O govenador Renato Casagrande lançou, nesta segunda-feira (9), o projeto piloto da nova tecnologia de reconhecimento facial instalada em câmeras de videomonitoramento. As câmeras, que fazem parte do Programa Estado Presente em Defesa da Vida, estão instaladas nos ônibus do sistema Transcol e nos equipamentos do Cerco Integrado e Inteligente em todo o Estado, em locais considerados estratégicos. A tecnologia já havia sido implementada em 2022 nas cidades de Vitória e Serra, gerando polêmicas diante dos possíveis riscos na operação.
A tecnologia anunciada nesta segunda-feira vai utilizar, como parâmetro de comparação, os bancos de dados das bases de desaparecidos e de procurados, do Sistema Integrado de Inteligência da Segurança Pública (Sispes), da Secretaria da Justiça (Sejus), que administra o sistema prisional, além da base do Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran).
O gestor afirma que a leitura facial “ajudará a identificar pessoas de interesse da área da segurança pública”, entre elas, as desaparecidas, que totalizam 6 mil no Espírito Santo. “Se uma pessoa desaparecida passar pela câmera, o sistema vai ser alertado”, diz. O governador também destacou que a nova tecnologia pode identificar pessoas com mandado de prisão em aberto, que são 3,8 mil no Estado. “Tem protocolo total, sigilo, capacidade para ser mais um instrumento para combater o crime e identificar pessoas no Espírito Santo”, acrescentou Casagrande.
O governador relata que se uma pessoa com mandado de prisão em aberto entrar em um ônibus do Transcol, será expedida uma notificação na mesma hora para que as forças policiais a prenda. Caso a pessoa cometa um crime e ainda não esteja na lista de procurados, será possível localizá-la por meio de banco de dados civil.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) vai instituir um grupo de gestão do projeto piloto para elaborar todas as normas e protocolos de uso da ferramenta pelas forças de segurança, com objetivo de dar governança à tecnologia. Todas as informações coletadas serão mantidas em um banco de dados seguro e com total respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O Cerco Integrado e Inteligente foi lançado em 2022 e consiste no monitoramento veicular com uso da inteligência artificial realizada pelo Detran e diversas secretarias e órgãos do Governo do Estado, além de secretarias municipais, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A plataforma de monitoramento dispõe de 290 pontos de coleta, com 1,1 mil câmeras e 90 balanças, distribuídos em todo território capixaba, tendo como objetivo o cerco aos municípios e rodovias. Os pontos de coleta estão instalados no entorno dos municípios, proporcionando um “cercamento” das vias de entrada e saída das cidades.
Violações
A utilização de câmeras para reconhecimento facial é contestada por entidades de direitos humanos e especialistas. O coordenador adjunto do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC), no Rio de Janeiro, Pablo Nunes, em entrevista concedida a Século Diário na época da implantação da tecnologia em Vitória, destacou vieses raciais e encarceramento em massa. Segundo ele, quando se trata do uso do reconhecimento facial em vias públicas, alguns fatores são preocupantes. Um deles é a própria natureza desse tipo de tecnologia, que pode ser causadora de erros e violações.
“Esses algoritmos fazem com que a taxa de acerto para pessoas negras seja muito menor do que em relação a pessoas brancas. E quando a gente coloca câmeras procurando pessoas com mandado de prisão em aberto, isso se reflete em pessoas negras sendo abordadas, detidas, e muitas vezes levadas à prisão, sem que essa pessoa seja a procurada. Isso aconteceu no Rio de Janeiro e em outros estados também”, explicou Pablo na ocasião da instalação das câmeras em Vitória.
O pesquisador afirmou também que, no Brasil, há, ainda, um descompasso em relação às boas práticas internacionais, principalmente quando se trata da publicização do uso do sistema nas cidades. “As pessoas precisam saber que elas estão sendo monitoradas e o que está sendo feito com esses dados, quem tem acesso a eles e por quanto tempo. E essa é uma preocupação que não passa pelos projetos que temos acompanhado no Brasil (…) O que a gente tem visto é que o sistema de reconhecimento facial traz riscos de diversas formas, de várias frentes, e que a sua adoção tem sido feita a despeito dessas problemáticas”, apontou.
As vereadoras Karla Coser (PT) e Camila Valadão (Psol), esta última hoje deputada estadual, apresentaram, na ocasião, em 2022, um requerimento com pedido de informação sobre a implementação do sistema. Além de também apontarem os riscos de possíveis violações, elas questionaram pontos específicos, como a efetividade do projeto, as formas de gerenciamento das informações, a modalidade de licitação utilizada para contratação, bem como o fluxo de captura, armazenamento e utilização das imagens.
Na Serra, a Defensoria Pública Estadual do Espírito Santo (DPES), por meio do Núcleo de Direitos Humanos, orientou ao município que não implementasse o sistema, diante das possibilidades de violação de direitos humanos. A DPES também chegou a mover uma ação civil pública pedindo a suspensão da tecnologia em Vitória. “O uso da tecnologia de reconhecimento facial no monitoramento urbano está cercado de polêmicas. Na Europa e em algumas cidades dos Estados Unidos, por exemplo, a tecnologia foi banida por ser considerada intrusiva e não democrática”, assinalou a instituição de Justiça na orientação dada à Prefeitura da Serra.