No distrito turístico de Patrimônio da Penha, moradores criam comitê para compensar lacunas da prefeitura e PM
Município menos populoso do Espírito Santo, Divino de São Lourenço tem pouco mais de 4,5 mil habitantes e 41 casos confirmados de Covid-19, segundo o boletim municipal dessa segunda-feira (8). O número é vinte vezes maior que o registrado há quinze dias, em 25 de maio, mostrando um crescimento maior do que a média registrada no interior do Estado durante a segunda fase do inquérito sorológico, que mediu em 13 vezes o aumento do número de casos nos municípios fora da Grande Vitória.
No último Painel Covid-19 do governo do Estado, 31 dos 41 casos já estavam registrados, sendo 18 deles relacionados a trabalhadores da saúde. Segundo o gestor municipal da pasta, Osvaldo das Neves de Figueiredo, 12% dos 78 profissionais da área estão afastados com suspeita ou confirmação de contaminação, incluindo médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, motoristas, auxiliares de serviços gerais e ele próprio, com sintomas leves.
Fazendo contratações de emergência para cobrir os afastamentos dos servidores e sem apoio da Polícia Militar, que só tem uma viatura para atender a todo o município, a prefeitura decidiu retirar as barreiras sanitárias instaladas nos distritos desde o último sábado (6).
O clamor comunitário está sintonizado com o pedido feito nesta terça-feira (9) em solenidade virtual de Mobilização do Trade Turístico local, transmitida em suas redes sociais, sobre protocolos de enfrentamento à Covid-19 e estruturação do Plano de Retomada da Economia do Turismo Capixaba. “Teremos um feriadão essa semana, mas meu pedido é pra que as pessoas fiquem em casa. O isolamento social do Estado é baixo. Meu pedido é pra que as pessoas não vão às praias, aos parques, às praças”, disse o governador.
Retrato do abandono no interior do Estado
A situação do menor município capixaba, caótica, na avaliação dos moradores, mas de risco mediano, segundo o último Mapa de Gestão de Risco, é um retrato do abandono do interior do Estado com relação à condução da pandemia de Covid-19.
A carência de estruturas robustas de atendimento básico de saúde é histórica, permanecendo os precários hospitais, as Estratégias de Saúde da Família (ESFs) em número e condições insuficientes, a falta de cursos de reciclagem e atualização dos profissionais e dos insumos básicos que sempre acabam antes da demanda.
A chegada da pandemia intensificou essa fragilidade, mais um aspecto de aprofundamento das desigualdades históricas que ocorrem, simultaneamente, no campo da educação, da geração de renda, da invisibilidade das minorias étnicas e raciais.
A coordenação feita pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) direcionou investimentos na expansão de leitos em hospitais próprios, geridos em sua maioria por Organizações Sociais de Saúde (OSs) ou em hospitais filantrópicos e particulares.
A atenção básica à saúde, feita nos municípios, ficou abandonada à própria sorte, mostrando que a “falta de coordenação nacional”, criticada pelo governador Renato Casagrande (PSB), também se instalou em nível estadual, para desespero dos municípios de menor porte e de seus moradores, que agora convivem com uma velocidade agressiva de propagação do vírus, mesmo estando classificados com “risco mediano” segundo os parâmetros estaduais.
“Os municípios têm precariedades. É um absurdo essa falta de ação central, assim como falta uma coordenação pelo governo federal. E Casagrande tinha toda condição de fazer isso”, apontou, em entrevista a Século Diário, a doutora em Bioética e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Elda Bussinger.
O governo do Estado, afirma, ainda pode dar esse suporte, e a um custo baixo. “As equipes de saúde da família têm um potencial fantástico e poderiam estar atuando mais! As pessoas precisam de um acompanhamento próximo. Um telefonema não é suficiente. É preciso usar os agentes comunitários de saúde, indo às casas, fazendo um controle rigoroso, e ainda em conjunto com a ação social”, conclamou.
“Não é recolher, é acolher essas pessoas. Não deveriam estar em casa. Muitas têm comorbidades, sem condições de isolamento. Deveriam estar em um hospital, em enfermaria, pra não ter que na hora final correr atrás de um leito de UTI”, explica.
Diretrizes municipais
“A Matriz de Risco [estadual] tem esse defeito, porque compara cada município com o Estado e os demais municípios. Muitas vezes um município pode estar ‘bem’ nessa comparação, mas não está bem com relação a ele mesmo. Uma coisa é a gestão de risco do Estado e outra é dos municípios”, alerta o matemático Etereldes Gonçalves Junior, professor de Matemática da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e integrante do Núcleo Interinstitucional de Estudos Epidemiológicos (NIEE) que assessora tecnicamente a Sala de Situação de Emergência em Saúde Pública do governo do Estado.
“O município tem que cuidar da sua própria diretriz. Um município de cinco mil habitantes pode fazer uma prevalência local, com um número de testes não muito grande. Ele não consegue se enxergar da maneira correta só com a matriz estadual”, sugere.
“É importante entender que a velocidade, principalmente no interior, está muito superior à da região metropolitana. Realmente está num período muito perigoso, muito crítico”, ressalta o matemático.
O Índice de Transmissão (Rt) calculado pelo NIEE, com base nos dados da segunda fase do Inquérito Sorológico, concluído no dia 29 de maio, está em torno de 1,84, lembra Etereldes. Com esse RT, a estimativa é que o Estado chegue, nesta quarta-feira (10), a 402 mil contaminados. Considerando as margens de erro para menos e para mais, o contingente de contaminados no Estado, na data, varia entre 313 mil (Rt 1,62) e 507 mil (Rt 2,04).
O Painel Covid-19 mostrou, nesta segunda-feira (9), 20.659 casos confirmados e 871 óbitos pela doença.
“Com o Rt nessa velocidade, todas as cidades com mais de 100 mil habitantes teriam que ficar em risco extremo no mapa de gestão. O Rt pode ser uma medida pra explicar aos gestores municipais como proceder, para além da matriz estadual”, orienta Etereldes.