No dia 3, manifestantes caminharão até o Palácio Anchieta. “Só sairemos quando o governador nos receber”
Jardim da Penha, Aracruz, Serra…desde agosto de 2022, quando um ex-aluno de 18 anos foi preso em flagrante por tentativa de homicídio na Escola Éber Louzada, em Jardim da Penha, Vitória, uma onda de ameaças de ataques terroristas com inspiração nazifascista tem assolado as escolas capixabas da Capital e do interior do Estado.
O mais grave, em Coqueiral de Aracruz, em Aracruz, norte do Estado, completou quatro meses nesse sábado (25), quando um ato pacífico pelas ruas do balneário homenageou as quatro vítimas fatais de um adolescente de 16 anos, também ex-aluno, que usou a arma e o carro do pai, policial militar, para executar o crime.
Ao longo deste mês de março, várias escolas da Serra têm registrado episódios de medo e até pânico, motivados por mensagens nas redes sociais anunciando pretensos massacres. Na última sexta-feira (24), quatro escolas da região de Cidade Continental tiveram aulas encerradas mais cedo no período vespertino e, no período em que a escola funcionou, os poucos alunos que compareceram – quem soube das ameaças divulgadas no turno matutino não foram às aulas à tarde – não puderam ir para as áreas abertas, ficando trancados nas salas.
Nessa segunda-feira (27), viaturas da Polícia Militar ficaram por perto durante todo o tempo e o assunto comum, entre estudantes, professores e servidores, foi “o que fazer caso algum atirador ou esfaqueador resolva atacar?” Muitas famílias estão com medo de enviar os filhos para a escola, especialmente as mães de crianças e adolescentes com deficiência.
Caos instalado, nenhum diálogo estabelecido, poucas respostas e muita sensação de medo e de desamparo. Numa tentativa de unir as famílias e as organizações da sociedade civil para pressionar o governo do Estado a construir soluções em conjunto, o Coletivo Mães Eficiente Somos Nós capitaneia a organização do ato “Luto e Luta pela Educação”, a ser realizada na próxima segunda-feira (3).
Em suas redes sociais, o Coletivo afirma que, depois de participar do manifesto em Coqueiral no sábado e de acompanhar as ocorrências nas escolas da Serra, o assassinato de uma professora idosa nesta segunda-feira na capital paulista, por um aluno de 13 anos, foi o estopim para o chamamento pelo ato.
“Divulgam as ameaças e sempre é trazido pelo governo que são notícias falsas. Quem está seguro em frequentar o espaço escolar? Nossos filhos PCDs são pessoas indefesas, muitos destes têm rotina rígida e não entendem que não pode ir à escola porque a mesma está sendo ameaçada. Na Bahia uma adolescente com deficiência foi a primeira a ser assassinada num ataque que ocorreu na escola. Portanto não podemos vivenciar tanto terrorismo dentro das escolas e continuarmos nos mantendo em silêncio. A escola é o único lugar do mundo que podemos dividir com o estado o tempo de espaço de aprendizado, cuidado e segurança. Não podemos admitir que este espaço seja massacrado todos os dias e nós nos silenciarmos. Ninguém aguenta mais tanta violência, bulling, descaso e exclusão dentro das escolas”.
Construção coletiva
A concentração será às 15h30, em frente à Escola Gomes Cardin no Centro de Vitória, com caminhada até o Palácio Anchieta, exigindo uma audiência com o governador Renato Casagrande (PSB). Coordenadora-geral do MESN, Lucia Mara Martins afirma que “não vamos sair do Palácio enquanto o governado não nos receber”.
E olha que as mães do coletivo entendem de espera por uma reunião oficial. Em fevereiro de 2022, elas acamparam com seus filhos por cinco dias na varanda do Palácio até serem recebidas por Casagrande e seus secretários de Saúde e Educação, Nésio Fernandes e Vitor de Angelo. Desde então, reuniões periódicas têm ocorrido com as duas pastas e o próprio Casagrande, movimento que tem garantido a construção conjunta de políticas públicas importantes para as crianças e adolescentes com deficiência, mostrando que a participação social efetiva é o melhor caminho.
“A gente reconhece o respeito que o governador tem com o nosso coletivo, com a nossa pauta, a nossa luta, e a gente confia que na segunda-feira ele irá nos receber. Vamos criar uma comissão para conversar e só iremos sair de lá quando ele nos atender”.
