A Comissão de Inspeção das Unidades Prisionais do Espírito Santo, criada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), deu início às suas atividades. A primeira reunião, nessa segunda-feira (21), teve como objetivo fazer com que os integrantes, que são representantes de entidades da sociedade civil, pudessem se conhecer. Além disso, cumpriu a função de alinhar o entendimento sobre a iniciativa e seu papel.
A comissão foi criada para elaborar agenda de inspeções nas unidades prisionais e socioeducativas; monitorar denúncias recebidas pelos conselhos, comitês e entidades que compõem o grupo; encaminhar aos órgãos responsáveis pedidos de providências sobre as situações encontradas; e gerar relatórios sobre o sistema estadual.
As entidades que a integram são o Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo (Cepet-ES), Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado do Espírito Santo (Consea), Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH-ES), Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Criad), Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Estado do Espírito Santo (Cedimes) e Pastoral Carcerária.
A presidente do CEDH, Galdene dos Santos, informa que a ideia é convidar alguma entidade de representação da comunidade LGBTQIA+ para compor a comissão, uma vez que há uma unidade prisional voltada para esse grupo e os casos de LGBTfobia nos presídios são constantes. Será feito um calendário de visita mensal às unidades, realizada pelas entidades, mas o CEDH continuará atendendo as demandas emergenciais.
De acordo com Galdene, será importante as entidades realizarem as inspeções, fazendo com que o CEDH possa ter mais disponibilidade para se dedicar a outras áreas, para além dos sistemas prisional e socioeducativo, que aglutinam maior parte das denúncias de violação de direitos humanos. Há possibilidade de as inspeções começarem em dezembro, por se tratar de um “momento melindroso” no sistema prisional, pois o foco das pessoas está nas festividades, fazendo com que os casos de violação de direitos humanos contra detentos e socioeducandos passem mais despercebidos.
Galdene explica que o conselho já conta com a Comissão de Promoção, que atua na realização de palestras e outras atividades; a Comissão de Defesa, que recebe denúncias referentes às violações de direitos humanos; e a Comissão de Proteção, que lida com as pessoas ameaçadas de morte. Além das entidades da sociedade civil, a nova comissão contará com a de Defesa em suas atividades.
A Comissão de Inspeção, recorda Galdene, já havia sido criada em 2015, quando o ativista Lula Rocha, que morreu no ano passado, presidia o CEDH, mas foi extinta. Sua rearticulação considera o dado de que 90% das denúncias de violação de direitos humanos recebidas pelo Conselho são relacionadas ao sistema prisional.
Os integrantes da Comissão farão pré-relatórios a cada três meses sobre as situações encontradas nos presídios e unidades socioeducativas, para, cerca de um ano após a atuação, elaborarem um relatório final, que servirá de base para as ações do próximo mandato do conselho, além de ser encaminhado para o Governo do Estado e o sistema de justiça.
Denúncias e mortes
A má qualidade da alimentação e as práticas de tortura e à revista vexatória são, atualmente, as principais denúncias reportadas ao CEDH. Mortes violentas dentro do sistema prisional também são constantes.
Em maio deste ano, a família de uma mulher transgênero, cujo nome social era Aline, morta por espancamento no Presídio Estadual de Vila Velha (PEVV II), em maio de 2020, chegou a ganhar na Justiça o direito a uma indenização por parte do Governo do Estado. A decisão foi do juiz Fernando Antonio Lira Rangel, da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória.
O magistrado estabeleceu uma indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil e o valor de 2/3 de R$ 1.175,00 para a genitora até a data em que a vítima completaria 25 anos e de 1/3 desse mesmo montante até a data em que completaria 76 anos ou até a morte da beneficiária. Em sua decisão, o juiz destacou que, na época do assassinato, o estabelecimento penal contava com 1,4 mil apenados, mas sua estrutura era projetada para 672, “fator prejudicial à vigilância e ao tratamento penal adequado”.
Em fevereiro, um ofício enviado pela Frente pelo Desencarceramento do Espírito Santo a entidades da sociedade civil apontou irregularidades das empresas contratadas pelo Governo do Estado para fornecer alimentos, enquanto um relatório da seção capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) mostrou que os problemas relatados por internos podem ser explicados pelo baixo custo das refeições: aproximadamente R$ 18 por dia para cada detento.
Uma das denúncias da Frente Desencarcera-ES se referiu à empresa Alimentares Refeições, uma das terceirizadas contratadas pelo Governo do Estado para servir a alimentação aos internos. Em 2018, a empresa foi investigada pela Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), que identificou estoques de alimentos vencidos e prestes a vencer, além de carnes impróprias para consumo. Mesmo com as denúncias, a empresa não só permaneceu oferecendo os serviços, como aumentou o número de contratos com o Estado.