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Sociedade civil cobra auditoria para apurar mortes de recém-nascidos na UTI do Infantil de Vila Velha

Integrantes do Conselho Estadual de Saúde e de outras entidades, como sindicatos e movimentos sociais, querem que os números de óbitos ocorridos na UTI Neonatal do Hospital Infantil de Vila Velha (Utin/Heimaba) sejam auditados. A Organização Social (OS) que assumiu o hospital em outubro do ano passado, Instituto de Gestão e Humanização (IGH), é acusada de manipular informações públicas e de ocultar, por exemplo, o livro de óbitos em que as mortes dos bebês devem ser registradas, além de outros documentos.
 
Relatório com dados oficiais da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) ao qual Século Diário teve acesso, por meio do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde no Estado (Sindsaúde-ES), indica que, no período de seis de outubro até 22 de dezembro de 2017, quase 30 recém-nascidos morreram na Utin do Heimaba. No entanto, os dados são apenas o extrato de um período. A IGH tem gerido o Infantil de Vila Velha há mais de sete meses, seguindo para o oitavo, que será inteirado em 1º de junho próximo. 
 
“Não temos os dados do mês da transição, setembro de 2017, além de janeiro de 2018. Mas há testemunhos contundentes de servidores, médicos, enfermeiros e auxiliares de que, em novembro do ano passado, eram até três mortes por dia. Na virada do ano e nos primeiros dias de janeiro deste ano, outros trabalhadores e pais procuraram o Sindicato para denunciar mais mortes, que foram até relatadas ao Conselho Estadual de Saúde. E ainda temos os demais meses, de fevereiro até agora. Os números estão fora de qualquer normalidade”, explica Valdecir, diretor de Comunicação do Sindicato. 
 
Auditoria independente
Para uma das diretoras do Sindicato dos Enfermeiros do Estado (Sindienfermeiros-ES), Valezka Fernandes Morais de Souza, que também tem assento no Conselho Estadual de Saúde, será necessária uma auditoria externa e independente para contabilizar uma estatística. “Você acha que essa empresa vai cortar na própria carne? Os dados que ela apresenta não são confiáveis, assim como as pesquisas de satisfação que ela mesma faz e apresenta. É preciso uma auditoria, um comitê externo para apurar. Os dados que têm sido apresentados não condizem com as denúncias de profissionais da enfermagem, por exemplo. Como se diz hoje, só se for fake news. Existe negligência sim e precisa ser investigada”. A IGH chegou a se pronunciar publicamente de que, de outubro 2017 a janeiro de 2018, foram registradas 26 mortes na Utin do Heimaba.   
 
Ex-servidores do hospital citam ainda um relatório realizado pela ex-diretoria, que teria registrado as mortes ocorridas nos meses anteriores à terceirização, cuja média era de sete, incluindo os óbitos de todos os setores da unidade. Apenas em setembro, mês da transição para a OS, essa quantidade saltou para 15. De acordo com informações, o contrato do IGH com a Sesa previa ampliação do serviço. Quando as mudanças foram implementadas, a unidade, no entanto, não tinha pessoal nem infraestrutura para suportar a nova demanda.
 
Comitê de Mortalidade Infantil 
As denúncias de mortes na Utin do Heimaba por negligência foram levadas ao Conselho Estadual de Saúde, ainda no ano passado. Diante do fato, os conselheiros cobraram da Sesa uma investigação rigorosa. Em abril de 2018, a Secretaria chegou a anunciar que apresentaria os dados, o que não ocorreu.
 
Na ocasião, a Secretaria apresentou a criação do Comitê de Mortalidade Materna e Infantil do Espírito Santo (CMMI-ES), cuja portaria de formalização (152-S) foi publicada no Diário Oficial do Estado no dia 12 de abril deste ano, assinada pelo secretário Ricardo de Oliveira. Segundo a legislação, o Comitê foi instituído “para reduzir em 2/3 a taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos, focando na mortalidade neonatal”. No entanto, formado, basicamente, por servidores da Sesa, entre eles, representantes dos setores Saúde da Mulher, Saúde da Criança, Atenção Primária, Vigilância em Saúde, Vigilância Epidemiológica, Sistema de Informação da Mortalidade Infantil, além de representantes das superintendências de saúde das regiões Sul, Norte e Central.
 
