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‘Práticas integrativas dialogam com a autonomia em saúde’, ressalta médica

Henriqueta Sacramento preside o III Encontro Sudeste de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde

Eficazes, econômicas, emancipadoras. As chamadas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) existem oficialmente no Brasil antes mesmo da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e trilharam um caminho de crescimento, lento mas firme, entre os profissionais de saúde, graças às fartas evidências de sucesso em tratamento e prevenção e na promoção das formas mais elevadas de bem-estar e saúde integral, nas mais variadas classes socioeconômicas e culturais do país. 

Neste ano de 2022, o objetivo do III Encontro Sudeste de PICS (ESPICS) é celebrar as vitórias e definir novos passos em direção a uma maior expansão dessa modalidade de cuidado em saúde, tanto em número de práticas disponíveis em cada rede – municipais e estaduais – quanto em número de profissionais especializados. O encontro acontece de forma online e gratuita nesta sexta e sábado (1 e 2), com carga horária de 11 horas. 

“Queremos trazer as pessoas para dialogarem, se conhecerem e se fortaleceram. Unidos e bem tecidos, não deixamos nenhum fraquejar”, sintetiza a presidente do III ESPICS, a homeopata e fitoterapeuta Henriqueta Sacramento, uma das médicas pioneiras em Homeopatia e Fitoterapia no país, personagem fundamental para que as PICS se tornassem realidade em Vitória, município onde coordena a Fitoterapia no SUS desde 1990 e, desde 2013, as PICs.

Divulgação

A respeito desses primeiros colegas com quem iniciou a trajetória da saúde complementar e integrativa e dos que foram aderindo ao longo do caminho, Henriqueta reconhece que os avanços são fruto do esforço pessoal de cada um, já que as políticas públicas federais, estaduais e municipais ainda carecem de orçamentos e estruturas oficiais à altura dos resultados já colhidos. 

“Todos nós fizemos uma escolha de vida. A gente defende as práticas porque tem experiência. Sabemos que elas são boas para tratar, curar e prevenir. Por conta própria, fizemos nossos cursos e especializações e colocamos isso dentro do SUS por meio de muita luta, muitos encontros, cartas”, relata. 

A inviabilização das PICS no meio médico, conta, começa na academia. “Não tem formação nos cursos de graduação. Quando tem as disciplinas, são optativas. Só uma faculdade no Brasil, a Federal de Mato Grosso, colocou Homeopatia no currículo”, lamenta, citando ainda a Federal Fluminense, que oferece pós-graduação em PICS e Homeopatia. 

No orçamento federal, outra falha grave. A Rede PICS Brasil estima que menos de 0,008% dos gastos em saúde pública sejam destinados a essas práticas. “Um valor muito pequeno e aquém do que acreditamos que seja necessário dentro do SUS, comparado ao que se destina para diversos procedimentos caros e, muitas vezes, ineficazes”, acentua a Rede, na divulgação do terceiro Encontro Sudeste.

“Precisa constituir uma coordenação nacional de PICS, pois ela não existe no organograma do Ministério da Saúde. Existe essa fragilidade”, afirma Henriqueta. Além dos benefícios diretos em saúde para a população, a sistematização dessas práticas “pode economizar dinheiro do SUS”, salienta. 

“A auricoloterapia, por exemplo, tem eficácia nos momentos agudos e o profissional da educação básica, tendo sementinha e esparadrapo, pode trabalhar nos pontos da orelha e vai aliviar uma série de problemas que a pessoa não vai precisar tomar medicação, analgésico, anti-inflamatório. Melhora muito a condição da pessoa e sem usar medicamentos que podem causar disfunção dos rins, da pressão”, explica. 

Nas doenças crônicas, o potencial também é imenso. “Muitas pessoas estão adoecendo dessas doenças, como depressão, diabetes, obesidade, hipertensão, e as práticas integrativas têm potencial muito grande”. 

Na Acupuntura, ela destaca que uma pesquisa feita em 2013 em relação à percepção dos médicos sobre as PICs, mostrou que recomendam que os pacientes iniciem o tratamento no início do processo de doença, ou seja, na atenção primária. “A permanência da Acupuntura e Homeopatia na atenção especializada [e não primária] distancia e fragmenta o atendimento ao paciente, fortalece a manutenção do modelo biomédico hegemônico centrado em procedimentos e não apoia a formação das redes de atenção, que permanecem na periferia do sistema”, alerta.

Autocuidado 

A expansão das práticas integrativas é também uma recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). “A OMS recomenda aos estados-membros a estimularem o autocuidado. É um processo que tem que começar na escola, no ensino fundamental, e as práticas integrativas dialogam com essa autonomia”, diz, citando outro exemplo, da Terapia Comunitária Integrativa. “As pessoas que participam são protagonistas, falam de suas experiências. Mesmo que fiquem encabuladas de falar, podem ouvir e interagir e melhorar a sua própria saúde. As pessoas mesmo veem as melhoras, relatam nos grupos. Melhora o sono, reduz o estresse, o uso de medicamentos”.

