terça-feira, novembro 26, 2024
21 C
Vitória
terça-feira, novembro 26, 2024
terça-feira, novembro 26, 2024

Leia Também:

Pesquisa revela que hospitais terceirizados gastam 2,4 vezes mais que as unidades públicas

Dentro do princípio da complementariedade do Sistema Único de Saúde (SUS), a legislação autoriza o poder público a firmar contratos de gestão com Organizações Sociais (OSs), empresas teoricamente sem fins lucrativos de natureza privada, similares às ONGs e OCIPs. No discurso governamental, o acordo é firmado para tornar a prestação do serviço mais eficiente e eficaz, pela facilidade que essas instituições possuem em realizar compras e contratações por estarem liberadas do burocrático trâmite das licitações. 
 
Um megaestudo realizado em conjunto por oito universidades brasileiras – Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS) – tem comprovado justamente o contrário ao apregoado pelo governo do Espírito Santo: o gasto com as OSs que administram três hospitais estaduais terceirizados – Jayme dos Santos Neves (Serra), Hospital Central (Vitória) e Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE/Vitória) – é 2,4 vezes superior às unidade totalmente públicas, sem garantia de que haja melhora no serviço. Ao contrário. Relatos recentes dão conta de que as mortes na UTI Neonatal do Hospital Infantil de Vila Velha (Heimaba) dispararam depois da contratação da OS IGL, que passou a gerir a unidade. O motivo: a empresa contrata mão de obra barata e inexperiente para substituir servidores de carreira, processo semelhante ocorrido nas primeiras unidades terceirizadas.  
 
“Fizemos um levantamento de todos os contratos de gestão firmados entre entre 10 estados brasileiros e as OSs. Descobrimos que o problema não é o contrato de gestão inicial, que é mais divulgado. O problema são os aditivos que ninguém sabe que existem. Alguns serviços, que tiveram o contrato de gestão inicial divulgado com custo de R$ 250 mil/ano saltaram para R$ 1,5 milhão/ano. Há casos de um único contrato com 15 aditivos em apenas 12 meses”, explica a professora do Departamento de Serviço Social da Ufes, Francis Sodré, coordenadora do estudo no Estado. Para ela, as OSs não são eficazes, pois gastam muito mais e sem controle. “O fato de fazerem tantos aditivos indicam, no mínimo, que não há qualquer planejamento”, disse a pesquisadora. 
 
Coincidindo com a pesquisa, dados do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde no Estado (Sindsaúde-ES) dão conta de que o contrato de gestão entre a OS IGL, que passou a gerir o Heimaba desde setembro do ano passado, é R$ 87 milhões por ano, três vezes mais do que era gasto, cerca de R$ 30 milhões (dados dos últimos 12 meses antes da terceirização). 
 
Mais um agravante, segundo a legislação estadual, as OSs que atuam no Estado estão livre de qualquer controle social, ou seja, não precisam prestar contas ao Conselho Estadual de Saúde, por exemplo. Segundo a lei, basta que a Organização entregue os dados para a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). 
 
Para ter acesso à caixa preta dos aditivos contratuais, os pesquisadores encontraram uma série de obstáculos, sendo necessário recorrer à Justiça para que os gestores públicos tornassem disponíveis tais documentos. “Não adiantou recorrer à Lei da Transparência e de Acesso à Informação. Isso simplesmente não funcionou”, explicou Francis. 
 
Falso discurso de 'eficácia' dos serviços 
 
De acordo com a pesquisadora, o discurso dos governos, que passou a ser muito comum a partir dos anos 2000, de eficiência e eficácia das OSs, além de falso trouxe ainda uma série de consequências danosas para a saúde pública. A pesquisa constatou que há, por exemplo, diferença grandiosa entre salários. Médicos de cooperativas contratadas por OSs, por exemplo, ganham quatro vezes mais, dependendo da especialidade, que os concursados.  Também entrou em cena a pejotização, contratação por Pessoa Jurídica, o que tem acabado com os direitos trabalhistas. Além de alto índice de renovação entre profissionais recém-contratados com uma média de oito meses no cargo.
 
