Frente Parlamentar debate alertas do TCES sobre sistema de saúde mental
A precariedade em que tem operado a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no Estado, evidenciada no recente relatório da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCES), será discutida na próxima terça-feira (8) pela Frente Parlamentar em Defesa da Saúde Mental e da Luta Antimanicomial da Assembleia Legislativa. Diversas deficiências na estrutura pública voltada ao atendimento de pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e drogas foram apontadas pelo relatório, fruto de uma auditoria realizada entre abril e agosto de 2024. Os dados serão apresentados pelos auditores externos responsáveis pela fiscalização, às 9h30, no Plenário Rui Barbosa.
De acordo com o relatório do TCES, foram identificados ao menos 17 problemas estruturais e de gestão na RAPS capixaba. Entre os principais pontos críticos, destacam-se o tempo excessivo de espera para consultas com profissionais da psiquiatria, que ultrapassa 100 dias em algumas regiões, a falta de estrutura adequada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que enfrentam carência de recursos humanos, físicos e de equipamentos, além da ausência de Caps em municípios elegíveis para habilitação de unidades.
O Tribunal listou mais de 30 recomendações para melhorar o funcionamento da rede, destacando a qualificação da assistência, ampliação do acesso aos serviços e reforço do papel articulador do Estado no apoio aos municípios. Segundo a presidente da Frente Parlamentar, deputada estadual Camila Valadão (Psol), o principal objetivo da reunião é analisar e buscar caminhos concretos para enfrentar os problemas identificados na auditoria, de modo a fortalecer a política pública de saúde mental e garantir um atendimento mais eficaz e digno à população.
“É uma rede que precisa de mais investimentos do Estado para que os municípios possam de fato construir os equipamentos, como os CAPs, que são estruturas fundamentais dessa rede e precisam de mais apoio. A Frente já acompanha a RAPS há algum tempo, e agora queremos usar as informações desse relatório técnico, fruto de um levantamento cuidadoso da equipe do Tribunal, para traçar estratégias que ajudem a fortalecer essa rede tão fundamental”, explicou.

A Raps integra diferentes áreas, como atenção básica, psiquiatria, farmácia, assistência social, enfermagem e oficinas terapêuticas. Essa estrutura, porém, tem sido desmontada nos últimos anos, segundo o presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP), Thiago Machado.
Para ele, a política de saúde mental implementada nas gestões de Renato Casagrande (PSB) representa um retrocesso e uma distorção dos princípios da política pública, que preconiza o cuidado integral e humanizado. Além disso, a falta de investimentos adequados e a ausência de valorização dos profissionais que atuam na rede criam um cenário de desassistência, destaca, o que impacta diretamente na saúde mental da população.
O presidente do CRP e a deputada também criticam o redirecionamento de recursos públicos para iniciativas que, segundo eles, enfraquecem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e contrariam os princípios da política nacional de saúde mental. Um dos principais alvos das críticas é a Rede Abraço, programa do governo estadual voltado às ações integradas sobre drogas, que tem priorizado o financiamento de comunidades terapêuticas em detrimento do fortalecimento dos CAPS AD, unidades especializadas no atendimento a pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas.
Para Camila, o cenário atual é grave e exige resposta urgente do poder público. “Minha preocupação com essa realidade da RAPS é que a gente tem enfrentado, cada vez mais, um cenário de adoecimento da população, com crescimento das demandas na área da saúde mental, principalmente de crianças e adolescentes. E a gente encontra uma rede super fragilizada, pela inexistência de CAPS nos municípios ou pela ausência de profissionais da área de saúde mental, então, o cenário é bem complexo”, destacou.
A Frente Parlamentar é presidida por Camila Valadão e tem como vice-presidente, Iriny Lopes (PT). É composta, ainda, pelos deputados Adilson Espindula (PSD), Alexandre Xambinho (Podemos), José Esmeraldo (PDT), Fabrício Gandini (PSD), João Coser (PT), Sergio Meneghelli (Republicanos) e Zé Preto (PP).