Lucia afirma que o objetivo, novamente, é forçar o poder público a se abrir não só para o diálogo, mas para a construção conjunta de soluções. No caso do terrorismo nas escolas, ela enfatiza a necessidade também de informações objetivas sobre as investigações em curso. “O governo precisa dar respostas concretas para a sociedade sobre Aracruz e Jardim da Penha. Descobriram quem está por trás? O pai do menino foi criminalizado por ter ensinado o filho a atirar? Em Jardim da Penha, descobriram se ainda existem células nazistas? Quem está ameaçando as escolas na Serra?”, elenca.
“O governo só solta notas dizendo que é fake news. As famílias não querem saber se é fake news ou não. A gente quer saber que nossos filhos estarão seguros nas escolas. E para isso é preciso abrir o diálogo com quem está vivenciando o drama, as famílias, os movimentos sociais sérios de luta, os funcionários”.
Sobre o Comitê Integrado de Segurança Escolar no Estado, instituído na última semana pelo secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, Alexandre Ramalho, Lucia reforça o pedido. “Não pode ser só um grupo ‘entre eles’. As polícias e as secretarias precisam sim estar no grupo, a inteligência da polícia, mas nos também precisamos participar”, afirma, ecoando fala da professora Leilany Santos Moreira, integrante do Fórum Antifascista, que também reivindica participação da sociedade nas discussões, incluindo na audiência pública que a Assembleia Legislativa realiza nesta quarta-feira (29) em Coqueiral de Aracruz, sobre segurança nas escolas. “A gente não quer ser só público”, reivindicou.
Uma professora da Serra que não quis se identificar, com medo de represálias, diz que os trabalhadores observam uma movimentação muito ruim entre os alunos de várias escolas. “Na frente da minha escola tem o símbolo ‘PL 33’ e outros, siglas que a gente não sabe o que significam. Tem também símbolos nazistas desenhados nas paredes e nas mesas, pequenos desenhos e em lugares onde as câmeras de segurança não conseguem flagrar quem faz. Crianças e adolescente se organizam para brigarem fora da escola. Isso está acontecendo toda semana. Não sabe se é tráfico, quem está fazendo essas aliciações”, relata, lembrando ainda um “toque de recolher” feito na escola estadual de Chácara Parreiral, no início de março, e uma pichação “massacre 30/03” na escola municipal Irmã Cleuza, em Cidade Continental.
Psicanálise e programa de prevenção
Também no dia 3 de abril, a União dos Conselheiros Municipais de Educação (Uncme) anuncia apresentar uma proposta de ação sobre esse assunto dentro do XV Fórum da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
A proposta, explica a Uncme, já foi entregue ao governo federal e consiste, resumidamente, em “criar departamentos e setores que repensem estratégias e prevenção de ataques e massacres às escolas”.
Com formação em psicanálise, o presidente da Uncme, Júlio César Alves dos Santos, argumenta que “as crises existenciais e conflitos sociais se mesclam nos atos extremos, os quais levam os indivíduos a ‘extravasarem’, praticando tais atos, depois de que sua saúde mental manifesta indícios de distúrbios e descontroles psicológicos”.
Em seus estudos sobre o assunto nos últimos quatro anos, Júlio observa que a qualidade de vida e saúde mentais das pessoas tem sido marcada por cinco aspectos: “descontrole emocional; traumas não superados (quando não acumulados); sensações de descontemplação sociofamiliar; intensificação de ansiedades; e queda da autoestima e benquerência”, o que tem levado a um “declínio psicológico, implicando em estágio de profunda tristeza, pré-depressão, impulsionando algum canal de extravasamento”.
À Undime e à Sedu, a União dos Conselheiros Municipais irá encaminhar a proposta com o nome de Programa para Combate à Violência Contra a Mulher e Prevenção aos Ataques Escolares (Pró-Covimpaes). “Somente assim, haveremos de começar a responder aos ataques criminosos, motivados por simpatizantes e defensores das ideias nazifascistas, que cresceu vertiginosamente nos últimos 20 anos. Não contra-atacar esses massacres, as armas que passaram a circular deliberadamente no país, nos últimos anos, vitimizarão muito mais pessoas inocentes, já que é isso que vale para eles”.