Uma das principais passagens da vida de Jesus Cristo – o aniversariante mais celebrado no mundo ocidental neste 25 de dezembro – nos faz deparar com a energia do perdão de forma trágica e mesmo sobrenatural, divina, em sua essência.
Na Bíblia, está em Lucas 23:33: “Quando chegaram a um lugar conhecido como Caveira, ali o crucificaram com os criminosos, um à direita e o outro à sua esquerda. Apesar de tudo, Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo!”.
Perdoar aos que o julgam, crucificam e matam? É possível? É necessário?
Nos consultórios de Homeopatia, Acupuntura e Medicina Natural, a prática do perdão costuma ser exaltada como um caminho fundamental para se obter a cura de males físicos, surgidos, via de regra, a partir de traumas emocionais.
“Na minha clínica, percebo que aquelas pessoas que têm dificuldade em perdoar apresentam queixas crônicas, reumáticas, principalmente, ou feridas de pele que não cicatrizam, problemas emocionais também, como insônia, depressão. O exercício do perdão é fundamental para tratar esses sintomas físicos, que podem levar a doenças mais graves no futuro”, testemunha a médica homeopata Henriqueta Sacramento (foto à esquerda).
Ela conta que os medicamentos homeopáticos, todos, quando dados em doses mais altas, mais concentradas de energia, afetam o corpo mental, existindo alguns que são ainda mais fortes, agindo muito no campo das emoções, entre eles, Calcarea carbônica, Lycopodium, Natrum muriaticum e Staphysagria. E são utilizados nos tratamentos em que se observa a necessidade de facilitar o processo de perdão no paciente.
Na Acupuntura, a médica acupunturista Ana Rita Novaes (foto à direita) explica que, quando se fala em perdão, vem muito a representação da nossa espiritualidade. “E a gente só pode entender saúde se entender que somos seres com corpo, mente e espírito. Nesse sentido, existem muitos trabalhos sobre espiritualidade que mostram a importância da oração, a importância do perdão”.
Expressões como “estou com a alma levada”, “tirei um peso de dentro de mim”, “tirei um peso do meu coração”, prosseguem, são ditas frequentemente por pessoas que conseguem exercitar o ato de perdoar. “E pra gente, saúde precisa ter o sentimento de alegria, de felicidade, isso é saúde!”, diz.
A doença pode primeiro se manifestar num plano sutil, descreve, produzindo em seguida “uma doença física ou uma lesão”. Sob essa perspectiva, estabelece, “o sentimento do perdão é fundamental pra que você consiga transpor essa noção, que na verdade é uma noção metafísica de saúde”.
Traumas
O médico homeopata e naturalista Marco Ortiz se remete à escola alemã para relacionar a prática do perdão e a dissolução de traumas emocionais. “Os alemães relacionam vários traumas como causa de vários tipos de câncer. Inúmeros traumas”.
Da escola alemã ele também lembra uma recomendação antiga, que parece ter ficado anacrônica, mas ainda é recomendável, no seu entender: “No meu tempo de criança não se falava ‘câncer’, falava ‘doença ruim’, ‘que não pode ser dito o nome’. O estigma continua e as pessoas alimentam esse estigma quando você conta que ela [a doença câncer] está com você nesse momento”, argumenta. Ao contrário, deve-se sempre afirmar a cura: “Eu quero, eu quero, eu quero! E todo o universo conspira a favor quando você quer”, assegura.
E o perdão, ressalta, “é uma maneira muito poderosa pra se obter a cura. Porque geralmente a gente tem culpa e o perdão dissipa essas culpas”, consigna. “Quando a gente perdoa a gente mesmo e a todos, a gente reconhece as nossas imperfeições. E Jesus quando morreu na cruz, permitiu, com essa atitude espontânea dele, que a gente obtenha qualquer tipo de perdão”, diz.
