Estado e município podem complementar serviço oferecido pela União, alvo de desmonte no governo federal passado
A construção da política estadual de saúde indígena teve o seu primeiro passo dado nessa terça-feira (15), com a publicação da Portaria nº 071-R, da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), que cria o Grupo de Trabalho da Saúde Indígena (GT-SI), responsável por definir o fluxo de atendimento específico às comunidades aldeadas no Espírito Santo. A normativa atende a uma demanda antiga das aldeias Tupinikim e Guarani, que reivindicam há anos uma série de melhorias e especificidades culturais. O GT anterior, criado em 2019, não foi adiante devido à pandemia da Covid-19.
“O GT vai discutir como vai ser a complementaridade do Estado e do município na saúde indígena. Hoje o Estado contribui muito pouco e isso é uma discussão constante entre os caciques”, relata Lindomar Tupinikim, apoiador técnico de Saúde no Distrito Sanitário Especial Indígena Regional Espírito Santo/Minas Gerais (DSEI ES/MG).
Lindomar explica que a responsabilidade é do governo federal, porém, a Política Nacional de Saúde Indígena (Lei nº 9836/1999) estimula que estados e municípios atuem de forma complementar. “Estado e municípios dizem que não podem investir, mas essa afirmação não é verídica. Podem sim, em articulação com a Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] e com controle social das comunidades indígenas”.
O atendimento na atenção primária hoje, conta, é feito dentro das aldeias, com recursos da União. Mas quando é preciso uma consulta especializada ou outro serviço de atenção secundária e hospitalar, há uma dificuldade em se definir o fluxo de atendimento. “A gente tem pressa [da elaboração da política estadual]”, afirma. “Outros estados estão bem avançados. Em Minas Gerais, o governo financia muitas ações inclusive na atenção primária, através de resoluções estaduais. Essas linhas de financiamento são discutidas junto com Sesai e controle social”.
Entre as prioridades, estão a complementação de medicamentos e insumos, que faltam com frequência na saúde indígena; a construção de unidades de saúde; um fluxo bem definido para o atendimento de média e alta complexidade. Nesse último ponto, ele ressalta a necessidade de que os hospitais e policlínicas façam o registro do quesito raça/cor como indígena. “Eles têm dificuldade para preencher e isso dificulta que o recurso da União chegue, porque precisa ter uma série histórica provando que houve o atendimento especializado”, cita.
Essa política está definida na Portaria 2663/2017, que define critério para repasse do incentivo para atenção especializada aos povos indígenas, respeitando sua cultura. “Cria mecanismo para um atendimento diferenciado nos estabelecimentos de saúde”, afirma. “Se um Guarani se internar no hospital e precisar de um pajé, o hospital precisa criar condições para isso, para a pajelança”, exemplifica.
O desmonte da Sesai seguiu por toda gestão passada de Jair Bolsonaro (PL) e se fez mais dramático ainda pelo fato de que a maior parte dele se deu durante o período de pandemia. No Espírito Santo, denúncias mostravam uma situação precária, com falta até de insumos, remédios e equipamentos, além de mobiliários velhos e sucateados.
Atualmente são 34 DSEI existentes no país, funcionando como unidades gestoras do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) e que não necessariamente refletem as divisões administrativas dos estados. O Espírito Santo está dentro do distrito que engloba também Minas Gerais e fica sediado no município de Governador Valadares. Os indígenas de Aracruz defendem a divisão, para que o serviço possa garantir mais autonomia e agilidade no Estado.