Portaria que estabelece o uso das câmeras é publicada no Diário Oficial
A gestão do Governador Renato Casagrande (PSB) publicou no Diário Oficial desta terça-feira (18), a Portaria nº 003-R, que “estabelece diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pelos órgãos de Segurança Pública vinculados à Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social – Sesp”. A iniciativa, embora seja uma reivindicação da sociedade civil, é apontada como “uma política a conta-gotas” pelo militante do Movimento Nacional de Direitos humanos no Espírito Santo (MNDH/ES), Gilmar Ferreira.
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A Portaria estabelece o uso de câmeras por parte da Polícia Militar (PM), Polícia Civil (PC), Corpo de Bombeiro Militar (CBM) e Polícia Científica (PCIES), com base nos princípios da “legalidade, precaução, necessidade, transparência, eficiência”.
Gilmar faz críticas ao fato de que não haverá câmeras para todo o efetivo, já que na portaria consta que “caso o número de equipamentos disponíveis não atenda à totalidade dos profissionais em serviço, os órgãos de segurança pública vinculados à Sesp deverão estabelecer uma ordem de prioridade de uso, levando em consideração os locais com maior risco de resistência à atuação policial e consequente necessidade de uso da força”.
A portaria aponta, ainda, que “os órgãos de segurança pública vinculados à Sesp poderão, em suas próprias regulamentações, esclarecer a situações de uso obrigatório das câmeras corporais previstas nesse artigo e estabelecer outras situações também obrigatórias não especificadas”. Consta também que “as situações previstas nesse artigo não impedem que o profissional de segurança pública responsável avalie a necessidade de gravação em outras hipóteses de interesse para registro policial”.
No artigo 7º, diz que “as atividades de investigação que possam ter sua eficiência prejudicada pelo uso de câmeras corporais serão objeto de regulamentação específica pelos órgãos de segurança pública com competência investigativa”.
“É uma política que está sendo implementada por causa da pressão social diante dos exageros nas abordagens policiais. Mas como está posto na portaria, é uma política a conta-gotas que, dessa forma, não irá impactar de fato na vida da população, que não irá efetivamente alterar a realidade da segurança pública e reduzir o exagero das forças de segurança pública”, avalia o ativista.
Para Gilmar, quando colocadas em prática, as políticas de segurança pública no Espírito Santo, no geral, são implementadas “a conta-gotas”, não sendo isso exclusividade da instalação das câmeras nas fardas. Outro exemplo dado por ele é a criação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação à Tortura no Estado (Mepet-ES). Nesse caso, a reivindicação era que o Mecanismo atuasse com seis peritos, mas foram destinados somente três.
Conforme consta na portaria, a instalação das câmeras busca garantir os direitos humanos fundamentais; promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana; proteção, valorização e reconhecimento dos profissionais de segurança pública; uso diferenciado da força, observados os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e moderação; respeito à privacidade e integridade pessoal dos profissionais de segurança pública e da população em geral; articulação intragerências; transparência, responsabilidade e prestação de contas; e simplicidade, economia procedimental e celeridade na execução dos serviços.
Os objetivos principais apontados são registrar ações e ocorrências policiais relevantes, resguardando a cadeia de custódia dos registros audiovisuais; qualificar a produção de provas materiais, fortalecendo o sistema de justiça criminal e diminuindo a impunidade; aumentar a transparência nas ações policiais; ampliar o conhecimento social sobre as dificuldades do trabalho desempenhado pelos profissionais de segurança pública, como instrumento de valorização e maior reconhecimento; evitar ou minimizar danos à imagem institucional dos órgãos de segurança pública, mediante a difusão de respostas céleres sobre a atuação do seu efetivo; e desestimular a resistência das pessoas em conflito com a lei à ação legítima dos profissionais de segurança pública.