Elizabeth Nader/PMV

Na Fitoterapia – uma de suas especialidades, por meio da qual mantém o projeto Jardins Terapêuticos nas unidades de saúde da capital -, Henriqueta conta também do encantamento que é trazer à tona, no SUS, os conhecimentos tradicionais. “Quando a gente começa a falar com a comunidade, surge tanta coisa linda, tantas histórias. Paulo Freire falava: ‘quando você ensina, também aprende’. Dá uma potência na comunidade”, relata. 
Ela conta que seu encontro com as práticas integrativas começou no início da sua carreira como médica recém-formada, atuando na comunidade quilombola de Pacotuba, no interior de Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado.
“As pessoas não tinham dinheiro e na farmácia dos municípios não tinha quase nenhum medicamento. As pessoas andavam 13km a pé para se consultar comigo. Quando eu perguntava como elas se tratavam, diziam que tomavam muitos chás. Eu tinha começado a estudar Homeopatia no Rio de Janeiro e a visão que eu tinha era de uma outra racionalidade, mas que preservava esse ser integral, essa escuta, ouvir o indivíduo, suas queixas, individualizar aquele sintoma. E aí eu tinha essa humildade de ouvir a pessoa na sua integralidade, naquilo que ela sofria com o problema de saúde, como é que ela sofria aquilo, que é muito diferente daquilo que a gente ainda estuda na academia, que é o corpo fragmentado, disciplinas todas separadas, e a gente tentando remendar isso tudo. Isso é que é lindo nas práticas integrativas”.

Alma-Ata e Astana
A sua conduta intuitiva há 40 anos já estava respaldada na Declaração de Alma-Ata, documento da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizado em setembro de 1978 na cidade de Alma-Alta, no Cazaquistão, então parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
“Alma-Ata valoriza esse saber tradicional, traz esse saber tradicional para perto de nós, profissionais de saúde, para que a gente possa respeitar, valorizar, pesquisar. Porque é importante observar se aquilo realmente pode ser eficaz, fazer a parte que nós profissionais de saúde temos que fazer e que, às vezes, é tão distante ainda da academia”, comenta.
O documento definiu saúde como “estado de completo de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade” e como “direito humano fundamental”. Por isso, “a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde”, estabeleceu a carta, que trazia como uma das metas “atingir um nível aceitável de saúde para todos os povos do mundo até o ano 2000”. Para alcançá-la, foi enfática: “mediante o melhor e mais completo uso dos recursos mundiais, dos quais uma parte considerável é atualmente gasta em armamentos e conflitos militares”.
Em 2018, a Declaração de Astana, produzida também no Cazaquistão, renovou os princípios de Alma-Ata em relação à atenção primária à saúde, destacando-os como estratégia para alcançar a cobertura universal de saúde e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Divulgação/Abrasco

Transferida para a Capital, Henriqueta deu continuidade ao trabalho, graças à sensibilidade do então prefeito, o também médico Vitor Buaiz (PT). “Foi um encontro de vidas. Ele tinha sido meu professor”, lembra. 

As tratativas para formalizar as PICS na rede municipal não tardaram. “Em 1988, tinha uma resolução da Comissão Interministerial, antes do SUS, que já incluía a Homeopatia, Fitoterapia e Acupuntura no SUS. Essa resolução que justificou a criação em Vitória das vagas de médicos nessas três especialidades, além de farmacêutico e engenheiro agrônomo. Concurso foi em 1991”, conta. 

Carta ao governo Lula

Em paralelo aos preparativos para o III ESPICS, também é preparada uma “Carta Aberta ao Governo Lula em defesa da fitoterapia/plantas medicinais nos serviços públicos”, disponível para adesões em uma petição pública online.

A carta é redigida pelo Coletivo Fitoterapia do Brasil – formado por membros de movimentos sociais, profissionais da saúde, da educação e da agricultura, pesquisadores, professores e produtores rurais – e pela Associação Brasileira de Farmácias Vivas. 

Entre os pontos destacados na petição, está o fato de que “o uso de plantas medicinais no cuidado e na promoção da saúde consiste em prática tradicional secular, tendo há décadas o reconhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que 80% da população mundial utiliza plantas medicinais ou suas preparações na atenção primária à saúde”. 

Lembra também que, “no SUS, o uso tradicional de plantas medicinais é considerado indicativo de efetividade e segurança pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”. E que a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), instituída em 2006, e o Programa Nacional, aprovado em 2008, têm como diretrizes “garantir o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos no país, o desenvolvimento de tecnologias e inovações, o fortalecimento das cadeias e dos arranjos produtivos, o uso sustentável da biodiversidade brasileira e o desenvolvimento do complexo produtivo da saúde”. 

O documento lista mais de 20 reivindicações nos seguintes campos: pesquisa e inovação; acesso a plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos, no SUS; ensino e educação permanente; e gestão do programa de plantas medicinais e fitoterápicos.

Arquivo/PMV

Especialidades

O cardápio de PICS no SUS conta com 29 especialidades: Apiterapia; Aromaterapia; Arteterapia; Ayurveda; Biodança; Bioenergética; Constelação Familiar; Cromoterapia; Dança Circular; Geoterapia; Hipnoterapia; Homeopatia; Imposição de Mãos; Medicina Antroposófica; Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura/Auriculoterapia; Meditação; Musicoterapia; Naturopatia; Osteopatia; Ozonioterapia; Plantas Medicinais/Fitoterapia; Quiropraxia; Reflexoterapia; Reiki; Shantala; Terapia Comunitária/Integrativa; Terapia de Florais; Termalismo Social e Crenoterapia; e Yoga.

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