadual, onde a promotora Sandra Lengruber agiu rapidamente, determinando a retirada da publicidade pela empresa. O caso, relata, foi compartilhado com seus alunos de bioética, como prova de que é injusta essa contrapropaganda contra a saúde pública brasileira.
“O privado não quer acabar com o SUS”, afirma Elda, pois é o SUS quem financia os hospitais particulares e as Organizações Sociais de Saúde (OSSs) que administram muitos hospitais públicos no Estado e no país. É a “SUS-dependência”, diz. “É muito fácil ser dono de uma empresa que é financiada pelo dinheiro público, sem correr o risco do negócio, que é o que justifica o lucro do empresário”, critica.
SUS-exclusivos
Para a enfermeira, epidemiologista, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS) Ethel Maciel, outro neologismo aplicável ao SUS – além da SUS-dependência – é a SUS-exclusividade, que atinge mais de 70% da população brasileira e capixaba. “Essa pandemia mostrou pra gente a importância! Muitos daqueles que não compreendiam o SUS, passam agora a entender a importância de defende-lo”, observa.
Nesse 5 de agosto, sublinha Ethel, é necessário homenagear os profissionais de saúde. O Brasil é o país onde enfermeiros e médicos mais morrem de Covid-19. No início da pandemia, relata, ainda não havia equipamentos em quantidade adequada pra proteção individual. Eles são descartáveis, mas como havia pouco, foi preciso usar por mais tempo. “Há várias denúncias no Conselho Regional de Enfermagem. Máscaras sendo usadas por uma semana e outras situações”, diz.
“Esse Dia Nacional da Saúde não poderia passar sem as homenagens a esses profissionais que sustentam o SUS, que acreditam nesse nosso sistema único de saúde. e que apesar dos salários, das jornadas de trabalho longas e cansativas, fizeram com que o número de mortos fosse muito menor do que poderia ter sido se não tivéssemos um sistema que desse acesso universal das pessoas, ao pronto-atendimento, ao hospital, a atenção primária”, explana.
Os Estados Unidos, exemplifica, podem ser uma boa referência para entendermos a dimensão da importância do sistema público brasileiro. Lá, as pessoas tiveram que pagar contas estratosféricas referentes ao atendimento para Covid-19, havendo ainda muitas pessoas que adiavam ao máximo a procura pelo serviço de saúde, já sabendo do elevado custo. Somente depois de muitas mortes é que o governo estadunidense criou um plano emergencial, onde os cidadãos não precisam pagar pelo atendimento à Covid.
“Com certeza teremos muito tempo pra analisar os números e essas diferenças de respostas entre locais que têm ou não têm sistemas universais, mas nas primeiras análises a gente pode dizer que ter esse sistema de saúde universal foi muito importante pro nosso enfrentamento”, pondera.
Fruto da democratização
Em suas redes sociais, Ethel disse que “a missão dessa geração foi renovada, precisamos e devemos nos unir em defesa da mais eficiente e consolidada política social no Brasil”, numa referência aos jovens. “O SUS é fruto da redemocratização do país, da Constituição de 1988, de tudo o que aconteceu pela redemocratização, é fruto dessa luta. Aquela geração que não viveu isso, pode, agora na pandemia, entender esse valor, de que se não tivesse uma unidade de saúde próxima de você e a possibilidade de leitos hospitalares, o acesso de todas as pessoas, a gente teria uma tragédia sem precedentes, dada a nossa desigualdade social”, explica.
“Por que eu defendo SUS? Porque sem ele éramos todos indigentes, e com ele dividimos um destino comum de cidadania. O SUS é solidariedade, o SUS é a prova de que podemos ter esperança, que entendemos nosso destino nessa casa chamada Brasil”, exulta.