Fabrício dos Santos Almeida, 18 anos, tinha um sonho: comprar uma casa para tirar a mãe do aluguel, relata Sandra, sua mãe, por meio de um desabafo postado nas redes sociais de algumas pessoas da comunidade da Piedade, em Vitória. O sonho foi interrompido por balas de revólver atiradas a esmo, ninguém sabe por quem, na noite dessa quinta-feira (11). O assassinato é o nono que acontece em dois anos na região, recorda o integrante do Instituto Raízes da Piedade, Jocelino Júnior.
Ele afirma que o jovem era considerado um rapaz muito estudioso pelos moradores do Morro da Piedade e que o sentimento das pessoas é de tristeza e apreensão. “Tem gente que quer sair do morro, ir embora, está com medo. Nos últimos dois anos aconteceram várias ações que traumatizam as crianças, traumatizam as pessoas. Os moradores não conseguem ter paz”, lamenta. Fabrício foi assassinado enquanto conversava no quintal de uma casa com dois amigos, que também foram baleados, mas estão bem.
Jocelino destaca que dos nove assassinatos ocorridos na região, oito estão sendo investigados e que somente os de Juan e Damião, mortos em março de 2018, têm previsão de júri popular. Ele alerta que o extermínio de jovens, principalmente os negros, tem sido uma constante não somente na Piedade, mas também em outros morros de Vitória, como Romão, Cruzamento e São Benedito.
Sempre que acontecem casos de violência no morro, aponta Jocelino, o poder público afirma que vai aumentar a abordagem policial. Entretanto, ele acredita que para enfrentar essa realidade não basta investimento em segurança pública. “Precisamos de investimento em política social. Enquanto o poder público não compreender a necessidade de articulação entre política social e segurança pública, continuaremos sendo vítimas de violência”, relata.
Em nota divulgada nas redes sociais, o Raízes da Piedade afirma que tem denunciado o processo de extermínio da população do morro. O grupo recorda que em primeiro de maio deste ano o secretário estadual de Segurança Pública e Defesa Social, coronel Alexandre Ramalho; e o comandante da Polícia Militar, Douglas Caus, estiveram na Piedade e declararam que a comunidade receberia maior proteção do Estado.
Entretanto, diante do acontecido na noite dessa quinta, o Raízes da Piedade pontua que não houve nenhuma ação da polícia, que, inclusive, ocupa uma base na parte baixa da comunidade. “Reafirmamos nosso posicionamento e compromisso com a cultura popular, de reconhecer os morros do Centro de Vitória como território do samba capixaba, através de ações que promovam a autoestima, a sociabilidade e a cultura de paz, reafirmando as identidades afro-brasileiras que permeiam esta região”, diz a nota.
O Instituto também se solidarizou com as famílias e amigos dos jovens. “Colocamo-nos à disposição para apoio à comunidade na superação destes processos violentos, cobrando do poder público a efetividade de suas intervenções no território dos morros do Centro, uma comunidade em que cerca de 70% dos moradores são negros com idade entre 0 e 29 anos, necessitando ter seus direitos e garantias fundamentais constitucionais garantidas”.
Casos de violência
Entre as mortes ocorridas nos últimos dois anos, estão as dos irmãos Ruan Reis, de 19 anos, e Damião Marcos Reis, de 22, mortos em 25 de março de 2018. Encapuzados, quatro homens deram 22 tiros em Ruan e 20 em Damião, entretanto, foram encontradas 60 cápsulas no local do assassinato. Cerca de três meses, outro assassinato: Walace de Jesus Santana foi morto a tiros.
Em junho de 2019, moradores chegaram a deixar o morro depois que 20 homens invadiram o local e incendiaram duas casas. Em fevereiro deste ano, dezenas de tiros foram escutados no local, mas não houve mortos nem feridos. Como aponta Jocelino, outras comunidades também têm vivido momentos de tensão por causa da violência.
Em maio último, moradores do Romão e do Morro do Cruzamento se viram em meio a um tiroteio que vitimou um homem e uma mulher. Cerca de um mês antes, no Romão, o jovem Ronilson Damassena Pinto, de 22 anos, foi assassinado a tiros e com golpe de faca. No Território Bem, em meio à busca por um traficante, a Polícia Militar (PM), segundo moradores, chegou ao local atirando a esmo, destruindo bens materiais e ofendendo verbalmente as pessoas.