Defensora pública Fernanda Prugner projeta ampliar a “Educação em Direitos” no Estado
“É necessário romper as barreiras e falar de violência contra meninas e mulheres nas escolas”. A afirmação é da defensora pública Fernanda Prugner, coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres e do Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública Estadual do Espírito Santo (DPES), ao responder sobre como as escolas da Educação Básica podem se tornar efetivamente pontos da rede de apoio de mulheres, adolescentes e crianças vítimas de violência de gênero.
“É preciso preparar também os educadores para acolher, escutar as vítimas e encaminhar eventuais denúncias. Criar e/ou adaptar pequenos espaços, tranquilos, acolhedores, não estereotipados, para escuta ativa dessas meninas e mulheres e pensar também em canais virtuais nas escolas para recebimento de relatos de violências”, complementa.
Essas percepções advêm de uma longa caminhada atuando nessa temática e têm sido amadurecidas no projeto Defensoria Delas nas Escolas, que prevê ações educativas dentro de unidades de ensino voltadas a estudantes do Ensino Médio. Isso acontece por meio de diálogos e dinâmicas interativas, utilizando, por exemplo, músicas de conteúdo violento ou misógino, que auxiliam na identificação de violências e na diferenciação entre atitudes de cuidado e de violência.
Na base do projeto está o objetivo de mostrar para as/os adolescentes que determinados comportamentos, muitas vezes normalizados, são comportamentos violentos. Assim, conseguem identifica-los no dia a dia, uma vez que muitas violências não são apenas físicas, e que a violência doméstica não é produzida somente por companheiros e ex-companheiros, mas também por parentes próximos, como pais, tios etc.
“Procuramos mostrar o que são relações abusivas, como o machismo é estruturado na sociedade e, mais do que isso, apresentar as ferramentas para que essas meninas e seus familiares possam romper o ciclo de violência imposto pelos agressores”, afirma Fernanda Prugner.
Durante uma atividade do projeto realizada em uma escola estadual localizada em Terra Vermelha, Vila Velha – junto com a também defensora pública do Nudem Laís Pereira Lima Ribeiro -, a reação de algumas estudantes chamou atenção. “Uma adolescente prestava muita atenção durante toda nossa fala e, em determinados momentos, enchia os olhos de lágrimas. Encerrado o diálogo com as/os estudantes, ela se aproximou dizendo que se viu em muitos momentos da apresentação, que estava em um relacionamento abusivo e que até então achava que aquilo era normal. Outra adolescente narrou a situação de violência física ocorrida com sua mãe em casa”, relata a coordenadora.
Da parte dos meninos, ela destaca a constatação de que há, “infelizmente, uma normalização da violência nas falas dos adolescentes, na objetificação do corpo da mulher, na não aceitação do ‘não’ dito pela menina, na resistência ao uso de preservativo e em vários outros comportamentos que devem ser urgentemente desconstruídos”, pontua.
Desconstrução que consta em dispositivos legais, como a Lei Maria da Penha e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em diálogo com as finalidades estatutárias da Defensoria Pública. “A educação em direitos é uma das funções primordiais da Defensoria Pública e consiste na promoção, difusão e conscientização dos direitos humanos, sendo a violência doméstica e familiar considerada uma das principais violações de direitos humanos de meninas e mulheres”, ressalta Fernanda Prugner.
Na Lei Maria da Penha, destaca, há prerrogativas relativas à “necessidade de realização de campanhas educativas de prevenção à violência doméstica contra meninas e mulheres voltadas ao público escolar” e, na LDB, a Lei nº 14.164/2021, que a alterou, instituindo a necessidade de que as escolas incluam, nos currículos da Educação Básica, a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher e conteúdos relativos ao tema.
A partir do piloto do projeto, realizado em Terra Vermelha, as defensoras constataram que o êxito da educação em direitos depende de fato de que o conteúdo seja levado para os adolescentes por meio de um diálogo mais horizontal e adaptado para essa realidade. “Fazer esse diálogo no território deles, com uma linguagem e dinâmicas apropriadas para esse público, permitindo assim uma identidade, aproximação e interesse das/os estudantes com a temática: identificação dos tipos de violência existentes, o que fazer nos casos de violência, assédio, machismo etc.”, descreve.
