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‘Vetar distribuição de absorventes é violentar pessoas que menstruam’

Veto de Jair Bolsonaro que impede garantia de acesso a itens de higiene é criticado por ativistas capixabas

Elias Costa/Unicef

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda, pessoas em vulnerabilidade socioeconômica, mulheres em situação de rua e presidiárias. A sanção do Projeto de Lei 4968/19, já aprovado no Congresso Nacional, foi publicada no Diário Oficial nesta quinta-feira (7), excluindo um dos principais pontos da pauta: a garantia do acesso a esses itens essenciais de higiene.

“Não foge dessa lógica violenta, patriarcal, dominadora, supremacista branca, que é a lógica do governo Bolsonaro e do bolsonarismo”, declara Ana Sophia Brioschi Santos, integrante do Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes).

O projeto, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 26 de agosto e no Senado no dia 14 de setembro, institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. A proposta da deputada Marília Arraes (PT-PE) tinha como principal objetivo combater a pobreza menstrual, termo que se refere à condição de mulheres que não têm acesso ou recursos para comprar itens de higiene durante o período menstrual.

A matéria também previa que as cestas básicas entregues pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) contassem com absorventes menstruais como itens essenciais. O item de higiene também seria destinado a adolescentes internadas em unidades socioeducativas.

Bolsonaro alegou que o projeto não indicou a fonte de custeio ou medida compensatória, o que violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano e a Lei Complementar 173/20. Ana Sophia considera as justificativas rasas e infundadas. “O dinheiro que é direcionado ao SUS [Sistema Único de Saúde] vem dos recursos que são destinados pela União. Em pesquisas, a gente vê que também, no caso das presidiárias, esse dinheiro vem do Fundo Penitenciário Nacional”, destaca.

Outra alegação apresentada para o veto é que a matéria “contraria o interesse público, uma vez que criaria despesa obrigatória de caráter continuado” e que “ao estipular as beneficiárias específicas, a medida não se adequaria ao princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS”.

Para Ana Sophia, trata-se apenas de mais um movimento para negação de acesso e desconstrução de políticas públicas, uma característica da atual gestão federal. “A gente sabe que a isonomia constitucionalmente prevista exige essa diferenciação entre quem é desigual, uma diferenciação para garantir a igualdade. Então isso não encontra nenhum embasamento, nenhuma fundamentação”, afirma.

É o que reitera Beatriz de Barros Souza, pesquisadora do Núcleo Inanna de Pesquisa e investigação de teorias de gênero, sexualidades e diferenças (NIP), da PUC-SP, e doutoranda em psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “O governo Bolsonaro está tentando retroceder, retirar direitos em todas as frentes de conquistas que nós já tivemos (…) Ele não para em simplesmente não fazer nada. Ele ataca o que algumas pessoas estão fazendo”, afirma.

Da forma que foi sancionado por Bolsonaro nesta quinta, o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual manteria apenas uma campanha informativa sobre a saúde menstrual e as consequências para a saúde da mulher. Os vetos do executivo agora serão analisados pelos parlamentares em sessão do Congresso Nacional, que ainda não tem data definida.

“Isso é muito grave, mas nós esperamos que essa iniciativa volte a ser votada em um futuro próximo e, com um governo mais progressista, quem sabe consiga ser aprovada”, pontua Beatriz.

Repercussão política

Os vetos à distribuição gratuita foram alvo de críticas entre parlamentares capixabas. “Uma absurda crueldade diária de um governo contra seu povo. Será preciso criar maneiras para que o presidente e sua família se enriqueçam também com a promoção da saúde feminina”, questionou a deputada estadual Iriny Lopes (PT).

A vereadora de Vitória Karla Coser (PT) definiu os vetos como mais um golpe do governo federal que, desta vez, atinge meninas e mulheres. “Bolsonaro não quer que nossas meninas e mulheres tenham dignidade! Bolsonaro não quer que nossas meninas pobres estudem! Sabe por quê? De acordo com relatório da Unicef, a ausência de políticas públicas de saúde menstrual no ambiente escolar pode resultar na abstenção, chegando até mesmo à evasão escolar”, declarou.

A vereadora Camila Valadão (Psol) também considerou os vetos absurdos. Em abril, as duas parlamentares da Câmara Municipal enviaram uma indicação à Prefeitura de Vitória, solicitando a inclusão de absorventes menstruais em cestas básicas distribuídas pelo município. “Menstruação é uma questão de saúde pública! Esperamos que o veto seja derrubado pelo Congresso Nacional”, ressaltou Camila.

Pobreza menstrual em números

Autores do projeto aprovado no Congresso estimam que cerca de 5,6 milhões de mulheres seriam beneficiadas pela iniciativa. Em uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) com 1.730 pessoas, entre 13 e 24 anos, 35% das entrevistadas afirmaram já terem passado por situações de dificuldade de acesso a absorventes.

Além disso, 62% que menstruam responderam que já deixaram de ir à escola ou a outros locais por estarem menstruadas, enquanto 71% disseram que nunca tiveram acesso a palestras ou aulas sobre os cuidados menstruais na escola.

“Isso prejudica muito o desenvolvimento dessas mulheres, dessas adolescentes que vão pra escola e, no período menstrual, têm que faltar aulas, faltar disciplinas, porque, de fato, é uma coisa que socialmente acaba afastando-as dos espaços sociais”, enfatiza Ana Sophia, destacando que a garantia de acesso e da integridade física dessas mulheres é um dever do Estado.

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