Aponta, ainda, incrementar a proteção dos direitos e garantias dos profissionais de segurança pública e dos cidadãos; incrementar o treinamento e aperfeiçoamento técnico dos profissionais de segurança pública mediante estudos de casos com utilização de registros audiovisuais de ações ou operações policiais; sedimentar o uso diferenciado da força, com vistas a promover uma maior eficiência, transparência e valorização das atividades dos profissionais de segurança pública.
Comitê
O Governo do Estado publicou, no último dia 12, no Diário Oficial, a Portaria Conjunta nº 0345-S, que constitui o Comitê Estadual de Monitoramento do Uso da Força no âmbito da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) e da Secretaria de Estado de Justiça (Sejus). A iniciativa também foi criticada por Gilmar, que a avaliou como incapaz de alterar a política de segurança pública no Espírito Santo.
O Comitê, segundo a portaria, terá como uma de suas atribuições a produção de relatórios com análises e orientações sobre temas relacionados ao Decreto nº 12.341, de 23 de dezembro de 2024, que disciplina o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública.
As demais atribuições são o acompanhamento da implementação dos Planos Nacional e Estadual de Segurança Pública em relação à redução da letalidade policial e da vitimização de profissionais de segurança pública; proposição de indicadores de monitoramento e avaliação do uso da força; estímulo à produção e à difusão de conhecimentos técnico-científicos relacionados ao uso da força; elaboração de orientações para programas e ações relacionados ao uso da força; e articulação com Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força (CNMUDF) e com entidades e membros da sociedade civil, para promover o intercâmbio de informações e experiências e a redução da letalidade policial e da vitimização de profissionais de segurança pública.
Gilmar fez críticas à falta de participação da sociedade civil. “Ela pode ser chamada, mas não pode votar. Pode falar se for convidada. É um comitê criado para, de certa forma, dar uma resposta diante das violências praticadas pelos agentes públicos, mas não aponta as soluções que já indicamos”, avaliou.
Entre essas soluções, recordou, está a instalação das câmeras não somente nos uniformes da PM, mas também nos presídios. Outra solução, que, de acordo com Gilmar, já foi apontada pela sociedade civil, é a criação de uma ouvidoria independente, com autonomia e ouvidor eleito. “Uma ouvidoria que seja instrumento efetivo, confiável para a sociedade levar as denúncias de violência por parte dos agentes públicos”, defendeu.
Gilmar destacou, ainda, a necessidade de se ter a garantia de que, efetivamente, a Perícia Criminal atuará nos casos de morte oriunda de ação policial e de que a Polícia não vai retirar o corpo do local para levar ao Departamento Médico Legal (DML). “Vai ser igual ao Estado Presente, um espaço no qual a sociedade civil não pode propor, não elabora a pauta. O Comitê não altera a política de segurança pública no Espírito Santo, que não é voltada para a promoção e garantia da vida e dos direitos humanos. O que tem é um projeto de poder autoritário marcado por uso desproporcional da força, aprimoramento da violência institucional e violação dos direitos humanos”, avaliou.
Composição
O Comitê será constituído por representantes da Sesp, da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES), da Polícia Civil (PCES), Polícia Científica (PCIES), Polícia Penal (PPES), Corpo de Bombeiros (CBMES) e representantes voluntários da sociedade civil ou órgãos de controle indicados Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES), Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), Defensoria Pública do Estado (DPES) e Ministério Público do Estado (MPES).
“Além dos membros natos mencionados nesse artigo, poderão ser convidados pelo presidente para participar das reuniões ordinárias ou extraordinárias e auxiliar nos trabalhos, sem direito a voto, representantes de outros órgãos ou entidades públicas, privadas e da sociedade civil, que, por seus conhecimentos e experiência, possam contribuir para a discussão ou a apresentação de propostas ou de orientações”, aponta a portaria.