Justiça
De volta a Jesus, o Padre Kelder José Brandão Figueira, da Paróquia Santa Teresa de Calcutá, no Território do Bem, em Vitória, afirma que “o perdão nos humaniza e, na medida que nós nos humanizamos, a gente vive melhor, se relaciona melhor conosco mesmo, com as pessoas ao nosso redor, com a natureza, o universo”.
O perdão, adverte, é próprio do Cristianismo, não está presente em todas as religiões. E tem efeito sobre nós mesmos e não sobre o outro. “A não ser que se concretize esse sentimento em alguma ação”, ressalva.
Daí, acentua, “a importância de exercitar internamente a prática do perdão sempre primeiro a partir de você mesmo”. ”Nas confissões eu digo sempre que se você não se perdoar não adianta nada o perdão da igreja nem o perdão de Deus. Perdão é uma condição moral, está ligado à nossa ética”, enfatiza.
“Angústia, revolta, ódio no coração … o que fazer com isso?”, indaga. “Temos que saber conviver com o diferente e com essas situações. Não quer dizer que tenhamos que ser coniventes com as injustiças. O perdão não é sinônimo de ser complacente com as injustiças, muito pelo contrário. Para que haja o perdão é preciso ter plena consciência do que é justiça. Tem que ter muito claro o que está sendo injusto e o que precisa ser remediado pela justiça”, esclarece.
Compaixão
Em um de seus vídeos na internet, a Monja Coen confirma a fala de Padre Kelder sobre a essência cristã do perdão. “O Budismo não fala em perdoar”, diz a monja zenbudista.
Perdoar, explica, “é você se colocar numa posição acima do outro. Não. Nós trabalhamos com compaixão. Perdoar é dizer: eu julguei, você errou, mas eu te perdoo. Outra coisa é: eu compreendo as causas e condições que levaram você a ter uma atitude inadequada e estou ao seu lado se você quiser pra ajudá-lo a não errar novamente. Não virei sua inimiga e nem estou aqui numa plataforma de juíza plena de bondade e sabedoria que perdoa você, ser inferior. Pra nós não tem ser inferior”, afirma.
A compaixão também é invocada pelo ThetaHealing, uma técnica de cura energética criada há cerca de trinta anos nos Estados Unidos. “O perdão é uma energia de alta vibração que está ligada, está conectada com a energia da compaixão e a compaixão é uma energia que eleva você, eleva seu sentimento a um sentimento de amor incondicional”, conceitua Gustavo Barros, do Instituto ThetaHealing Brasil, em seu canal no YouTube.
“Não é ‘eu te perdoo’, é ‘eu me perdoo por ter cocriado essa situação pra mim e pra você’. E aí esse perdão vem”, diz, descrevendo o perdão como uma energia de liberação de sentimentos negativos e “da obrigação da outra pessoa te ensinar alguma coisa. Porque muitas vezes a gente cria discórdia na nossa vida pra aprender algo”, alerta.
“Se você está percebendo que a partir de você alguma discórdia está sendo criada, dá uma parada e vê o que estou precisando aprender com essa situação? O que eu estou precisando, qual é o meu ensinamento maior? É liberdade? É saber colocar limite? É saber dizer não? É saber me respeitar? Porque muitas pessoas não se respeitam. E aí os outros sentem que o seu campo está vulnerável a isso e invadem o seu campo. Se pergunte o que está por detrás disso, o que eu posso aprender com isso?”, indica.
Liberdade e consciência
Mas é numa das tradições filosóficas mais antigas da humanidade, o Tantrismo, nascido há 15 mil anos na Índia Antiga, que se encontra uma posição ainda mais radical em relação a como lidar com mágoas e ressentimentos a fim de conquistar ou manter a saúde integral.
O Mestre Arnaldo de Almeida, criador do Sistema Shivam Yoga e colunista neste Século Diário, aduz que os princípios comportamentais do Hinduísmo tântrico – denominados Yamas e Niyamas – englobam direcionamentos relacionados a uma prática de não-violência, de uma busca de se viver na verdade, no contentamento, no autoestudo, de se vivenciar uma relação consciente com a energia da sexualidade, de respeito e admiração e reverência para com as formas e seres.
