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Cartilha sobre aborto: ‘desinformação e prática eleitoreira’

Movimentos do Estado criticam tentativa do governo federal de criminalizar mulheres e meninas

Movimentos de mulheres do Espírito Santo se posicionam contrários à cartilha “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento Legal”, do Ministério da Saúde. O material, dirigido para gestores, serviços e profissionais de saúde, afirma que “não existe aborto legal no Brasil”, considerando, assim, toda prática como crime. Ativistas da área apontam desinformação, prática eleitoreira e tentativa de criminalização de mulheres e meninas.

“Todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, deixa de ser punido”, aponta a cartinha, referindo-se aos casos de interrupção da gravidez decorrente de estupro, risco de morte para a gestante e feto com anencefalia, situações em que, segundo a legislação brasileira, o aborto é legal.

No material consta ainda que, hoje, “prevalece a interpretação de que a autorização para interromper gravidez decorrente de relação sexual não consentida tem o objetivo de não vitimizar a mulher sucessivas vezes”. Entretanto, segundo o documento, não foi feita “em respeito à mulher vítima, mas para evitar o nascimento do fruto de um crime, ou seja, para não correr o risco de perpetuar uma descendência criminosa”. Assim, afirma o Ministério da Saúde, “o móvel do legislador não foi nada nobre”.
A interrupção da gravidez em casos de estupro e risco de morte da gestante é permitida no Brasil pelo Decreto Lei n° 2848, de 1940. Em situação de crianças com anencefalia, passou a ser possível a partir de 2012, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O aborto, quando não se enquadra em nenhuma dessas situações, pode acarretar em pena de um a três anos de detenção, de acordo com o Código Penal.
“O excludente de ilicitude não existe no Código Penal para esses casos, e isso já está regulamentado. Não é necessária notificação de denúncia de estupro para o interrompimento da gravidez. Existem algumas regras, como o feto não ter mais de 21 semanas nem mais de 500 gramas”, contrapõe a integrante do Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), Edna Martins.

Ela destaca que a cartilha busca criar um “processo de desinformação”, além de criminalizar mulheres e também meninas, já que crianças, principalmente de 10 a 14 anos, sofrem abuso sexual no espaço familiar, cometido por pessoas próximas, e têm direito ao aborto, caso queiram fazê-lo.


Após repercussão do conteúdo da cartilha, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o tema do aborto será debatido em audiência pública, mas não forneceu mais detalhes. Para Edna, tanto essa afirmação quanto a veiculação da cartilha são atitudes eleitoreiras. “O governo Bolsonaro (PL) quer trazer para o debate uma pauta polêmica devido ao processo eleitoral. A tática é colocar no centro das discussões a questão dos costumes”, considera.

A assistente social e integrante da Frente pela Legalização do Aborto do Espírito Santo (Flaes), Emilly Marques, defende que o debate tem que ser feito, mas com foco na questão dos direitos sexuais e reprodutivos, inclusive, em espaços como escolas e unidades de saúde. Já Elda Alvarenga, integrante da Católicas pelo Direito de Decidir, Organização Não Governamental (ONG) que defende que a mulher deve legislar sobre seus corpos, também destaca que a cartilha “mostra desconhecimento das políticas de direitos reprodutivos e da legislação”.

De acordo com Elda, “fazer uma cartilha que contraria a legislação, evidencia o caráter equivocado do governo Bolsonaro, que mostra também com isso que quer pautar políticas a partir de preceitos religiosos, sendo que o Estado é laico”.

“De onde nasce essa perspectiva de que a sociedade decide sobre os corpos? É porque esse corpo é da mulher? É porque vivemos em uma sociedade patriarcal, que acha que o corpo da mulher é propriedade coletiva?”, questiona.

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