O relatório
O TCES reforça a urgência de um plano de ação coordenado entre Estado e municípios para garantir um cuidado em saúde mental contínuo, territorializado e centrado nos direitos humanos. Entre os pontos destacados, estão a ausência de Caps em vários municípios elegíveis para sua implementação; a necessidade de adequação ou atualização das referências hospitalares para transtornos mentais previstas no Manual de Perfilização Hospitalar da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa); e a demora superior a 100 dias para consultas psiquiátricas ou psicológicas, um tempo que excede o prazo máximo estabelecido pelo Enunciado 93 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Além disso, foi constatada a inexistência de financiamento federal para as equipes multiprofissionais e os pontos de atenção vinculados à saúde mental.
A investigação identificou deficiências como estruturas físicas inadequadas nos Caps já existentes, equipes incompletas e a falta de fornecimento de refeições para os usuários dessas unidades. A inexistência de um sistema informatizado de prontuários em várias localidades e a desatualização de escalas de trabalho de médicos especializados em saúde mental também foram destacadas.
Com base nessas constatações, o Tribunal fez uma série de recomendações à Secretaria de Estado da Saúde e às secretarias municipais, além de encaminhar informações à bancada federal capixaba, para garantir a alocação de recursos federais para a construção de novas unidades dos Caps nos municípios. Segundo o Tribunal de Contas, as recomendações serão monitoradas a partir do segundo semestre de 2025, conforme o Manual de Auditoria Operacional do Tribunal de Contas da União (TCU).
Entre as recomendações acordadas pelos conselheiros do tribunal, está a necessidade de habilitação dos 18 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) existentes junto ao Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Apoio à Implementação de Políticas em Saúde (Saips), o que poderia viabilizar o aporte de recursos federais estimados em R$ 10,7 milhões anuais.
De acordo com a decisão colegiada, devem providenciar o fornecimento de refeições para os usuários dos Caps dez municípios: São Mateus, Baixo Guandu, Ecoporanga e Jaguaré, no norte e noroeste do Estado; Anchieta, Mimoso do Sul, Vargem Alta e Itapemirim, no sul; Guarapari, na região metropolitana; e Santa Teresa, na região serrana.
Entre as medidas sugeridas pelos conselheiros ambém está a criação de novos Caps em 15 municípios: Pinheiros, Pancas, Montanha, Rio Bananal, Barra de São Francisco, Sooretama e Conceição da Barra, no norte e noroeste; Piúma, Marataízes, Ibatiba e Iúna, no sul; Afonso Cláudio, Marechal Floriano, Domingos Martins e Venda Nova do Imigrante, na região serrana; e Viana, na Grande Vitória.
Em cidades maiores, como Linhares, no norte do Estado, Cachoeiro de Itapemirim, no sul, e Cariacica, Vila Velha e Serra, na Grande Vitória, foi sugerida a implementação de Caps III e Caps-ad III, projetados para atender demandas de alta complexidade em saúde mental, com foco em casos que exigem atenção intensiva e contínua – no caso dos CAPS III, também funcionamento 24 horas.
Viana, Aracruz, Colatina, São Mateus, Guarapari, Linhares e Cachoeiro de Itapemirim receberam a recomendação de implantar Caps infantojuvenis, que podem ser habilitados pelos municípios com mais de 70 mil habitantes.
Outra recomendação foi a garantia de que as consultas psiquiátricas e psicológicas sejam realizadas em até 100 dias, conforme determina o CNJ, em Itaguaçu, Aracruz, Viana, Cachoeiro de Itapemirim, Pinheiros e São Mateus. Além disso, foi destacada a necessidade de implantar um sistema informatizado para a regulação desses atendimentos.
O tribunal destacou a necessidade de melhorias na infraestrutura farmacêutica, incluindo controle informatizado de medicamentos e armazenamento adequado. O município de Iúna foi orientado a ajustar as condições de suas farmácias básicas.
A adoção de Consultórios na Rua foi proposta para Aracruz, Linhares e Colatina; e a habilitação de equipes multiprofissionais na Atenção Primária à Saúde foi destacada como necessária para garantir o funcionamento da rede em Águia Branca, Alfredo Chaves, Aracruz, Barra de São Francisco e Colatina.