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No Dia do Autismo, Mães Eficientes lamentam ausência de educação inclusiva

Em Vitória, Serra, Vila Velha, Cariacica e na rede estadual, direitos dos autistas continuam letra morta

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No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, comemorado todo dia 2 de abril, mães de crianças e adolescentes com essa condição de saúde lamentam que um dos principais direitos garantidos a seus filhos, a educação inclusiva, continua sendo letra morta, dez anos após a legislação específica sobre o assunto, a Lei Federal n° 12.764/2012 (Lei Berenice Piana), que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista [TEA]. 

O TEA é caracterizado por um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta principalmente a comunicação e o comportamento. Segundo o Ministério da Educação, atinge cerca de dois milhões de pessoas no Brasil e 70 milhões no mundo, atualmente. Por meio da Lei Berenice Piana, “o gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de três a 20 salários mínimo”. 

A punição legal expressa para a negativa de matrícula foi fundamental para que as crianças e adolescentes pudessem integrar formalmente as redes de ensino. Na prática, no entanto, o que infelizmente as famílias relatam é que, apesar da presença física nas salas de aula, a inclusão efetiva está longe de acontecer, o que faz com que muitas cheguem a abandonar os estudos por absoluta falta de condição de continuar a frequentar o ambiente escolar, que torna-se excessivamente tóxico, em muitos casos, levando até a tentativas de suicídio

“É frustrante para uma mãe levar seu filho na escola sabendo que ele vai ficar jogado, sem interagir com a aula, com as outras crianças. E tem os casos das crianças mais arredias, como o Samuel, em que ou a mãe fica lá com a criança dentro da sala, ou não leva para escola. Nossos filhos são invisíveis”, desabafa Fátima Neves, mãe de uma criança autista de quatro anos, matriculada na Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) Normília da Cunha, em Jabaeté, Vila Velha.

No município canela-verde, o coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN) começa a fazer suas primeiras mobilizações, depois de um histórico de luta na rede municipal da Serra, onde a maioria das mães reside e já conseguiu audiência com o prefeito, Sergio Vidigal (PDT), além da rede estadual de educação, que também tem sido debatida em Grupos de Trabalho com encontros quinzenais, agendados após audiência das mães com o governador Renato Casagrande (PSB) e seus secretários de Educação e Saúde, Vitor de Angelo e Nésio Fernandes. Em todas, a situação de descaso e improviso é a mesma.

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“Eles se preparam de janeiro a fevereiro para receber as outras crianças, para eles tidas como normais, mas em nenhum momento param para pensar nas crianças especiais. Começaram a contratar cuidadores depois de duas semanas de ano letivo”, indigna-se Fátima. 

Em 24 de fevereiro, conta, o coletivo solicitou uma reunião com os gestores municipais de Educação, Rodrigo de Souza Simões Nunes, e Saúde, Cátia Cristina Vieira Lisboa, e com o prefeito, Arnaldinho Borgo (Podemos). Mas somente um mês depois, houve resposta por e-mail e telefone, por parte do gerente de Educação Especial e de Jovens e Adultos (EJA), Stanley Amarante da Silva. 

“O gerente disse que foi feita a chamada para os cuidadores, mas eles que escolhem qual escola querem ir trabalhar e não vão para a quinta região, aqui em Jabaeté”, relata Fátima. Stanley, afirma, lhe garantiu providenciar uma cuidadora para seu filho. “Mas a gente quer uma solução para todas as crianças. A demanda é muito grande no município todo”, posiciona, em nome da coordenação canela-verde do coletivo. 

Em Cariacica, quem organiza as mães de crianças com deficiências é a Luila de Castro Sampaio, mãe de uma criança de 11 anos diagnosticada com autismo leve, déficit intelectual leve e hiperatividade. 

“Antes de conhecer o coletivo, eu me sentia um peixe nadando contra a maré e sozinha. Chegava nos lugares, as pessoas não me atendiam direito, e eu não sabia como fazer. Parece que estão fazendo favor pra gente, não explicam as coisas direito, não agilizam. É um alívio saber que não estou sozinha”, declara. 

Luila conta que teve que pagar uma consulta particular no ano passado, para ter um laudo para o seu filho. “Antes, eu não tinha condições financeiras nem acesso à internet, para pesquisar e ter conhecimento sobre o que estava acontecendo com o meu filho. A gente brigava em casa para ele aprender, era um sofrimento imenso para ele”. 

A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Prof. Augusto Luciano, em Cariacica-sede, onde Luila matriculou seu filho, existe uma professora de Educação Especial, que o atende duas vezes na semana, por duas horas cada dia. 

“Eu acredito que essa é uma das melhores escolas da rede, porque ele já passou por várias e nessa foi o melhor atendimento que eu tive”, pondera. Mas mesmo ali, lamenta, a criança continua deixada de lado dentro da sala de aula regular, pois somente na sala de recursos há métodos que atendem às suas necessidades. “Inclusão, mesmo, ainda não tem. Inclusão de verdade é ele poder interagir, fazer as mesmas atividades que as outras crianças, mas de forma adaptada à condição dele”, reivindica. 

Na Capital, que sempre foi considerada referência em educação pública no Espírito Santo, a situação é semelhante. A mobilização do coletivo na cidade é puxada por Waleska Timoteo, mãe de duas crianças autistas. 

Em reunião realizada na última quarta-feira (30) com a secretária Juliana Roshner, o grupo reivindicou recomposição do quadro de pessoal dedicado à Educação Especial, por meio de concurso público, incluindo professores e assistentes, além de estagiários para dar suporte aos professores, formação continuada para todos da escola, recursos pedagógicos com acessibilidade e política municipal de educação especial.

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“É necessário ter servidores concursados, efetivos, que possam criar vínculo com as crianças. Toda criança precisa de vínculo com os adultos que estão no seu espaço de aprendizado e desenvolvimento. A criança com deficiência, com autismo, mais ainda, porque muitas vezes ela é mais reservada, mais tímida, e para vencer as barreiras, precisa muito ter vínculo com os educadores da escola. Mas com as trocas contínuas de profissionais que acontecem hoje nas escolas, esse vínculo não pode ser feito”, explica Waleska. 

A contratação apenas de estagiários para atender à Educação Especial, relatada na reunião com a secretária, afirma a mãe, não atende às demandas. “Estagiário é contratado, não gera vínculo. Queremos concurso público para professor de educação especial. Retornamos desde agosto às aulas presenciais. Não deveria ter iniciado o ano letivo de 2022 sem estagiários, sem professores, sem formação”, expõe. 

Saímos de uma reunião onde não foi apresentado prazo para nada, nem metas. Foi feito um indicativo de nova reunião para o dia 30 de abril, mas não temos nada palpável, mensurável… ‘daqui a dois meses iremos publicar o edital de concurso público para professor de educação especial’…Nada! Isso gera muita insegurança e um sentimento de impotência”, lamenta.

Quantos anos mais serão necessários para que a legislação seja cumprida e os estudantes com deficiência saiam da invisibilidade e sejam respeitados e incluídos de fato? Se depender de mulheres como as do Coletivo MESN, não muito. Como afirma o slogan do grupo, “quando as mães especiais vão à luta, todas as portas se abrem”.

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