Teleflagrante não pode substituir profissionais capacitados em atendimento presencial, afirma advogada
As poucas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) existentes no Espírito Santo não atendem às determinações da Lei Maria da Penha (LMP). A avaliação é da advogada e socióloga Layla Freitas, coordenadora do Núcleo Jurídico do programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo Fordan: cultura no enfrentamento às violências (Fordan/Ufes), com base na Lei nº 14.541, sancionada em abril de 2023 pelo presidente Lula, uma das muitas atualizações da Lei Maria da Penha.
“A lei prevê o funcionamento 24 horas por dia, incluindo domingos e feriados, para as delegacias da mulher em todo o país. Apesar da repercussão do governo, o projeto das salas foi pouco efetivado. De 18 delegacias, apenas cinco contam com essa adaptação no Espírito Santo”, informa.
O pior é que, mesmo nessas cinco, todas localizadas na Grande Vitória, o funcionamento não é presencial e especializado, como a lei exige. “É importante destacar que não apenas a criação de um espaço físico [a sala Maria], mas também de um ambiente e tratamento humanizado são fundamentais para que não aja a revitimização da mulher. Ter a sala Maria, mas não ter delegado e escrivão para atendimento presencial, nem assistente social e profissionais da psicologia, não resolve”, acrescenta.
O alerta da especialista faz um contraponto à defesa feita pelo Governo do Estado de que está implementando a Lei Maria da Penha. Em divulgação dos dados relativos ao número de assassinatos e feminicídios registrados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) no primeiro trimestre de 2024, o secretário Eugênio Ricas ressaltou. “Neste mês das mulheres, fizemos o lançamento das nossas salas Marias, que vão contribuir para humanizar e agilizar o atendimento dessas vítimas em nossas delegacias 24h da Grande Vitória. Antes, o deslocamento era grande para a unidade especializada que centralizava esses flagrantes em Vitória. Agora, a mulher poderá ser atendida em seu próprio município e sem nenhum tipo de contato com o agressor”, disse, sem mencionar, no entanto, o quanto o atendimento remoto do delegado e escrivão prejudica e revitimiza as mulheres que buscam atendimento.
A lei é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três melhores voltadas à proteção da mulher, destaca Layla Freitas. Porém, sua implementação está bem distante de ser feita a contento no Espírito Santo. “A Lei Maria da Penha foi atualizada mais de 30 vezes. É preciso identificar se os servidores necessários estão atuando nas delegacias e se estão capacitados e atualizados para esse trabalho”.
Um serviço novo que de fato tem funcionado bem, sublinha, é relacionado ao transporte oferecido à vítima após o atendimento ou em outro trajeto que ela precisar. “A destinação de viaturas para a condução dessas mulheres é um ponto de destaque positivo ao enfrentamento das violências de gênero”.
Subnotificação
Sobre os dados divulgados, indicando queda nas mortes de mulheres, Layla Freitas alerta também sobre a possibilidade de subnotificação. Segundo a Sesp, “foram 21 assassinatos de mulheres em 2024, sendo que deste total, oito foram causados pelo crime de gênero. No ano passado, o primeiro trimestre registrou 25 mortes de mulheres, sendo dez feminicídios. A redução chega a 16% no total”.
A advogada pede atenção. “Temos a figura da subnotificação, fato comum, que pode influenciar nos números apresentados”, afirma, com base em situações conhecidas do Fordan/Ufes, como relatado em janeiro pela coordenadora do programa, Rosely Pires, em relação a um feminicídio não registrado em Cariacica, em 2023.
Há subnotificação também, em outros crimes contra mulher, que não chegam ao assassinato ou feminicídio, realidade que decorre de algumas práticas ainda prevalentes, como a interpretação errada da Lei Maria da Penha pelos agentes de segurança pública e também do “ambiente machista das delegacias especializadas”, afirma. “É comum mulheres relatarem atendimentos onde os servidores tentam fazê-las desistir de fazer a denúncia. Também é muito comum que, mesmo quando elas conseguem não desistem, o escrivão ou delegado insiste em questionar a veracidade do fato narrado por elas”.
O desafio de vencer o machismo e o racismo no Judiciário
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