Nova ministra vai criar departamento específico para a questão, mas desafios ainda são grandes no Estado
“A gente sai de um buraco imenso e consegue ver uma luz”. Assim o assistente social Hudson Vassoler, presidente do Conselho Municipal de Saúde de Cariacica, comenta sobre o discurso de posse feito pela nova Ministra da Saúde, Nísia Trindade, que prometeu, entre outras coisas, a criação de um Departamento de Saúde Mental, a revogação da contrarreforma psiquiátrica e a realização da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental.
Para Hudson, da atenção à saúde mental teve uma piora significativa durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o que foi agravado pela pandemia, que deixou como legado um aumento de casos de ansiedade e depressão. A nova ministra foi taxativa ao afirmar que o Ministério vai enfrentar a agenda conservadora e negacionista da ciência que imperou nos últimos anos no governo federal. “A agenda da Saúde Mental por exemplo, voltará a se alinhar com a Reforma Psiquiátrica Brasileira e as produções coletivas da Luta Antimanicomial garantindo políticas de cuidado integral e humanizado no campo do SUS”, disse. O governo Bolsonaro, afirma Hudson, era repleto de assessores que ansiavam pela volta de políticas superadas, como o uso de eletrochoque e a volta dos manicômios.
Essas políticas foram superadas justamente pela criação de uma série de ações organizadas por meio da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), que inclui serviços como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), com caráter comunitário para atender pessoas com sofrimento psíquico ou transtornos mentais, incluindo usuários com dependência em álcool e outras drogas. O funcionamento desta política contribui para reduzir as internações e ampliar o acolhimento e tratamento destas pessoas em liberdade.
“Ver uma ministra mulher, uma cientista, que defende o SUS, falando que vai conversar com os movimentos sociais, com usuários, familiares e trabalhadores desses serviços é uma grande esperança. A gente agora consegue debater e almejar o que a gente quer”, considera Hudson, que avalia que a política de saúde mental havia sido esvaziada no governo Temer e “enterrada” com Bolsonaro.
Sobre a Raps, o assistente social avalia que no Espírito Santo há uma grande defasagem no número de equipamentos de saúde mental. Muitos do que existem são fruto de pressão social e de ações do Ministério Público que obrigam os municípios a agir para cumprir as normativas previstas. A legislação prevê, por exemplo, que municípios com mais de 150 mil habitantes tenham pelo menos um Caps AD, especializado em atenção a transtornos pelo uso de álcool e outras drogas, porém muitos dos municípios capixabas deste porte não possuem estrutura para tal.
Apenas Vitória, critica Hudson, possui Caps do tipo 3, que inclui acolhimento noturno, importante para controlar crises e evitar internação em comunidades terapêuticas. Estas, apesar de muito questionadas por movimentos sociais, recebem grande investimento do governo estadual, por meio da Rede Abraço, com a compra de leitos de internação. “São recursos que poderiam ser usados para criar novos Caps”, reclama Hudson Vassoler
Ele acredita que políticas que possam ser gestadas a partir do novo departamento no Ministério da Saúde, acolhendo também as sugestões e deliberações da próxima conferência nacional, podem ajudar a melhorar a situação. Entretanto, apenas a política federal não dá conta do problema, já que o funcionamento depende das outras pontas, que são os estados e municípios. Há casos de sucesso e referência, como o de Recife, citado por ele. Existem locais em que a política de participação social é mais intensa e fomentada, trazendo benefícios diversos às políticas e há outras situações em que prevalecem sistemas privatistas e o modelo de prevenção não é priorizado, o que costuma gerar uma rede muito precarizada de atenção.
No Espírito Santo, o assistente social lembra que houve recentemente, em novembro de 2022, a etapa estadual da Conferência de Saúde Mental, que trouxe diversas discussões e propostas de como as Raps devem se estruturar nos municípios, desde os pequenos até os maiores. Além da criação dos novos Caps, há outros desafios como a falta de medicamentos nas Farmácias Populares ou nas políticas municipais e a própria valorização dos servidores e dos espaços.
Para o funcionamento adequado da rede de atenção, também é fundamental que funcionem outros serviços públicos como os de esportes, cultura e lazer, para que aconteçam políticas intersetoriais. “Saúde mental não se trata apenas com medicamento e terapia”, resume Hudson Vassoler. Ele considera, então, que apesar do momento permitir algum alívio e até otimismo, a luta deve ser contínua em torno de avanços no cuidado da saúde mental da população, por meio dos movimentos sociais, usuários, familiares e profissionais que trabalham na rede.