quinta-feira, novembro 21, 2024
24.4 C
Vitória
quinta-feira, novembro 21, 2024
quinta-feira, novembro 21, 2024

Leia Também:

‘Não se trata crianças e adolescentes autistas apenas com neuro e psiquiatra’

Bruna Taño coordena projeto de apoio aos CAPSi. Falta desses profissionais no Estado afeta milhares de famílias

Apenas 27 profissionais médicos especializados para atender todo o território capixaba, tanto na rede pública quanto privada. Esse é o tamanho atual do mercado de neuropediatras e psiquiatras infantis, segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). 
“Com base em dados extraídos do portal do Conselho Federal de Medicina (CFM), o Espírito Santo conta com cinco neurologistas pediátricos, 20 psiquiatras infantis e dois neuropediatras para atender uma população alvo, segundo projeção do Ministério da Saúde, de um milhão pessoas de zero a 17 anos”, informa a pasta em nota.
A Sesa afirmou ainda que está ampliando a oferta de consultas no Sistema Único de Saúde (SUS). “Em março, 780 vagas serão disponibilizadas em Cariacica e já foram transferidos recursos para aquisição de mais três mil consultas no mesmo município. Além disso, mais de mil consultas/mês serão ofertadas no Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha. Uma licitação para contratação de serviços em todas regionais já foi instruída e deverá ser publicada nas próximas semanas”.
A escassez desses profissionais tem dificultado o desenvolvimento cognitivo e a qualidade de vida de milhares de crianças e adolescentes no Estado com autismo e outros distúrbios da saúde mental, visto que, para além do benefício imediato gerado pelo aconselhamento e avaliação médica feitos nas consultas, os laudos e receituários emitidos por esses especialistas são documentos exigidos em diversas outras situações que envolvem tratamento de saúde e o acesso a direitos educacionais.
Histórias sobre essa triste realidade se multiplicam no dia a dia das vidas das famílias de crianças que sofrem problemas como autismo, deficiência intelectual, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositor Desafiador (TOD).
Uma delas, a do menino de dez anos, morador da Serra, que tentou suicídio na última quinta-feira (24), por não suportar mais o sofrimento de ser agredido verbalmente pelos colegas da escola. Na reportagem, a mãe da criança, de dez anos, conta que a notícia de que não poderia mais se consultar com a neuro de seu filho devido ao fim do contrato da profissional com o Hospital Infantil de Vitória aconteceu um dia após a pedagoga da escola a alertar sobre a agressividade acentuada do estudante. Sem rede de apoio, médico e profissionais em número suficiente na escola para apoiar o filho em seu desenvolvimento pedagógico e social, o sofrimento do menino foi exacerbado.
“Assim que puder sair do hospital, ele deve ser encaminhado para o CAPSi [Centro de Apoio Psicossocial Infantojuvenil] mais próximo”, orienta Bruna Taños, professora de Terapia Ocupacional (TO) da Universidade Federal do Espirito Santo (Ufes), pesquisadora de saúde mental de crianças e adolescentes e coordenadora do projeto de extensão Ponto e Rede, que presta apoio aos trabalhadores dos CAPSi.
Divulgação/Sesa

 “Os CAPSi são o local estratégico do SUS [Sistema Único de Saúde] para acolher e tratar crianças e adolescentes que estão em sofrimento psíquico, com ou sem laudo médico. Principalmente quando se trata de tentativa de suicídio”, afirma.

O ideal, expõe, é que o próprio Hospital onde o menino está internado faça a notificação do caso e o encaminhe para o CAPSi, mas a família pode ir diretamente para lá, mesmo sem o encaminhamento hospitalar. “É um serviço de portas abertas”, ressalta a especialista, que também é mãe de uma criança autista.

A legislação, explica, recomenda a existência de uma unidade de CAPSi para cada 75 mil habitantes. O espaço recebe também crianças e adolescentes com depressão, envolvidos em drogas, além dos diagnosticados com as doenças e síndromes mentais e intelectuais. “Há uma diversidade de perfis acolhidos nos CAPSi e isso também é positivo para o tratamento de todos”, sublinha a coordenadora. 

Nesses espaços, o tratamento não é feito somente com profissionais de psiquiatria e neurologia pediátrica. “Tem uma equipe multidisciplinar, com terapeuta ocupacional, psicólogo, assistente social, enfermeiro, educador físico, oficineiros, musicoterapeuta, arteterapeutas (…)”. E na base de tudo, a formação em direitos humanos e saúde coletiva. “O que nos interessa é o cuidado em saúde com participação e garantia de direitos das famílias”, destaca Bruna Taños. 

Mesmo tendo um corpo técnico exclusivamente voltado ao atendimento pediátrico, os CAPSi também acolhem a mãe, orientando-a e encaminhando-a para uma consulta médica, uma terapia ou outros serviços públicos que melhor podem lhe atender.

Arquivo pessoal

Muitas vezes, conta a professora, apenas a rotina das assembleias dos grupos de famílias dos CAPSi já é um grande auxílio para quem se sente sozinho para lidar com os problemas de saúde dos filhos. “Nelas falamos sobre práticas parentais e direitos. Isso também é uma forma de cuidado. São utilizadas diferentes abordagens aos familiares”. 

A coordenadora do Ponto e Rede alerta que “há um grande mercado em torno do autismo hoje. Um campo de disputa, também, por narrativas e abordagens. Disputa em que o discurso de entidades médicas e clinicas de reabilitação afirmam que só esses tratamentos são efetivos. O que não é verdade”, expõe a especialista. 

“O pediatra e o médico da família também podem prescrever medicamentos utilizados por autistas, não somente os neuro e psiquiatras”, informa, acrescentando que essas especialidades médicas, que compõem a atenção primária em saúde, junto à ginecologia, também podem tratar a família dos pacientes, inclusive receitando antidepressivos para quadros de depressão baixa. Mas, reconhece, existe um grande receio desses outros profissionais em adentrar o espaço que historicamente a neurologia e a psiquiatria procuram manter exclusivos.

Além disso, prossegue, “o direito à saúde da criança não é só ter acesso aos serviços da rede primária, secundária e terciária; é também estar legitimamente incluída nos espaços sociais, nas escolas, nas áreas de lazer e cultura”. 

Outro diferencial dos CAPSi é o seu trabalho em rede. “Escola, CRAS [Centro de Referência em Assistência Social], CREAS [Centro de Referência Especializado em Assistência Social], unidades de saúde, conselho tutelar, varas de Justiça…”, elenca a pesquisadora. 

A importância dos CAPSi, acentua, é diametralmente oposta à sua visibilidade dentro da sociedade e do próprio SUS, contextualiza Bruna, lembrando uma tentativa recente de fechamento de uma unidade em Vila Velha, que foi barrada pela equipe do espaço, com apoio da comunidade local. “Nosso problema é gestão e investimento”, aponta.

Mais Lidas