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‘Mortes em excesso’ na pandemia: estudo mostra principais causas

Brasil teve 19% mais óbitos que o estimado e o ES, 24% mais. Número de “causas não definidas” foi 750% maior

Há muito sabe-se que o impacto da pandemia de Covid-19 sobre a mortalidade da população tem sido para além da ação direta do SARS-CoV-2. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado nessa quinta-feira (20), começa a mostrar, em números, o tamanho dele. 

A média nacional foi de 19% mais óbitos que o estimado para 2020. No Espírito Santo, o excesso foi de 25%. Outros 18 estados registraram percentuais superiores ao brasileiro e apenas nove registraram índices menores que a media nacional.

O cálculo foi feito comparando a estimativa de mortes para o ano de 2020, com base na análise de tendência linear do número registrado entre os anos de 2015 e 2019, e o número informado pelo Ministério da Saúde para o primeiro ano da pandemia, que foi de 1,55 milhão de mortes, sendo 190 mil consideradas “em excesso”. 

A pesquisa calculou a taxa de mortalidade para dez grupos de causa de morte: doenças infecciosas e parasitárias (DIP); neoplasias (cânceres); causas endócrinas (como diabetes, tireoide e obesidade); transtornos mentais; doenças cardiovasculares (DCV); doenças do aparelho respiratório (DAR); doenças do trato geniturinário (TGU, incluindo doenças renais e do aparelho reprodutivo); complicações na gravidez, parto e puerpério (GPP); causas externas; e causas mal definidas. 

Os dados foram coletados em maio de 2022, ou seja, já na versão final dos microdados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) disponibilizados após correção realizada pelo Ministério da Saúde.

Os estados com maiores razão de mortalidade padronizada (SMR) estão concentrados na região norte. Já os que possuem menores SMR estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Verificaram-se maior excesso de mortalidade em Roraima e menor no Rio Grande do Sul.

No Espírito Santo, o grupo que registrou maior aumento foi o de causas não definidas (749% mais). Em segundo lugar veio o grupo DIP (696%), na qual se inclui a Covid-19. Em seguida: GPP (39%); Endócrinas (27%); DCV (21%); Transtornos mentais (16%); TGU (9%); e Neoplasias (5%); 

Dois grupos apresentaram redução do número de mortes esperadas para o período: DAR (15% a menos) e Causas Externas (1%). 

O pesquisador Raphael Guimarães, principal autor do artigo de apresentação do estudo, explica que já era esperado que um grupo que apresentaria volume importante de mortes em excesso era o de DIP, já que a Covid-19 está incluída nele.

Sobre o outro grupo de destaque nacional – que no ES foi o mais representativo – de “causas não definidas”, a relação com o vírus SARS-CoV-2 também é íntima. “Tem relação com a dificuldade das redes de assistência em saúde em fecharem diagnósticos dos óbitos. Muitos desses casos eram de Covid, mas as pessoas morreram sem que se pudesse fazer a investigação necessária para saber a causa exata”. 

Ele enfatiza que a principal mensagem do artigo é: “há aumento de mortalidade indireto à Covid, não apenas causa pelo vírus, mas pelo fato da Covid ter criado um cenário desfavorável à rede assistencial no Brasil”. 

Cenário tende a piorar

Raphael Guimarães explica que os números utilizados no estudo possuem uma defasagem em torno de dois anos. “O dado de 2020, já completo e corrigido pelo Ministério da Saúde, foi liberado somente em abril de 2022. Em abril de 2023 devemos ter acesso aos dados de 2021 e provavelmente esses valores vão ser ainda mais dramáticos, pois 2021 foi quando houve o maior colapso do sistema de saúde e o grande impacto da variante Ômicron”, prevê. 

Outra mudança esperada para o estudo de 2021, antecipa, relaciona-se às causas externas, como acidentes de trânsito, de trabalho e violência doméstica. 

Números globais

O estudo também considerou levantamentos semelhantes feitos em outros países e em escala global, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os pesquisadores concluíram, por exemplo, que há diferenças importantes no perfil das mortes, quando comparados os países ocidentais e os orientais. Especialmente, no que se refere ao volume de óbitos e a fatores como a idade mediana, a prevalência de obesidade, a estabilidade política (e o rigor na adoção de medidas restritivas). “Este último fator foi particularmente importante para descrever a série histórica de mortes por Covid-19 no Brasil, que se somou a outros países na evidência de que parte da variabilidade observada na mortalidade pode ser explicada por fatores políticos”, destacam os autores.

O artigo traz, entre as recomendações, a necessidade de “fortalecimento dos sistemas de registro de óbitos em todo o mundo”, pois são “essenciais para a estratégia global de saúde pública”. É necessário, enfatizam, para que se possa melhorar o monitoramento desta e de futuras pandemias, “principalmente considerando-se que fatores socioeconômicos devem ser considerados ao implementar intervenções de saúde pública para melhorar as disparidades no impacto da Covid-19 em grupos populacionais em situação de vulnerabilidade”, tocando aí, na característica sindêmica da pandemia de Covid-19, ou seja, a intensidade da violência da doença é definida muito além de fatores orgânicos de comorbidades e faixa etária, mas também por perfis socioeconômicos, como acesso a serviços de saúde, saneamento básico e mesmo grau de instrução.

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