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Médica afastada do Himaba deve ser reintegrada, decide Justiça

Assembleia recebeu denúncia sobre possível relação desse e outros casos com morte de Kevinn dentro de ambulância

Sesa

O juiz Marcos Antonio Barbosa de Souza, do 2º Juizado Especial Criminal e Fazenda Pública da Comarca da Capital, em Vila Velha, determinou a reintegração imediata da médica Maiza Uliana à Unidade de Tratamento Pediátrico (Utip) do Hospital Infantil e Maternidade Azir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha, por entender que seu afastamento do setor, comunicado no final de fevereiro, foi feito de forma ilegal. 

A decisão se deu na tarde dessa terça-feira (17) em caráter liminar, no âmbito da ação movida pela médica (nº 5005629-91.2022.8.08.0035). Na peça, a profissional afirma ser servidora pública efetiva, médica intensivista e pediatra de formação, com 35 anos de serviço público e mais de 20 anos lotada na Utip do Himaba, período em que “nunca recebeu uma única advertência ou reclamação de sua conduta profissional” e acumulou sucessivas avaliações anuais (Sistema Fadi) como “excelentes”, tendo inclusive recebido “nota máxima no último ano”. 

O relato feito à Justiça informa que o afastamento foi informado pelo gestor do Himaba, Fábio Renato de Souza Diehl – representante da Organização Social de Saúde (OSS) Instituto Acqua, selecionada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) para administrar a unidade hospitalar – “sem apresentar nenhuma justificativa séria ou plausível para tal ato”. 

Estarrecida e indignada, Maiza procurou informações sobre a decisão do gestor junto aos seus colegas, por entender que detinha “reconhecimento da grande maioria do corpo clínico da unidade hospitalar (…), inclusive, depois do enfrentar na linha de frente momentos difíceis e dolorosos com a pandemia da Covid-19”. Procurados, a coordenadora da Utip, Denise Maria Nicola Borbolotti, e o diretor clínico do Hospital, Guilherme Quintães, disseram a Maiza que não tinham conhecimento de nenhuma reclamação ou pedido feito ao gestor no sentido de afastá-la do cargo. 

Ao indagar diretamente a Fábio Diehel, a médica relata que “de forma desrespeitosa, ríspida e arrogante, [o gestor do Instituto Acqua] apenas afirmou que a sua decisão estava tomada e sem retorno, sem apresentar qualquer justificativa”. Em seguida, Maiza conta que “protocolou administrativamente pedidos [de justificativa para o afastamento] junto à direção do hospital e ao secretário estadual de Saúde [Nésio Fernandes]”, ambos sem êxito.

Diante da dupla negativa de defesa, por vias administrativas, Maiza impetrou a ação judicial ainda no mês de março. Em seu despacho, o juiz Marcos Antonio Barbosa de Souza alega que “em princípio não caberia ao Poder Judiciário adentrar no mérito do ato administrativo, para averiguar a possibilidade ou não da remoção, eis que tal matéria está afeta à discricionariedade. Não obstante, a legalidade do ato deve ser apreciada”. 

Diante dos fatos expostos, prossegue o magistrado, a decisão foi por determinar “a reintegração imediata da servidora requerente ao seu posto de trabalho, na rotina médica da Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrico do Hospital Infantil e Maternidade Azir Bernardino Alves (Himaba), até ulterior deliberação”, decisão que “deverá ser cumprida no prazo máximo de cinco dias, sob pena de multa diária de R$ 500”.

‘Crônica de uma morte anunciada’

No início de maio, o marido de Maiza, o servidor público estadual Marcos Nati Rezende, levou a demanda para conhecimento do presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, deputado Doutor Hércules (Patri), narrando ainda outros casos semelhantes, de médicas afastadas do Himaba aparentemente também sem motivação legal, havendo casos de rompimento de contrato com profissionais que prestavam serviço de forma terceirizada, por meio de suas Pessoas Jurídicas (PJs), bem como casos de servidoras efetivas, como Maiza, que foram “colocadas à disposição da Sesa” para atuarem em outras unidades hospitalares. 

Na denúncia, Marcos Nati revela que vem, há mais de 60 dias, “denunciando os diversos problemas, abusos e arbitrariedade no Himaba” durante a gestão de Fábio Renato de Souza Diehl, como representante da OSS Instituto Acqua. Entre os órgãos acionados no período, estão o Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), Ministério Público Estadual (MPES), Conselho Estadual de Saúde (CES), Ouvidoria do Governo do Estado, Comissão de Ética da Sesa e Tribunal de Contas (TCE-ES). Tendo sido feitas também solicitações ao secretário Nésio Fernandes e ao governador Renato Casagrande (PSB), “sem as devidas providências até a presente data”. 

O documento expõe diversas irregularidades e indícios de má gestão do hospital que, segundo o denunciante, estariam relacionados com a trágica morte do adolescente Kevinn Belo Tomé da Silva, ocorrida na madrugada do dia 30 de abril, dentro de uma ambulância que o havia trazido de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, após uma espera de quatro horas e meia, na porta do Himaba, por um leito de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), que só foi liberado após sua morte. Infelizmente, assinala Marcos Nati, “tal fato é uma crônica de uma morte anunciada”.

