A Unidade Negra Capixaba divulgou uma nota em solidariedade ao produtor cultural, escritor e ativista Stel Miranda, que teve sua casa invadida pela Polícia Militar (PM) nessa segunda-feira (27), sem mandado, com a alegação de que seria apurada uma denúncia de tráfico de drogas. Na nota, que é assinada por cerca de 50 organizações, como movimentos sociais, partidos, lideranças e coletivos, também é demonstrado repúdio em relação à atitude da corporação.
“O que nos incomoda é o modus operandi da PM do Espírito Santo. Será que se essa denúncia fosse contra algum morador das áreas nobres da cidade, o procedimento seria o mesmo?”, questionam. As entidades também relatam ser recorrentes esse tipo de acontecimento. “Não podemos admitir a criminalização da pobreza. Por isso, exigimos da PM uma resposta para mais essa violação de direitos humanos”, reivindicam.
As entidades destacam que a “guerra às drogas” “é contra pretos, pobres e favelados, e seu resultado produz violências simbólicas e físicas” e que “as estatísticas apontam o elevado índice de mortes violentas de jovens negros. Seu custo ao erário público é alto, por outro lado existe uma ausência do Estado em oferecer cultura, esporte e lazer nas comunidades periféricas”.
A nota termina com uma manifestação de solidariedade a Stel Miranda, o parabenizando pelo trabalho que desenvolve em sua comunidade, na região da Grande São Pedro, em Vitória. “Precisamos de muitos outros Stel, e menos truculência policial”, finaliza.
Atualmente, Stel atua no projeto Maré Literária, no Museu do Pescador, na Ilha das Caieiras. Trata-se de um projeto de literatura e poesia periférica. “Qualquer pessoa pode fazer literatura e um fanzine, que é um livro artesanal. A gente tira a arma das mãos das pessoas e troca por papel e caneta”, explica o produtor cultural, que também trabalha em uma emissora de TV, em um projeto para dar visibilidade às produções artísticas e culturais, principalmente as periféricas.
O produtor cultural acredita que a atitude da PM é uma perseguição pelo fato de ser ativista cultural, uma vez que “a classe artística e os fazedores de cultura têm sofrido muitas perseguições”. Ele relata que estava trabalhando quando começou a receber mensagens e telefonemas avisando que a polícia tinha ido até sua residência, sem mandado, averiguar uma denúncia de tráfico de drogas. Para entrar, aponta, os policiais arrombaram o cadeado do portão.
Stel afirma que o cachorro começou a latir, o que fez com que seu padrasto fosse até o quintal, onde se deparou com vários policiais que chegaram em três viaturas, sendo duas de missão especial. “Meu padrasto e meus vizinhos contaram que eles me procuraram pelo meu nome social, pelo ‘Stel cabeludinho fotógrafo”, diz o produtor cultural, cujo nome de registro é Huedson Miranda.
Stel relata que, ao serem questionados por seu padrasto sobre como entraram, os policiais disseram que o portão estava aberto. “Isso a gente sabe que é uma impossibilidade”, destaca. A primeira casa onde a PM entrou, afirma, foi a de sua mãe, depois a dele, que mora em cima. Apesar de ter averiguado tudo e ver que não mexeram em nada, Stel afirma ter medo “de terem plantado algo”.
Orientado juridicamente a expor o que aconteceu, Stel gravou um vídeo nas redes sociais. Entretanto, não pôde dar visibilidade a ele em seu Instagram, pois quando foi fazer isso, descobriu que não podia fazer comentários, postagens nem compartilhamentos de posts na rede social, que estava bloqueada, possivelmente, por ter sido denunciada. Para ele, essa é mais uma prova de que há uma perseguição ao seu trabalho. O vídeo está sendo compartilhado pelos movimentos sociais.
No vídeo, Stel demonstra temer o que pode vir a acontecer. “Estou deixando essa minha fala aqui porque sou preto e periférico, não sei o que vai acontecer comigo. Eu vou ser bem sincero, eu não quero ser uma Marielle, sabe? É isso, o que a gente faz e todas as lutas que a gente faz, vai romantizar colocando nosso nome em uma praça?”, questiona.
E acrescenta: “Será que realmente em algum momento a gente pode dizer que vou dormir tranquilo? Não vou, eu tenho medo do Estado. Não sei se eram bons ou maus policiais. Não posso atestar que eram pessoas boas e de quem receberam ordem. Estou deixando esse relato aqui para os meus amigos e para todos vocês que estão me ouvindo, pois eu não sei dos próximos minutos. Só sei fazer o que sei fazer, e o que sei fazer é lutar pelo meu povo”, desabafa.