Um estudo envolvendo diversas instituições capixabas, brasileiras e internacionais de Saúde busca comprovar a segurança e eficácia da aplicação de apenas meia dose da AstraZeneca/Fiocruz, mantendo o formato de duas aplicações dentro de um intervalo de doze semanas, a partir da imunização de toda a população de 18 a 49 anos de Viana, na Grande Vitória, num único dia.
A iniciativa, chamada de Viana Vacinada – “Efetividade, Segurança e Imunogenicidade da Meia Dose da Vacina ChAdOx1 nCoV-19 (AZD1222) para Covid-19” foi lançada nesta sexta-feira (4) em solenidade no Palácio Anchieta, na Cidade Alta, em Vitória, com a presença do governador Renato Casagrande e representantes da Secretaria de Estado de Saúde (Sesa), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), da Prefeitura de Viana, do Hospital Universitário Cassiano Antonio de Moraes (Hucam), que coordena o projeto, entre outras entidades parceiras.
A escolha de Viana se deu principalmente pelo fato de estar na região metropolitana, próxima, portanto, das sedes das instituições às quais os pesquisadores estão vinculados, e por ter uma população não tão grande, como os quatro municípios mais populosos da Grande Vitória.
O Dia D de vacinação em Viana será no domingo, dia 13 de junho. A intenção é alcançar toda a população elegível, cerca de 35 mil pessoas, a partir do consentimento assinado dos participantes voluntários, que poderão fazer o agendamento de sua vacina por meio de uma plataforma que será lançada neste domingo (6).
O prefeito de Viana, Wanderson Bueno (Podemos), contou que o município está se preparando há duas semanas para o Dia D, analisando as possibilidades e estratégias mais indicadas. “Vacinar toda a população é trazer de novo um ambiente equilibrado para o desenvolvimento econômico e seguro e voltar a proporcionar encontro de amigos e familiares e para que possam se abraçar. Viva o SUS!”, exclamou, anunciando ainda que pretende ser o primeiro voluntário do estudo, já que aos 33 anos e sem comorbidades, ainda não foi imunizado.
Domicílio eleitoral
A secretária municipal de Saúde, Jaquelini Jubini, informou que a vacinação no dia 13 ocorrerá de 8h às 17h, em 35 locais de vacinação, com 178 salas e mais de 800 profissionais disponíveis para o mutirão. O critério de agendamento será o de domicílio eleitoral. Todas as pessoas residentes e que votam em Viana, quando forem agendar, vão ser direcionadas à seção onde votam. Os residentes em Viana que não votam em Viana também terão sua vacina garantida”, explicou.
O governador Renato Casagrande salientou que as expectativas com o estudo são de muitos bons resultados em termos de salvar vidas e aquecer a economia. “Para nós, é muito importante servir de base para um experimento como esse e uma confirmação daquilo que já está de alguma forma comprovado em estudos anteriores, porque vai ajudar o mundo todo e não só o nosso Estado e país”.
O secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, contou que o aceite do governo do Estado foi imediato, a partir do pedido feito pela professora da Ufes e pesquisadora do Hucam, Valéria Valim, há um mês, para apoiar estudos que ela já vinha realizando com a AstraZeneca e também com a Coronavac. O projeto, destacou, cria um “ecossistema de inovação no Estado dentro do SUS [Sistema Único de Saúde]”. Ao sediar um “estudo de relevância internacional”, o Espírito Santo contribui para o estabelecimento de “novos rumos para a imunização do país”.
Da parte do Ministério da Saúde, o apoio também foi irrestrito, com a garantia de envio das doses necessárias, como afirmou a coordenadora do Programa Nacional de Imunização, Francieli Fantinato. “Num cenário de escassez de vacina, apesar da expectativa de mais doses no segundo semestre, esse estudo é muito importante para o Espírito Santo, o Brasil e o mundo. O Programa Nacional de Imunização é parceiro desse projeto”.
A diretora da OPAS no Brasil, Socorro Gross, ressaltou que “o Espírito Santo é um laboratório de inovação em muitas iniciativas” e que hoje protagoniza “um momento histórico para o mundo”, pois “a comprovação da eficácia da meia dose da AstraZeneca poderá duplicar a capacidade de vacinação contra a Covid-19”, num contexto em que 5 bilhões ainda não receberam nenhum imunizante.