Seguindo tais princípios, assegura, o indivíduo irá deparar-se com a ideia de liberdade e consciência. “O perdão estaria imerso nessas ideias?”, pergunta “Talvez muito perifericamente”, responde.
Não há como nos libertar de sentimentos negativos que surgem ao longo da vida, em nosso processo de evolução, diz Mestre Arnaldo. Há, sim, revela, formas de tomarmos consciência de que esses sentimentos nos dificultam a caminhada rumo a uma vida mais harmoniosa e integrada. “Assim, nesse processo de consciência, passaremos a nos observar e a nos conhecer. A partir de então, produziremos menos arestas em nossas relações com o mundo”, orienta.
“Não existe perdão e compaixão. Quando nos colocamos nessa situação – nessa capacidade de perdão ou de compaixão -estamos a nos colocar como superior ao outro e isto criará também campos de energia negativos e isto gerará ainda conflitos e o ‘perdão’, se é que ele existe, não será concretizado por nenhuma das partes”, argumenta.
Unidade
Independentemente dos ensinamentos do Tantrismo e outras tradições filosóficas milenares do Oriente, que não reconhecem o perdão como chave para a cura espiritual, emocional, psíquica e física, o consenso visível com o Cristianismo e com terapias diversas, como Homeopatia, Acupuntura, ThetaHealing e Ho´oponopono (antiga técnica havaiana celebrizada pela oração “Eu te amo, sinto muito, por favor me perdoe, obrigado”), é a necessidade de livrar-se do peso dos ressentimentos e mágoas geradas nos atritos com as pessoas no dia a dia.
Sobre isso fala a imagem de capa desta matéria, eternizada pela adolescente Kassia Parker. Sua mãe, a arteterapeuta Kate Parker, explica que a foto foi feita em Cidade Continental, após constatar o corte de várias árvores antigas que serviam de sombra para ambulantes, pedestres e usuários de transporte coletivo.
A ordem foi da própria prefeitura municipal, sob a alegação de que as raízes das frondosas árvores estavam obstruindo a rede pluvial. “Se as arvores gritassem, talvez eles procurassem outra alternativa”, pondera Kate. Mas, não.
Não foi ela nem sua filha que cortaram as árvores, mas, como integrantes da humanidade, elas sentiram um impulso de pedir perdão às árvores, em nome dos seus semelhantes. “A partir do momento que a gente consegue se entender como uma consciência, a gente tem que entender que nós também somos o erro do outro, o perdão do outro”, filosofa.
“Eu fui apresentada a um livro chamado O livro do Perdão, do arcebispo Desmond Tuto. A África sofreu muito com o apartheid e quando ela se tornou independente todos previam um banho de sangue, mas foi o contrário, na cultura dela, o que queriam era perdoar”, relata.
Uma das pessoas entrevistadas no livro, conta Kate, era uma mulher negra que teve um ente querido assassinado por uma pessoa branca. E ela clamava por conhecer o assassino, pois precisava desesperadamente perdoá-lo. “Essa cultura fez com que o fim do apartheid não fosse um banho de sangue”, pondera.
Harmonia
“Nesse livro eu aprendi que não perdoar é uma pedra que você carrega, e quando você perdoa alguém, você se torna mais leve”, consagra.
Mestre Arnaldo nos revela que o “não perdoar” tem a mesma função. “A chave para não se precisar perdoar”, diz, “é não agir de forma inconsequente, ignorante”, ensina. “Ao se ir matando na raiz ações de vibrações negativas, quando, nos embates em nossa vida, o outro ao agir conosco sem ética e de forma irresponsável, ou, mesmo, violenta, nós, por nosso lado, não criaremos uma energia negativa em nós, pois saberemos que o outro está na vibração kármica dele e é ele que tem de se transformar em direção a um caminho de maior sabedoria e harmonia”, assevera.
A nós, declara, “simplesmente cabe desenvolver um processo de equilíbrio e harmonia e não adentrar no karma negativo do outro… e é só!”.