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‘Não é só quem precisa de renda mínima que rompe o isolamento social’, diz Casagrande

Apoio econômico aos mais vulneráveis, afirma o governador, são de responsabilidade do governo federal

Leonardo Sá

Já fora do período de 14 dias de possibilidade de transmissão do coronavírus, o governador Renato Casagrande (PSB) realizou, na tarde desta sexta-feira (5,) a primeira coletiva virtual com a imprensa desde que testou positivo para a Covid-19.

Perguntado sobre medidas efetivas a serem tomadas pelo governo para aumentar o isolamento social e reduzir a perigosa velocidade com que a pandemia se alastra por todos os municípios do Estado, Casagrande afirmou que o Executivo estadual “não tem capacidade de estabelecer renda mínima”, sendo esta uma tarefa do governo federal e que “não é só quem precisa de renda mínima que está rompendo o isolamento social”, direcionando críticas, novamente, aos moradores de bairros mais abastados da Grande Vitória que insistem na prática de esportes e lazer ao ar livre. 


A crítica, no entanto, pertinente no início da pandemia, quando o vírus estava concentrado nessas regiões das cidades, já não faz sentido quase quatro meses depois, quando as contaminações estão mais aceleradas e letais nos bairros de periferia, onde a população não tem qualquer apoio do Estado para aderir ao necessário isolamento social, seja por falta de renda mínima para a subsistência, quando autônomo, desempregado, informal ou microempresário, seja pela obrigação de obedecer aos patrões que, após os decretos estaduais de reabertura do comércio, lançaram seus trabalhadores à roleta russa do contágio no transporte coletivo e lojas, sejam as de rua ou de shoppings centers.

Em artigo publicado no Observatório do Desenvolvimento Capixaba (ODC), a professora Érika Leal, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes), informa que, segundo um estudo sobre o Perfil da Pobreza no Espírito Santo, publicado em 2019 pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), o Estado possui cerca de 919 mil pessoas que vivem com menos de R$ 425,22 por mês e cerca de 575 mil pessoas com menos de R$ 146,90. “Estes valores representam a linha de corte que define a pobreza e a extrema pobreza de acordo com o Banco Mundial. Assim, o Estado possui o equivalente a quase 23% da população vivendo em condição de pobreza e o equivalente a 14,3% em condição de extrema pobreza”, assinala.
E lembrando que o governo estadual dedicou menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) a medidas de apoio econômico a empresas, empreendedores e trabalhadores da economia solidária, ela propõe que seja elaborado um Programa de Renda Mínima Capixaba aos mais vulneráveis, tendo por base o Bolsa Capixaba, integrante do Programa Incluir, de 2011, que promove transferência direta de renda a famílias extremamente pobres no Estado.

Margem para essa ação existe, ressalta o também professor e pesquisador do Instituto Federal do Estao (Ifes), Rodrigo Medeiros, visto que “o Espírito Santo possui renúncias fiscais estaduais que demandam uma avaliação criteriosa e transparente dos seus benefícios para a sociedade, e elevada sonegação fiscal anual. Estamos falando de um volume de aproximadamente R$ 6 bilhões por ano que estão fora do orçamento estadual. O governo conta com uma expressiva margem para a contratação de operações de crédito. Sua dívida consolidada líquida é de aproximadamente 15%, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, em relação à receita consolidada líquida, muito abaixo do limite de 200%. Nesse sentido, é preciso questionar: como a nota A em gestão fiscal na Secretaria do Tesouro Nacional está beneficiando efetivamente a população capixaba em um momento de crise profunda?”, provoca. “A Nota A [conquistada desde 2012 pelo ES junto ao Tesouro Nacional] virou um fetiche?”, ironizou, em entrevista a Século Diário quando do anúncio da reabertura dos shoppings centers na última segunda-feira (1).
A resistência em transferir renda para os mais pobres e apoiar o isolamento social nas regiões mais periféricas e de maior incidência e letalidade da Covid-19 contrariam as melhores orientações econômicas internacionais, destaca Rodrigo Medeiros.