‘Meia dose é imunogênica
A pesquisadora Valéria Valim explicou que o objetivo do projeto é avaliar a efetividade, a segurança e a imunogenicidade da meia dose da AstraZeneca para a Covid-19, combinando a vacinação com meia dose e o acompanhamento de uma amostra dos participantes, em relação à resposta imune desenvolvida, além do sequenciamento genético do novo coronavírus.
Um estudo menor feito em conjunto com a Fiocruz já demonstrou que a meia dose é imunogênica, ou seja, é capaz de estimular o organismo a produzir anticorpos em quantidade suficiente para imunização. “Cem por cento dos que receberam a meia dose produziram anticorpos”, disse.
Estudo semelhante já foi desenvolvido pela Fiocruz com a febre amarela, tendo sido feitos testes com diversas doses menores, desde a metade até 1/1000 da dose padrão. Como resultado, conclui-se que com até um décimo da dose padrão era possível produzir resposta imunológica.
“Não vamos ter agora, por causa da emergência sanitária, estudos com tantas dosagens diferentes. Vamos utilizar a dose 1 para 2 com base nesse estudo prévio já publicado pela AstraZeneca”, explicou o pesquisador da Fiocruz Olindo Assis Martins Filho.
No caso da Covid-19, os testes inclusive mostraram que a meia dose foi mais eficiente do que a dose padrão, provavelmente, acredita, devido ao tempo menor de intervalo entre as duas aplicações. “A quantidade mínima de antígeno, a proteína do vírus, necessária para estimular o sistema imunológico não aumenta com uma dose maior. O dobro da dose não provoca o dobro do efeito, por isso, a metade da dose também não produz metade do efeito.
Na população de Viana, serão avaliados também se uma dose pode ser um reforço de imunização para quem já teve Covid, se essa estratégia de imunização protege contra as novas cepas variantes do vírus, entre outros aspectos. Mas, caso a resposta imune dos voluntários de Viana não seja a mesma do estudo preliminar, os participantes receberão uma dose de reforço para terem seu esquema vacinal completo. E qualquer pessoa, mesmo depois de assinar o termo de consentimento, pode desistir do projeto a qualquer momento.
Cerca de 600 pessoas serão convidadas a uma coleta de sangue para os ensaios de imunogenicidade. As avalições serão feitas 28 dias após a primeira dose, 28 dias após segunda dose, além de três, seis e doze meses após a segunda dose. “A estimativa é de mais de 60% de redução de incidência de novos casos ao longo de seis meses 28 dias após a segunda dose, além da redução de internações hospitalares e internações em UTI”, ressaltou Valéria Valim.
Os benefícios dessa vacinação em massa em Viana, ressaltou, vão muito além dos individuais. “Ter uma grande quantidade de indivíduos vacinados ao mesmo tempo bloqueia a transmissão comunitária do vírus”, explicou.
O professor da Ufes José Geraldo Mill lembrou que não há ainda expectativa de vacinar crianças, portanto o rompimento da cadeia de transmissão em um município inteiro, protege também esse público. “Nos Estados Unidos, onde a vacinação está bem avançada, o maior número de casos já está aparecendo na população abaixo de 18 anos”, alertou.
A estimativa é de que entre os meses de outubro e novembro deste ano os pesquisadores já tenham conseguido medir os anticorpos produzidos após as duas aplicações de meia dose e, em dezembro, uma análise preliminar mais completa, considerando os demais previstos pelo estudo. Todos os resultados, no entanto, devem ser obtidos após um ano de estudo.
Também participaram da solenidade a vice-governadora do Espírito Santo, Jaqueline Moraes; o subsecretário de Estado de Vigilância em Saúde Luiz Carlos Reblin; o vice-presidente da Fiocruz Rodrigo Correa; o diretor do Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (Icepi), Fabiano Ribeiro dos Santos; o reitor da Ufes, Paulo Sérgio de Paula Vargas; e a superintendente do Hucam/Ufes), Rita Checon.