O que seria uma noite de diversão terminou em agressão para três casais que foram a um show na Matrix Music Hall, no bairro Rio Branco, em Cariacica, na noite dessa sexta-feira (22). Eles relatam que, ao descer dos carros, um dos rapazes foi abordado por policiais militares, que começaram a revistá-lo, mas sem nem ao menos dizer o motivo. “Já iniciaram com agressão verbal, chamaram de vagabundo, disseram ‘filho da puta’, coloca a mão na cabeça”, dizem os agredidos, que não quiseram se identificar por medo de represálias.
Eles relatam que, logo em seguida, um outro rapaz também foi revistado. Ao chamá-lo para a revista, um policial teria dito “vem, negão ‘filho da puta! Coloca a mão na cabeça”, e chutado suas pernas. A reação do rapaz, afirmam, foi dizer “não precisa disso, nós somos trabalhadores”, obtendo como resposta um “cala a boca”, um aperto no pescoço e um soco no estômago, o que motivou sua esposa a filmar a agressão com o celular.
As vítimas contam que, ao perceber que estavam sendo filmados, os policiais teriam pedido para ela parar, dizendo “vai pra lá, piranha! Vai pra lá, vagabunda!”, além de ameaçar dar um soco. Em seguida, um dos policiais não somente jogou spray de pimenta como também bateu nela com o próprio spray. As vítimas recordam ainda que outro rapaz, que também filmava a agressão, saiu em defesa da moça questionando “vai esculachar com a menina? Vai bater em mulher?”.
O questionamento fez com que um dos policiais fosse na direção dele, que correu, fazendo com que o policial desse um tiro em sua direção, que não o acertou. A esposa do rapaz que fugiu também estava filmando a abordagem e correu da polícia após ter recebido ordem para que apagasse as filmagens. Eles relatam que, depois disso, os PMs teriam se dirigido ao primeiro rapaz abordado naquela noite e questionado “quem era a piranha loura de óculos?”, referindo-se à moça que havia fugido com as filmagens.
A mando dos policiais, o rapaz foi procurar o casal que havia fugido para recuperar as imagens, mas não os encontrou. “Ele retornou com muito medo de que fizessem algo e, para tentar evitar isso, disse que havia câmeras na rua, e apontou para uma câmera em uma casa. Aí ameaçaram a gente dizendo que se usássemos as filmagens para alguma coisa iriam nos pegar até mesmo dentro de nossas casas”, afirmam, destacando que agora o medo se tornou algo que faz parte de seus cotidianos.
“Em vez de ter medo de bandido, a gente tem que ter medo da polícia? Estamos assustados, amedrontados. Tiraram inclusive foto nossa e das placas dos carros”, diz uma das vítimas.
‘É uma questão de estereótipo’
O advogado dos três casais, Adiellyson Santana, afirma não ter dúvidas de que o ocorrido “é uma questão de estereótipo”. “Era um show de funk. É um local, um evento, que no senso comum é visto como algo errado, e tratam as pessoas que frequentam como bandidos”, ressalta. Ele aponta que trata-se, inclusive, de preconceito de classe social, uma vez que as pessoas abordadas não têm poder aquisitivo. “Se fosse um baile funk no Triângulo [Praia do Canto, Vitória], não teria acontecido isso”, denuncia.
Adiellyson informa que será feita uma representação na Corregedoria da PM reivindicando que o governador Renato Casagrande (PSB); o secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre Ramalho; e o comandante geral da PM, Coronel Douglas Caus, se manifestem. Também será ajuizada uma ação cível por dano moral, além de uma representação na esfera criminal por abuso de autoridade e agressão.
Casos recentes
Stel afirma que o cachorro começou a latir, o que fez com que seu padrasto fosse até o quintal, onde se deparou com vários policiais que chegaram em três viaturas, sendo duas de missão especial. “Meu padrasto e meus vizinhos contaram que eles me procuraram pelo meu nome social, pelo ‘Stel cabeludinho fotógrafo”, diz o produtor cultural, cujo nome de registro é Huedson Miranda.
Ao serem questionados por seu padrasto sobre como entraram, os policiais disseram que o portão estava aberto. “Isso a gente sabe que é uma impossibilidade”, destaca Stel. A primeira casa onde a PM entrou foi a de sua mãe, depois a dele, que mora em cima. Apesar de ter averiguado tudo e ver que não mexeram em nada, Stel afirma ter medo “de terem plantado algo”. Ele acredita que o ocorrido é uma perseguição pelo fato de ser ativista cultural, uma vez que “a classe artística e os fazedores de cultura têm sofrido muitas perseguições”.
Números
No que diz respeito à Polícia Civil (PC), os números referentes às mortes decorrentes de intervenções dessa corporação em serviço no ano de 2019, segundo o Anuário, não foram disponibilizados. Em 2020, aponta o documento, ocorreu uma morte. Já o óbito decorrente de intervenções da PC fora de serviço é considerado pela pesquisa um fenômeno inexistente no Espírito Santo no ano retrasado. Em 2020, houve uma morte que se enquadra nesse quesito