“Segundo apontam os especialistas que acompanham diariamente a evolução da pandemia, relaxar medidas de isolamento social prematuramente é a receita para mais problemas nos sistemas de saúde e na economia”, explana, citando falas de Paul Romer e Paul Krugman, ambos laureados com o Prêmio do Banco Real Sueco de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, colhidas na imprensa internacional: “a única forma de recuperar a economia é controlando o vírus”, dita por Romer, e “a abertura prematura [das atividades econômicas] pode resultar em centenas de milhares de mortes e gerar resultados adversos mesmo em termos econômicos, já que uma segunda onda de infecções poderia nos forçar a voltar ao confinamento”, de Krugman.

Mapa de Gestão de Risco
Durante a coletiva, o governador também adiantou que nenhum município atingiu o risco extremo na atualização desta semana do Mapa de Gestão de Risco, o que impede a decretação de lockdown ou confinamento ou restrição máxima.

A princípio, o novo mapa terá 36 municípios com risco alto e 42 com risco moderado, o que faz com que todo o comércio não essencial deixe de funcionar no território capixaba aos fins de semana a partir do dia 13, quando o novo mapa entrar em vigor, neste domingo (7). “A interação está muito alta, a demanda sobre sistema de saúde está alta. Por isso o risco aumenta e as restrições também”, sintetizou.

O governador teceu ainda pesadas críticas ao trabalho do Ministério Público Federal (MPF), que, nesta sexta-feira (5), tornou público o ofício feito ao secretário de Estado de Saúde (Sesa), Nésio Fernandes, para que informe, até as 15 horas deste sábado (6), o nome e a qualificação do responsável técnico pela elaboração, implementação e operação do Mapa de Risco do Estado.

“Os principais técnicos que têm assessorado o Espírito Santo já declararam publicamente a necessidade de consideração do Índice de Transmissão (RT) como um dos dados mais relevantes para pautar as decisões de enfrentamento da pandemia da Covid-19. Além disso, é praticamente unanimidade na comunidade científica nacional e internacional a necessidade de consideração de tal índice, ou de índice similar, para tomada de decisões”, destacou o MPF.

O órgão já havia recomendado ao Estado que incluísse o Rt na Matriz de Risco – Recomendação 12/2020 – mas a orientação não foi cumprida dentro do prazo estendido, que venceu nesta quinta-feira (4).

O Mapa de Risco, explana a Procuradoria, “tem pautado as decisões do governo quanto às medidas de distanciamento social adotadas no Espírito Santo, o que impacta no número de óbitos, bem como na taxa de ocupação de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) e, com efeitos diretos, no gasto de recursos públicos de saúde, previdência e assistência social”.

‘Não aceito’

Outra recomendação do MPF, sobre o ajuste do Painel Covid-19 com relação ao número de leitos e UTI disponíveis na região sul do Estado, também foi refutada pelo governador. “Somos campeões em transparência, o Ministério Público Federal sabe disso. Não aceito que o MPF possa questionar os dados que são dados públicos. É inconcebível que eles possam levantar suspeitas sobre os dados dos leitos que nós estamos abrindo no Espírito Santo”, afirmou.

Quando perguntado sobre o controle que o Estado tem sobre a ocupação dos leitos em hospitais privados, Casagrande disse que “aí o MPF devia atuar, ajudar a gente a obter esses dados, o MPES [Ministério Público Estadual] tem nos ajudado. Não tem uma entidade que organiza esses dados (…) A gente tem esse dado diariamente no esforço do contato que a gente faz nos hospitais privados. Por isso que eu acho que o Ministério Público Federal, que está buscando serviço pra fazer, e o Ministério Público Estadual, que já tem feito isso, pode colaborar pra divulgação desses dados pra sociedade capixaba”, opinou.

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