A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) contratou o Instituto de Gestão e Humanização (IGH), Organização Social (OS), para administrar o Hospital Estadual Infantil e Maternidade de Vila Velha (Heimaba), em agosto de 2017. Como de costume, a promessa era melhorar o atendimento prestado aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e tornar a gestão mais eficiente. Na realidade, um mantra utilizado para justificar a drenagem de recursos públicos para empresas privadas travestidas de organizações sem fins lucrativos.
A assinatura do contrato entre a Sesa e o IGH foi formalizada em meio a diversos questionamentos tanto do edital de contratação quanto de denúncias de irregularidades que a OS enfrenta em outros estados. Mas de nada adiantou. Desde setembro de 2017, a transição foi realizada com abertura de processo seletivo para a contratação de novos funcionários.
A promessa do governo do Estado de melhorar o atendimento, no entanto, só ficou no papel. Desde que a OS IGM assumiu a gestão do Heimaba, as reclamações são inúmeras, incluindo falta de medicamentos, extinção da classificação de risco (espécie de triagem para organizar o atendimento), superlotação e pacientes com doenças contagiosas sem isolamento. Um, no entanto, gravíssimo, tem atingindo pacientes mais vulneráveis: grávidas de alto risco e seus recém-nascidos prematuros.
De acordo com denúncia do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde no Espírito Santo (Sindsaúde-ES), o número de óbitos de bebês prematuros na Utin do Himaba disparou após a terceirização da unidade. Em apenas dois meses, outubro e novembro de 2017, logo depois que a OS IGM assumiu a gestão, os óbitos saltaram para seis, enquanto entre janeiro e agosto do mesmo ano, apenas dois bebês morreram.
O diretor da entidade, Valdecir Gomes Nascimento, informa que as mortes registradas ocorreram por infecção hospitalar e podem estar associadas à inexperiência dos novos trabalhadores contratados pela Organização Social. “Os bebês morreram por infecção por fungos. Além da falta de medicamentos para combater esse tipo de infecção, há ainda o despreparo de trabalhadores com pouca experiência, que foram contratados como mão de obra mais barata no lugar dos experientes servidores públicos”.
Segundo Valdecir, a completa terceirização dos hospitais estaduais pode significar até o fim dos cargos de carreira da Saúde. Para ele, essas empresas privadas supostamente sem fins lucrativos contratam trabalhadores com pouco tempo de formação. “Colocar alguém inexperiente numa Utin Neonatal é total irresponsabilidade”, desabafou.
Terceirização avança
O Heimaba foi o quarto hospital estadual a ter sua gestão terceirizada. Antes dele, passaram pelo mesmo processo o Hospital Jayme Santos Neves, na Serra; o Hospital Central, em Vitória, e o Hospital Estadual de Urgência e Emergência (Heue), também na Capital, que, apesar de ser chamado de “novo São Lucas”, é uma nova unidade criada para extinguir o autêntico São Lucas.
Além dos quatro hospitais já terceirizados, há a intenção de terceirizar o Hospital de São José do Calçado (HSJC), na região do Caparaó; o Hospital Silvio Avidos, em Colatina, na região noroeste; e o Hospital Estadual Roberto Arnizaut Silvares, em São Mateus, no norte do Estado.
“Todos os hospitais estaduais estão ameaçados pela terceirização, o que aumenta a despesa financeira do Estado e, comprovadamente, não melhora o atendimento. É dinheiro que poderia ser usado para melhorar o serviço ofertado à população. Além disso, as OSs exploram mão de obra barata do trabalhador da saúde. O lucro dessas organizações é conquistado ao pagar salários de fome aos trabalhadores e arrancar-lhes o couro”, reforça Valdecir.
Questionamentos
O processo para terceirização da gestão do Heimaba teve início em abril de 2017, com o lançamento do Edital 001/2017 da Sesa. Depois do lançamento, o Ministério Público Estadual (MPES) ingressou com ação civil pública pedindo anulação do certame até que o Estado adotasse as providências necessárias para sanar as irregularidades. O pedido foi acatado pelo juiz Aldary Nunes Júnior, da Vara de Fazenda Pública de Vila Velha, que determinou a suspensão do edital.
A Sesa alegou que sanou essas irregularidades e o processo prosseguiu e, proclamado o resultado, o Conselho Gestor do Hospital e o Sindsaúde-ES protocolaram nova denúncia no MPES em virtude das irregularidades cometidas pelo IGH em outros estados.
A OS acumula denúncias de quebra de contrato. No estado do Piauí, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (TRT-PI) determinou a suspensão do contrato entre a Secretaria de Saúde do Piauí (Sesapi) e o IGH na gestão do Hospital Justino Luz, no município de Picos.
Nesse caso específico, uma comissão parlamentar descobriu diversas irregularidades no contrato e, junto com sindicatos de servidores, ingressaram com a ação questionando a contratação. Além disso, o contrato havia sido firmado sem a discussão e participação dos atores envolvidos.