O Movimento Nacional de Direitos Humanos do Espírito Santo (MNDH/ES) e a Comissão de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana (CPDH) da Arquidiocese de Vitória entregaram, na manhã desta segunda-feira (4), uma carta ao ministro da Justiça, Flávio Dino, na qual denunciam a violência policial na periferia. O documento foi entregue no Palácio Anchieta, onde o ministro esteve para uma solenidade de entrega de viaturas, equipamentos e serviços para o fortalecimento da segurança pública do Estado e assinou o termo de adesão para implantação da Casa da Mulher Brasileira em Vitória.
“Na carta, não deixamos de contextualizar outras questões importantes, como a situação dos quilombolas e dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, mas focamos mais nas ações policiais, trazendo para a atuação mais ligada ao Ministério da Justiça”, diz a militante do MNDH/ES, Galdene dos Santos.
O documento denuncia o “crescimento vertiginoso” das ações policiais no Território do Bem, “onde mora a população pobre, trabalhadora e na sua maioria, jovem e negra”. Aponta, ainda, uma narrativa contra a população periférica que classifica como “criminalizadora” e que “pode estimular as práticas violentas das forças policiais contra as comunidades, tanto na região metropolitana quanto no interior do Estado do Espirito Santo, em especial, na região norte”.
O MNDH/ES e a CPDH recordam que o Padre Kelder Brandão, pároco da Paróquia Santa Teresa de Calcutá, chegou a denunciar em suas homilias as ações policiais no Território do Bem. “Consideramos que as duas incursões recentes da Policia Militar [PM] no pátio da referida paróquia, supostamente à procura de drogas, realizadas sem mandado judicial ou qualquer autorização, constituiu-se como sinal claro de intimidação e ou ameaças”, diz a carta, destacando que, por isso,
em 23 de julho, foi celebrada uma missa de desagravo ao padre e às comunidades do Território do Bem.
As entidades relembram outro acontecimento recente, que foi a operação policial ocorrida na Avenida Leitão da Silva, em Vitória, “que deixou um saldo de morte e de pessoas feridas, demonstrando, no mínimo, despreparo e imprudência por parte das forças policiais que atuaram no episódio”. “Consideramos indispensável que todas estas mortes ocorridas no Brasil, e também no Estado do Espirito Santo, sejam investigadas de forma independente, completa e imparcial, segundo as normas nacionais e internacionais aprovada pelas Nações Unidas, das quais o Brasil é signatário”, defendem.
O texto prossegue dizendo que não basta apurar os crimes. “É necessário reforçar os mecanismos de controle externo da polícia, com a criação de Ouvidorias Autônomas e Independentes, plena implementação dos Mecanismos de enfrentamento à Tortura, instalação de Conselhos de Segurança com ampla participação social. Além disso, precisamos mudar a mentalidade e a forma de atuação policial, que deve ter sempre como princípio, os direitos humanos, o respeito e a promoção da legislação nacional e internacional sobre o tema”, defende.
Outras violações
No documento é apontado que a população quilombola, há décadas, “tem sido vítima de negação de direitos, e até violência física praticada por empresa privada de vigilância contratada pela empresa da monocultura do eucalipto”, ou seja, a Suzano. Recorda também que
em 25 de novembro do ano passado um adolescente de 16 anos cometeu um massacre em Aracruz, norte do Estado, onde adentrou em duas escolas, deixando quatro pessoas mortas e cinco feridas. “Os familiares clamam pelo esclarecimento do crime e apoio e reparação do Estado às vítimas”, afirmam as entidades na carta, que também recordam o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. As vítimas, declaram, “aguardam reparação, tratamento de saúde, recuperação do Rio Doce e nova repactuação visando a redução de danos”.
Histórico
No documento é lembrado também que, em 2009, o CDDH da Serra e a Justiça Global impetraram ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) em face das inúmeras violações ocorridas no interior da unidade socioeducativa localizada em Cariacica. Dois anos depois, a Corte determinou as primeiras medidas cautelares contra o Estado Brasileiro, que segue em medidas provisórias até a presente data.
“Temos levado a conhecimento da honorária Corte através de relatórios a dura realidade da unidade e as práticas reiteradas de violações, militarização da socioeducação, revista vexatória em adolescentes e a estrutura física com característica de presídio”, dizem as entidades, que denunciam que há dois anos o Estado suspendeu o convênio com a entidade gestora do Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) e há duas décadas a sociedade civil espera pela implementação de uma “ouvidoria externa independente de segurança pública, mecanismo fundamental para apurar e reduzir a violência policial”.
Quando ao sistema prisional, apontam que “tem sido palco de denúncias cotidianas de superlotação, maus-tratos, mortes e situações que, devidamente analisadas, têm a possibilidade de se configurar até mesmo como prática de tortura”.