Denúncia recebida pelo órgão ministerial aponta demora e falta de preparo dos profissionais
O Ministério Público Federal no Espírito Santo (MFP-ES) instaurou inquérito para apurar o atendimento oferecido a vítimas de violência sexual no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), em Vitória. A investigação foi aberta após denúncias sobre a falta de preparo dos profissionais e a demora no atendimento. Entidades capixabas que atuam na defesa do direito das mulheres acreditam que os problemas podem inibir as vítimas.
A denúncia foi recebida inicialmente no Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres do Ministério Público Estadual (MPES). Além do tempo de espera, a vítima relatou que os profissionais não souberam orientar sobre os procedimentos necessários.
“Disse ainda que não foi autorizada a presença de um acompanhante, tendo permanecido sozinha no local, e que foi atendida por um interno de ginecologia e um estudante de Medicina, ambos homens. Além disso, por diversas vezes foi perguntada do motivo de estar no local e como o suposto abuso teria ocorrido, tendo que relatar o fato para diversas pessoas”, diz uma nota do MPF-ES, que recebeu os autos do MPES por se tratar de hospital federal.
Agora, o Hucam precisa informar, em até 30 dias, o protocolo de atendimento adotado ao receber vítimas de violência sexual, além de enviar o fluxo de encaminhamento das unidades policiais. Isso porque, além dos problemas no hospital, também há denúncias de irregularidades no atendimento das mulheres vítimas de violência no Plantão Especializado da Mulher (PEM), em Vitória.
“Infelizmente, todas as instituições de saúde estão sujeitas a essas falhas. O que falta é mais acesso e humanização às ouvidorias, mais apoio às defensorias públicas, e sobretudo mais fiscalização, em todos os serviços (públicos ou privados, de aborto legal ou não)”, afirma Beatriz de Barros Souza, integrante da Frente Pela Legalização do Aborto no Espírito Santo (Flaes).
Esta não é a primeira vez que o atendimento no Hucam é investigado no MPF. Em dezembro do ano passado, um inquérito foi instaurado para apurar a falta de estrutura adequada para a realização de cirurgias de redesignação sexual no hospital. O inquérito foi aberto após um paciente tentar marcar uma cirurgia de retirada de mamas e ter o procedimento desmarcado de forma recorrente. O objetivo era investigar a possível violação a direitos fundamentais por parte da União.
Um outro inquérito também já havia sido instaurado em 2020 para investigação da estrutura oferecida no Hucam em processos de interrupção de gravidez. Na ocasião, a apuração tinha o objetivo de entender por que o hospital não quis realizar o procedimento em uma criança de dez anos, vítima de estupro em São Mateus, norte do Estado, mesmo após decisão judicial.
Na época, o Hucam alegou incapacidade técnica para fazer o procedimento, o que foi negado por especialistas. O hospital, referência no procedimento no Estado, foi acusado de omissão. “A gente até hoje não tem uma resolução da Secretaria Estadual de Saúde sobre essa situação. Até hoje a secretaria não tomou providências no sentido de averiguar o que aconteceu com o vazamento das informações dessa menina. A reitoria da Ufes [responsável pelo hospital] também não toma providência nenhuma”, denuncia Edna Martins, do Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes).
A mobilizadora acredita que problemas como esses prejudicam o enfrentamento à violência sexual no Estado, além de inibir outras mulheres que sofrem abusos. “Em uma rede silenciosa, elas vão construindo as suas percepções sobre esses diferentes serviços. Quando eu falo silenciosa, é no sentido de que não tem repercussão a fala delas, não sai na grande mídia, em outros espaços, mas há um diálogo entre elas sobre o que funciona e o que não funciona”, ressalta.
O MPF-ES lembra que o Brasil é signatário da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará.
“Além disso, a recomendação do Comitê Cedaw (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres) preconiza o estabelecimento de medidas de proteção, entre as quais garantia do acesso a médicos, tratamentos psicossociais e de aconselhamento de alta qualidade, e que os serviços de saúde devem ser sensíveis aos traumas e incluir serviços de saúde mental, sexual e reprodutiva oportunos e abrangentes, incluindo contracepção de emergência e profilaxia pós-exposição ao HIV (…) Os estados devem prestar serviços especializados de apoio às mulheres, tais como linhas de atendimento gratuitas 24 horas, e um número suficiente de centros de apoio e referência seguros e adequadamente equipados para crises, bem como abrigos adequados para mulheres, seus filhos e outros membros da família, conforme necessário”, disse o órgão ministerial.