Valezka Fernandes Morais de Souza foi designada pela entidade para acompanhar as investigações. No entanto, tem sido vetada de todas as reuniões, que ocorrem  há mais de um mês. “Liguei várias vezes para os integrantes do Comitê, cobrei dados, e nada. Liguei para saber das reuniões, e nada. Nenhum dado ou resultado de investigação foi apresentado e não foi por falta de cobrança”.
 
Fatores para as mortes
Os relatos de antigos e atuais trabalhadores, incluindo médicos que atuaram na Utin e o Sindsaúde-ES convergem para o fato de que o Instituto de Gestão e Humanização tem descumprido cláusulas do contrato aos olhos do governo do Estado. Uma delas é contundente em afirmar que trabalhadores, para atuar na UTI Neonaltal, devem ter experiência na área. 
 
O resultado desse descumprimento pode ter desencadeado uma série de erros; entre eles, a iatrogenia (aplicação equivocada de remédios) e também a não administração devida dos medicamentos, além de descuidos com diversos protocolos, incluindo os de higienização.

Nos primeiros meses de transição, foi noticiado pelos veículos de comunicação do Estado que um recém-nascido havia caído no chão na Utin. “Qualquer erro num hospital infantil é fatal; não é como o tratamento de adultos. Eu mesma, que tenho 15 anos de enfermagem, não trabalharia numa UTI Neonatal, são bebês muito pequenos e sensíveis. Sabemos que há trabalhadores inexperientes lá dentro porque o salário que a empresa IGH paga é menos da metade que um servidor do Estado recebe. Ninguém com experiência fica para receber aquela miséria”, disse Valezka Fernandes Morais de Souza, uma das diretoras do Sindienfermeiros-ES.

 
Funcionários relatam ainda que faltam materiais básicos, como luvas, seringas, microporos, termômetros, álcool gel e até sabão, em alguns momentos. Outros equipamentos são insuficientes para atender toda a demanda, como agulhas de aspiração, bombas para ministrar medicamentos, manguitos e oxímetros (instrumento que determina fotoeletricamente a saturação de oxigênio).

“Essas quase 30 mortes só se forem a média de um mês. Teve plantão meu de ocorrerrem até três óbitos. Quando as mortes ocorrem, é preciso preencher uma série de papeis com mais de uma via, mas todas eram levadas e escondidas. Ninguém sabe onde está o livro de óbitos”, disse uma ex-trabalhadora da Utin que prefere não ser identificada. 

 
Os relatos apontam ainda que a Utin do Heimaba não tem a mesma equipe que atuava antes da terceirização. Apenas na coordenação do setor já passaram quatro profissionais diferentes e há trabalhadores cumprindo aviso prévio em função dos baixos salários e péssimas condições de trabalho. 
 
Denúncias, fotos e vídeos enviados para o Sindsaúde-ES indicam, ainda, que paredes do banco de leite, anexo à Utin, estavam tomadas por mofo. Além disso, o próprio espaço que abriga a UTI Neonatal tem problemas com infiltração. Numa chuva mais forte deste ano, foi preciso espalhar baldes pelo espaço em função das goteiras, o que foi registrado em vídeo. 
 
Denúncia e Improbidade administrativa
 
Diante do cenário, o Sindicato preparou um dossiê denunciando crimes contra a infância, que será enviado para entidades em níveis estadual, nacional e até internacional. Segundo Valdecir Nascimento, as denúncias serão feitas nos Ministérios Públicos Estadual e Federal, Ministério Público do Trabalho, Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Conselhos Tutelares de Vila Velha e de Vitória, Ministério da Saúde, Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente, Defensoria Pública e ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
 
Para o advogado Amarildo Santos, comprovada a omissão e erros da OS IGH, o governo do Estado pode ser responsabilizado pelas mortes, e as famílias indenizadas. Segundo ele, quando uma criança entra numa unidade hospitalar pública, o Estado tem que garantir o tratamento e que ela saia curada, sempre que possível. Para isso, é preciso seguir rigorosamente todos os protocolos estabelecidos tanto internacionais, nacionais quanto regionais. “Se o Estado foi omisso e uma criança morrer em decorrência de uma bactéria, ele tem que ser responsabilizado. Isso não vai afastar a dor da família, mas tem um efeito pedagógico”.
 
Para Amarildo, o Estado pode ser enquadrado ainda no ilícito de improbidade administrativa. O advogado destaca que quando o governo justificou a terceirização do serviço, alegando que haveria mais eficiência e menor custo, e isso, de fato, não aconteceu, foi afastado o objeto do contrato, o que se enquadra em improbidade. 

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