Duas das OSs que estão entre as 10 maiores do País tem atuado nos hospitais estaduais do Espírito Santo: a Associação Congregação de Santa Catarina (ACSC) e a Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar (Pró-Saúde). As instituições recebem hospitais recém-construídos ou reformados, completamente equipados, para um negócio em que não há riscos, pois é totalmente financiado com recursos públicos e sem fiscalização. “As OSs têm total liberdade para contratar quem quiser pelo preço que quiser. Constatamos que os prestadores de serviço costumam ser sempre os mesmos  e que muitos insumos são vendidos com preço acima do mercado”, explicou a pesquisadora. 

 

No apagar das luzes de 2017, no dia 29 de dezembro, foi publicado no Diário Oficial do Estado mais uma OS habilitada para atuar no Estado: Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus, que também está entre as 10 maiores. 
 
SUS e a Reforma Sanitária
 
O SUS nasceu para ser integralmente público, universal e integral para todos os brasileiros. Assim foi a redação dada aos princípios que regem o Sistema no texto constitucional de 1988, fruto de intenso debate de movimentos sociais ligados à área saúde, no que ficou conhecido como Reforma Sanitária. Um detalhe, no entanto, serviu de semente para alimentar o que, hoje, constitui-se um poderoso conglomerado privado de empresas que atuam no setor público em forma de oligopólio, com capital internacionalizado e ações sendo negociadas na bolsa de valores. A semente foi outro princípio “plantado” no texto constitucional, o da complementaridade, que, na prática, significa: comprar serviços não oferecidos pelo SUS de empresas privadas.
 
A semente plantada em 1988 na Constituição Federal, fruto de fortíssimo lobby de empresas médicas, cooperativas e planos de saúde, que ainda tinham pequeno porte à época, germinou e se tornou uma árvore com raízes profundas e ramificações internacionais. Atualmente os dados são alarmantes: 60% dos leitos hospitalares no Estado são advindos do setor privado (2012); o Espírito Santo tem repassado de forma contínua a gestão dos seus hospitais (e de “pedaços” deles) para Organizações Sociais, que têm relação direta com seus fornecedores; além da territorialização de setores para determinados grupos.
 
“O mercado de serviços privados da saúde são ativos dentro do jogo político. Pequenas iniciativas de grupos médicos, previdência voltada a determinadas categorias profissionais na década de 70 tiveram um  crescimento explosivo e associado à uma lógica industrial, como produção de insumos, materiais, equipamentos, fármacos e suas patentes. Inflados com verba pública, chegam a ter aplicações em bolsas de valores e especulação em fundos de investimentos (OdontoPrev, MediPrev, Bradesco Saúde, United Heath), seguros e que não geram perdas”, explica a professora do Departamento de Serviço Social da Ufes, Francis Sodré.
 
O resultado tem sido a acumulação de capital por determinados grupos, o que permite estar melhor posicionado para enfrentar a concorrência. Isso faz com que esses grupos excluam outros e criem condições necessárias para que concentrem ainda mais capital que outros. Há possibilidade de fusão com outros grupos, grandes ou médios, que absorvem os pequenos, fazendo-os  desaparecer do cenário de concorrência. Permite a formação, dessa forma, de cartéis. Ambos, atuando juntos, formam oligopólios.
 
Os dados são o resultado de um grande estudo – Complexo Industrial da Saúde – que tem sido realizado, há três anos, por um grupo de pesquisadores de oito universidades brasileiras. Acadêmicos da UFRJ, UERJ, Fiocruz, USP, UFMG, UFPE e UFBA uniram-se para responder a um questionamento inicial: afinal, quanto do Sistema Único de Saúde (SUS) continua sendo público diante da invasão de empresas privadas no setor?  Cada uma das universidade ficou com uma temática a ser pesquisada com o intuito de mapear os grupos empresariais que operam dentro da saúde pública. São eles: empresas médicas/laboratórios e serviços de diagnósticos (1)/cooperativas médicas (2)/planos de saúde (3)/faculdades privadas de Medicina (4)/farmácias e drogarias (5)/grupos hospitalares (6) e Organizações Sociais de Saúde (7). 
 
As 10 Maiores OSs do País
 
Associação Paulista para Desenvolvimento da Medicina (SPDM)
Serviço Social da Construção Civil do Estado de São Paulo (SECONCI)
Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Cruzada Bandeirante São Camilo
Lar São Francisco da Providência de Deus
Associação Congregação de Santa Catarina (ACSC)
Fundação Faculdade de Medicina
Fundação ABC
Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus
Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar (PRÓ-SAÚDE)

Mais Lidas