Fluxos de encaminhamentos
Uma experiência complementar vivenciada pelo Nudem ocorreu junto à Educação de Jovens e Adultos (EJA), em que o Nudem/DPES realizou, de junho a novembro passado, o curso “Formação de Redes de Apoio para acolhimento de mulheres em situação de violências e encaminhamentos das denúncias”, em parceria com o programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo Fordan: cultura no enfrentamento às violências, (Fordan/UFES) e a Gerência de EJA da Secretaria de Estado da Educação (GEEJA/Sedu), voltado a professores e servidores da EJA na Grande Vitória.
Mesmo se tratando de um público de educadores que trabalham com estudantes adultos, há muitas semelhanças no tocante às demandas de informação das e dos estudantes e nas formas de encaminhar os casos denunciados e de lidar com situações explícitas de violência. Em ambos universos, envolvendo adolescentes ou a EJA, se mostram essenciais, conforme relata a coordenadora: a criação de espaços acolhedores para a escuta das vítimas, a formação periódica da equipe das escolas e a construção de fluxos de encaminhamento que se conectem com outros aparelhos públicos, como unidades de saúde, centros de assistência social e jurídica.
“O fluxo não pode se tratar apenas de questões jurídicas, mas pensar em rede, mesmo com as dificuldades de se trabalhar em rede. Assistência jurídica, assistência social, saúde, psicologia… E não apenas a repressão e os canais de denúncia, que são essenciais, mas cuidar da forma do acolhimento, pois o acolhimento é um diferenciador se a denúncia vai ser feita ou não”, salienta. “Por isso é preciso criar espaços de acolhimento para não haver revitimização, que acontece muito, e promover capacitação permanente”, reafirma.
Outra semelhança entre o público adulto e adolescentes, pontua, é, infelizmente, a resistência das instituições em receber a educação em direitos e modificar seus fluxos de atendimento aos casos. “A DPES tem encontrado resistência em escolas e é preciso romper essas dificuldades para chegar nas meninas e adolescentes, criar fluxos de atendimentos, canais de denúncias. É necessário romper as dificuldades de atendimento e desenvolver mais empatia e responsabilidade dentro do que cabe às escolas fazer”, argumenta.
A construção desses fluxos e formação, acentua, precisa considerar também as interseccionalidades, ou seja, as diferentes vulnerabilidades que permeiam as mulheres em situação de violência, como o território em que ela reside (se rural ou urbano, se central ou periférico), a cor da sua pele, sua classe socioeconômica, sua religião, ou sua orientação sexual. “Nesse ponto, a coleta responsável de dados é de extrema importância para estudo e elaboração de políticas públicas específicas”, afirma a defensora.
Em relação à cor da pele, por exemplo, os dados levantados pelo Formulário para Requerimento Online das Medidas Protetivas de Urgência – aprimorado pela DPES durante a pandemia e que teve sua efetividade reconhecida em prêmio nacional – mostram que 63,9% das mulheres que preencheram o formulário se autodeclararam negras, convergindo com o Anuário de Segurança Pública Brasileira de 2024, cujos dados apontam para as mulheres negras como as vítimas majoritárias do feminicídio e outras violências.
Até dezembro de 2024, Fernanda Prugner informa que 2.018 mulheres já haviam sido atendidas por meio do formulário, para além dos atendimentos especializados feitos presencialmente. “A Defensoria Pública do Estado trabalha incansavelmente a ampliação dos atendimentos às mulheres em situação de violência no Estado, seja violência doméstica e familiar, violência institucional, violência política, violência obstétrica, assédios etc.”.
Receba o projeto
Para 2025, o desejo é continuar ampliando a capacidade de atendimento dos casos e também as ações nas escolas. “A educação de direitos é uma importante ferramenta na prevenção das violências contra meninas e mulheres. Estamos realizando reuniões e alinhamentos com algumas Secretarias e escolas”.
Escolas e secretarias interessadas em receber o projeto podem entrar em contato direto com o Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado pelo e-mail: [email protected].