Redução do intervalo entre a primeira e a segunda dose das vacinas, inclusão das pessoas acima de 12 anos no Plano Nacional de Imunização, uso de vacinas diferentes na mesma pessoa e investimento em pesquisa científica para induzir novas adequações com base na realidade brasileira.
Esses são quatro pontos que estruturam a Nota Técnica nº 8 da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, intitulada “Repensando a Campanha de vacinação contra COVID-19 no Brasil diante das novas evidências”, assinada pela epidemiologista capixaba Ethel Maciel, a médica capixaba e pesquisadora da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) Margareth Dalcolmo, além de Michelle Fernandez, Karina Calife, Denise Garrett, Carla Domingues e Ligia Kerr, também integrantes da RBMC.
O mote para a produção da Nota Técnica foi a observação de novas evidências científicas produzidas principalmente na Europa e que devem ser avaliadas para aplicação no Brasil, após seis meses do início da campanha de vacinação.
Redução do intervalo
Sobre a redução do intervalo entre a D1 e a D2, as cientistas salientam que os impactos das novas variantes do SARS-CoV-2 tem feito países como Portugal e Reino Unido aplicarem a medida em relação à AstraZeneca, estabelecendo em oito e não doze semanas o prazo entre as duas aplicações. Já a Pfizer já tem sido administrada no prazo de 21 dias, recomendado pelo fabricante, na maior parte dos países mais avançados em suas campanhas de imunização.
A Nota cita um estudo do Reino Unido que demonstrou a ação da variante Delta na redução da efetividade da vacina, principalmente nas pessoas que receberam apenas uma dose, bem como o decréscimo da efetividade contra a doença sintomática para aproximadamente 33% nas pessoas com apenas uma dose, mantendo-se uma alta eficácia, em torno de 88%, com as duas doses.
“Prolongar o intervalo em relação ao aprovado pela fabricante de cada vacina deixa mais suscetíveis as pessoas vacinadas com apenas uma dose”, ressaltam as cientistas, alertando que essa situação aumenta “a probabilidade de manutenção de alta circulação viral e, com isso, a chance de surgirem variantes que poderão escapar das vacinas”.
Intercambialidade entre as vacinas
Outros estudos têm mostrado que utilizar marcas diferentes de vacinas numa mesma pessoa podem até aumentar a resposta imunológica, o que levou o Canadá, a Inglaterra e outros países europeus a utilizarem os chamados “esquemas heterólogos de vacinação” como programa de saúde pública.
Em países como o Brasil, que enfrentam “estoque flutuantes de várias vacinas”, a medida, além de potencialmente propiciar melhor proteção da população, simplificará sensivelmente os esforços de imunização, ou seja, a administração dos diferentes lotes de marcas diversas que chegam semanalmente aos estados e municípios.
As cientistas afirmam a necessidade de que o governo brasileiro invista em estudos clínicos populacionais com as vacinas usadas no país, incluindo a CoronaVac, para definir a segurança, taxa de infecção, hospitalização, e óbito de cada combinação, sendo fundamental que a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) abram editais para financiamento de pesquisa nessas áreas.
No entanto, diante da “falta de vacinas nas unidades de saúde e para evitar que pessoas fiquem sem o esquema completo, o Ministério da Saúde avalie esta estratégia, à luz das evidências científicas já existentes no momento atual”, assinalam.
Vacinação em adolescentes
O terceiro ponto da nota técnica é dedicado a defender a vacinação de pessoas acima com 12 anos ou mais, com base na aprovação feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para utilização da Pfizer nesse público.
“Frente ao aumento do número de casos e óbitos que estão sendo observados no Brasil desde a segunda onda da Covid-19, a vacinação de adolescentes se torna imperativa, não só para proteção dos mesmos, mas também para ajudar a barrar a transmissão viral e contribuir com a imunidade coletiva, garantindo o retorno mais seguro às aulas presenciais”, destacam, sublinhando que a vacinação dos adolescentes deve ocorrer respeitando o cronograma de prioridades já estabelecidas pelo PNI/MS.
Gestantes
Em relação às gestantes, a recomendação é para que todas sejam incluídas nos grupos prioritários para receber os imunizantes, incluindo as menores de 18 e maiores de 12 anos, devendo ser utilizados aqueles com evidências de segurança comprovadas, como é o caso da vacina da Pfizer.
Evidências científicas
A Nota Técnica sublinha ainda o fato de que outros programas de vacinação ao redor do mundo estão organizando suas campanhas de acordo com as especificidades de cada vacina disponível, sendo urgente, nesse sentido, que o PNI brasileiro “possa avaliar novos paradigmas para a campanha de vacinação com as evidências científicas que foram geradas nos últimos meses e que, principalmente, possa comunicar mudanças atualizadas à sociedade, estabelecendo uma maior confiança nas vacinas”.
Desigualdades sociais
Aspecto demonstrado de forma veemente desde o início da crise sanitária do coronavírus em todo o mundo, o que levou à
classificação da pandemia de Covid-19 como uma sindemia, as desigualdades sociais devem ser consideradas nesta reorganização da campanha de vacinação proposta pela RBMC.
“Fatores como cor/etnia, situação socioeconômica desfavorável, desemprego, uso de transporte público, moradia nas periferias das grandes cidades têm marcado as profundas desigualdades no acesso à vacinação vigente. Desta forma, torna-se imprescindível que estas populações sejam consideradas ao se planejar a vacinação nas diferentes regiões e áreas do país”, rogam as cientistas.