Violência Policial
Um caso recente de violência policial, que ganhou bastante repercussão no Espírito Santo, é o do vistoriador de veículos Danilo Lipaus Matos, de 20 anos, morto com cinco tiros no peito durante uma abordagem policial no dia 31 de janeiro, em Colatina, no noroeste. Ao todo, foram disparados 44 tiros, sendo 15 efetuados pelo sargento Renan Pessimílio, mais 15 pelo soldado Eduardo Nardi Ferrari, 12 pelo cabo Rodrigo de Jesus Oliveira, e dois pelo soldado Ramon Lucas Rodrigues Souza.
“O caso de Colatina é um bom exemplo para dizer que a câmera pode prevenir o uso desproporcional da força policial. Somente a certeza de que não há monitoramento e transparência na ação da força pública leva alguém a disparar 44 tiros contra uma pessoa sozinha num carro, desarmada, sem dívida com a polícia, aparentemente uma pessoa da comunidade, que todo mundo conhecia. Então, é um exemplo claro que não é possível permitir que essa política, que é pública, paga com recursos públicos, não tenha mecanismos de monitoramento e fiscalização”, ressalta Gilmar.
Em Cachoeiro de Itapemirim, no sul, também houve recentemente um caso de agressão policial. Um vídeo enviado para Século Diário nessa segunda-feira (10), mostra um PM dando chutes em um homem rendido e algemado. Segundo a denúncia, o caso teria ocorrido nesse domingo (9), por volta das 12h, na parte de trás da Praça de Fátima, no Centro.
As imagens, capturadas de cima, mostram policiais retirando um homem, sem camisa, de um local em que, aparentemente, ele estava rendido. Um dos agentes segura o homem pelas costas, e outros três caminham atrás dele. No meio do caminho, o policial que carrega o homem detido começa a dar chutes na parte inferior das pernas dele, e o joga contra um muro, quando também dá joelhadas nas nádegas do detido. Outro policial ajuda a segurá-lo contra a estrutura de concreto nesse momento.
Depois, o homem é levado para um camburão, quando o mesmo policial que o carregava inicialmente lhe dá outros chutes. Em seguida, os policiais ficam analisando uma moto estacionada, que seria do homem preso. Não é possível identificar quem são as pessoas envolvidas e o contexto da abordagem, e o governo, questionado, não informou sobre a ocorrência.
Em setembro do ano passado, oito mortes foram registradas em ações policiais na Capital, três delas no Território do Bem. As primeiras vítimas foram Breno Passos Pereira da Silva, de 23 anos, e Matheus Custódio Batista Quadra, de 26, alvejados em São Benedito no dia 9. Breno, de acordo com moradores do bairro São Benedito, foi assassinado em um beco, quando a polícia chegou atirando. Matheus foi alvejado cerca de 30 minutos depois, quando, ao fugir da polícia, entrou na casa de uma moradora. Os policiais, então, adentraram a residência, o algemaram e disparam contra ele.
A última morte foi de Davi, de 16 anos, conhecido na comunidade como Dan, que levou um tiro na cabeça ao sair de casa para comprar refrigerante. Moradores afirmaram que não houve confronto com a corporação. Os relatos são de que, por volta das 17h, as viaturas rondavam a parte de baixo do bairro Bonfim. Depois subiram a Escadaria do Trabalhador, foram para o Bairro da Penha e São Benedito. Alguns policiais se esconderam na mata. Ao ver as viaturas, um grupo de jovens correu. Davi, que tinha saído para comprar refrigerante, acabou correndo também. Foi quando os policiais que estavam na mata dispararam vários tiros em direção aos rapazes, acertando a cabeça de Davi.
Pessoas da comunidade, então, foram até o local, onde, afirmam, avistaram policiais com o pé na cabeça do rapaz. Elas relataram que pediram para enviar Davi para o hospital, mas os PMs ameaçaram atirar contra os moradores que estavam ali. “Quando pegaram o corpo e desceram com ele na escadaria, a cabeça batia nos degraus. Uma parte do cérebro do menino caiu. Jogaram no camburão como se fosse um lixo”, denunciaram. O ocorrido motivou manifestações nas comunidades de Consolação, Gurigica e Bairro da Penha.