Niceia destaca que está acontecendo no Brasil uma contrarreforma psiquiátrica, por meio da qual há perda de recursos para a Rede de Atendimento Psicossocial (RAPS) e um desmonte de muitas conquistas do movimento. Por isso, acredita, é crucial cobrar dos candidatos um compromisso com a RAPS caso sejam eleitos. De acordo com Niceia, a carta foi uma construção coletiva de entidades que atuam na área da saúde mental, Direitos Humanos e Diversidade.
Segundo a carta, “a atual conjuntura combina uma crise social, econômica e política em que a pandemia exacerba seus efeitos atingindo principalmente as populações vulnerabilizadas. Nesse contexto temos presenciado o ataque sem precedentes ao pacto social que sucedeu o fim da ditadura militar, que tem buscado destruir a universalidade dos direitos sociais, econômicos e ambientais garantidos na Constituição. Tudo isso faz com que as eleições municipais deste ano se revistam de caráter estratégico para o futuro do país”.
Ainda segundo a carta, “os ataques à Constituição e à Democracia levadas a cabo pelo atual governo, materializam-se numa agenda articulada de contrarreforma psiquiátrica e de ataque ao SUS, com o objetivo de minar as conquistas de mais de 30 anos de construção das políticas de saúde mental e de álcool e outras drogas de caráter público e não segregacionista”.
O documento é dividido em propostas para o Executivo e para o Legislativo. Entre as primeiras, estão a criação da Renda Básica de Cidadania Municipal, a ser operada por bancos comunitários e cooperativas de crédito, garantindo o direito fundamental à dignidade humana e o desenvolvimento local e comunitário. O documento também contempla a necessidade de ampliação de recursos, reivindicando a progressividade orçamentária para a RAPS, com o objetivo de ampliar os serviços.
Consta ainda nas propostas para o Executivo a adoção da política de redução de danos como estratégia prioritária para o cuidado a pessoas em uso problemático de álcool e outras drogas. Segundo Niceia, essa política leva em consideração que a droga não necessariamente irá fazer com que toda e qualquer pessoa fique dependente, devendo-se levar em consideração como cada sujeito faz uso dela.
Assim, explica, a política de redução de danos trabalha a forma como a pessoa está usando, se há o uso abusivo, por exemplo. De acordo com Niceia, não se trata da negação da abstinência, uma vez que, segundo ela, há pessoas que conseguem qualidade de vida se largarem totalmente o uso da droga. Na política de redução de danos, informa Nicéia, a família também faz parte do processo e, inclusive, há possibilidade de uma droga ser trocada por outra. “Conheço caso de uma pessoa que substituiu o crack por maconha e, posteriormente, largou a maconha para não usar mais nada”, recorda.
A Abramse, diz Nicéia, enxerga o investimento na RAPS como algo intersetorial, ou seja, não se resume aos serviços de saúde, devendo abranger áreas como saúde e esporte. Por isso, uma das propostas para o Executivo é a constituição ou ampliação dos Centros de convivência cultura / cooperativismo voltados à intersetorialidade e a promoção de direitos humanos e reabilitação psicossocial.
Para o Legislativo, uma das reivindicações é o apoio à criação da Frente Parlamentar de Saúde Mental e Drogas. Também constam nas propostas para os candidatos à Câmara apresentação ou apoio ao projeto de lei para instituir a Renda Básica de Cidadania; apresentação de emendas ao Orçamento Municipal para garantir a progressividade orçamentária para a rede de atenção psicossocial; apresentação ou apoio ao Projeto de Lei do Dia Municipal da Redução de Danos, em 24 de novembro, entre outros.
Pós-pandemia
A carta também contempla o cenário pós-pandemia. Nicéia afirma que não há dados de que casos de depressão, por exemplo, aumentaram durante a pandemia, mas que esses casos também devem ser acolhidos sem que a RAPS se restrinja a essa e outras patologias. “A gente entende que a pandemia é uma situação que afeta a todos, que causa sofrimento psíquico. A gente precisa acolher o sofrimento. Muita gente está de luto, muita gente perdeu emprego. De uma forma ou de outra, todo mundo foi afetado psiquicamente”, diz.
Para o Executivo entre as propostas que constam na carta está a elaboração e implantação de um Plano de Atenção Psicossocial pós pandemia, ampliando e fortalecendo a RAPS. Outra reivindicação, que também é destinada ao Legislativo, é a implementação de ações que visem manter vivas a verdade e memória da pandemia, denunciando o descaso e o negacionismo como formas contemporâneas de necropolítica e, por outro lado, exaltando as práticas exitosas e a importância das políticas públicas no combate à Covid-19, especialmente o SUS.