A denúncia feita aos deputados destaca “precariedade da mão de obra técnica”, “falhas na assistência a pacientes” e a existência de “profissionais sem qualificação”, “perda na qualidade da residência médica”, “contratações polêmicas” e “fiscalização comprometida”. Relatos que encontram eco em denúncias recebidas por Século Diário há um ano, mediante pedido de anonimato feito por servidores do hospital, que temiam represálias

O contrato de gestão nº 001/2021, firmado entre o Estado e o Acqua no valor de R$ 130,38 milhões, aponta a denúncia, determina “um modelo misto de colaboradores, em que uma parcela será de servidores estaduais efetivos”, no entanto, sob gestão de Fábio Renato de Souza Diehl, a direção do hospital “vem colocando em disponibilidade diversos servidores públicos efetivos (profissionais médicos, enfermeiros e outros) sem nenhuma justificativa ou motivação plausível para os atos”, citando, além da intensivista pediatra Maiza Uliana, as médicas nefrologistas pediátricas Kelly Cristine Merscher Beninca e Patrícia Zambi Meirelles. 

A demissão de profissionais contratados como PJ também ocorre, afirma, “simplesmente por não permitir [que os mesmos façam] nenhum registro das intercorrências que acontecem na unidade hospitalar”, a exemplo da médica intensivista pediatra Júlia Bonn. 

“Outros, ainda, simplesmente estão saindo do serviço espontaneamente, por não concordar com os abusos cometidos pela atual administração do Himaba, que não aceita nenhum questionamento sobre a gestão da unidade hospitalar. É a lei de silêncio imposta pela atual gestão do Instituto Acqua, uma verdadeira afronta a todos os princípios do direito administrativo”, sublinha.

Referência em nefrologia ameaçada

Especificamente sobre a nefrologia pediátrica, setor em que o Himaba se destaca como principal referência em todo o Estado – e motivo alegado pelo secretário Nésio Fernandes para a transferência de Kevinn ao invés de sua internação em um hospital de sua cidade – os afastamento e demissões efetuados pelo Acqua têm provocado “falhas graves na assistência aos pacientes de alto risco”.

“O Himaba tinha anteriormente um quadro de dois nefrologistas pediátrico com vínculo efetivo (que foram colocados em disponibilidade) e mais seis com vínculos através de contrato de Pessoa Jurídica, que também foram dispensados. A atual gestão da OS efetuou a contratação de uma firma com um único nefrologista/adulto (sem residência em nefrologia pediátrica), vindo de outro estado”, aponta a denúncia.

A atual coordenadora da Utip, destaca, “não possui nenhuma residência médica – nem de pediatria e nem de terapia intensiva, em total afronta às Resoluções do Conselho Federal de Medicina nºs. 2.007/2013 e 2.271/2020, que definem as habilitações necessárias [para o cargo]”. 

A denúncia dá conta ainda de que Fábio Diehl “não poderia agora ocupar o de dirigente da OS Instituto Acqua contratada para gestão do Himaba, em afronta aos princípios de legalidade e da moralidade que regem a Administração Pública”. O motivo é que o gestor, antes de assumir a gestão do hospital por do Acqua, havia assumido um cargo de confiança do secretário Nésio Fernandes, como assessor especial em seu gabinete (decreto nº 356-S, de 04/01/2019), quando ambos chegaram juntos ao Espírito Santo, em 2019, vindos do estado do Tocantins. 

“A existência de uma ligação pessoal entre os agentes públicos, entre o fiscalizador e fiscalizado, pode violar o princípio da impessoalidade que rege a Administração Pública”, acentua a denúncia, com base no artigo 8º do Decreto nº 2484-R de 24/03/2010, que estabelece que “aos conselheiros, administradores e dirigentes das organizações sociais qualificadas no âmbito do Programa de Organizações Sociais é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança nas Secretarias de Estado e demais órgãos públicos estatais”.

Inquérito policial

A trágica morte do adolescente na porta do Himaba é investigada pela Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Vila Velha, que já ouviu diversos envolvidos, incluindo as duas médicas plantonistas que negaram atendimento ao jovem quando a equipe da ambulância solicitou internação, já dentro do corredor do hospital. Elas foram imediatamente afastadas pelo secretário Nésio Fernandes, que afirma haver leito disponível no pronto-socorro no momento da sua chegada. 

Em sua defesa, as médicas negam essa afirmação, alegando que o hospital não dispunha de nenhum leito de pronto-socorro com respirador e outros equipamentos de que Kevinn necessitava, e que a única vaga de UTI estava reservada, pelo alto escalão do hospital, para um paciente de hospital particular de São Mateus que estava em trânsito, mas que só chegou ao Himaba após a morte de Kevinn. 

A advogada da família da vítima e prima de Kevinn, Fayda Belo, ao fazer as primeiras leituras do inquérito, ainda sem os depoimentos das médicas, apontou tratar-se de um caso de homicídio por dolo eventual e que é preciso que todos os responsáveis pela tragédia sejam levados ao banco dos réus. 

“Vamos continuar uma busca implacável para enviar alguém até o banco dos réus, ou mais de uma pessoa, porque não vejo que foram só as médicas que erraram. A gente precisa que a mãe [Suzana Belo da Silva] tenha uma resposta jurídica à altura do seu sofrimento”, declarou, na ocasião. 

Familiares, amigos, colegas de escola de Kevinn e militantes de defesa dos direitos humanos realizam, uma semana após o ocorrido, uma manifestação pacífica na praça Jerônimo Monteiro, no centro de Cachoeiro. Uma das participantes, a estudante de Medicina em Cachoeiro e prima de Kevinn, Maria Eduarda Belo, entende que a morte do primo reflete um enredado de injustiças sociais. “É a ponta de um iceberg de falhas do sistema [de saúde e, de discriminações e descasos”.

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