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Fechamento do manicômio judiciário terá novo debate na Assembleia Legislativa

Situação é tratada nas comissões de Saúde e Direitos Humanos; especialistas defendem o processo

Secom/Governo ES

Defendido por especialistas, o processo de fechamento da Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP), em Cariacica, segue gerando discussão no Estado. Na última terça-feira (23), o tema foi debatido em reunião da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Para a próxima terça-feira (30), o assunto será retomado, desta vez na Comissão de Saúde.

O presidente do colegiado, deputado Bruno Resende (União), questiona os “prejuízos que podem surgir em decorrência do encerramento das atividades da unidade, marcado para 28 de agosto”.

“Como médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Saúde, entendo que precisamos promover um amplo debate sobre a Resolução 487 do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], de fevereiro do ano passado. Essa resolução estabeleceu o fim dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico em todo o país. É uma decisão de alto impacto, que não foi devidamente debatida com os profissionais da saúde e a sociedade em geral. Por isso vamos promover essa discussão”, afirmou.

Entretanto, conforme matéria de Século Diário publicada no último dia 13, a representante da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) no Estado, assistente social Nicéia Malheiros, afirma que o processo é necessário e já vinha sendo adiado há um bom tempo. O fechamento da UCTP segue o prazo da Resolução 487, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – inicialmente, seria em maio deste ano, mas foi prorrogado para agosto.

“Existe todo um processo de acompanhamento intersetorial. Uma vez que as pessoas cometeram delitos e estão nessa condição de saúde mental, elas serão acompanhadas pela rede de atenção psicossocial, e isso inclui as equipes de Estratégia de Saúde da Família, os Caps [Centros de Atenção Psicossocial] e outros equipamentos. Os internos podem, inclusive, passar por internação, se for necessário”, explicou Nicéia, que também é integrante do Núcleo da Luta Antimanicomial capixaba.

Além da resolução do CNJ, o fechamento do “manicômio judiciário”, como também é conhecido, é resultado da Reforma Psiquiátrica ocorrida no Brasil em 2001 e da condenação, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2006, do estado brasileiro, pela morte de Damião Ximenes Lopes, que sofreu tortura e maus-tratos em uma clínica psiquiátrica do Ceará, em 1999.

Andamento do processo

De acordo com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), atualmente, 54 pacientes com medida de segurança estão internados na (UCTP). Homicídio, lesão corporal, roubo e ameaça são os principais tipos penais dos custodiados, segundo a secretaria, ressaltando que desde o dia 29 de fevereiro deste ano, não são recebidos novos pacientes.

O processo de desinstitucionalização dos pacientes é acompanhado por um grupo de trabalho composto pela Sejus e pelas secretarias estaduais de Saúde (Sesa) Assistência e Desenvolvimento Social (Setades) e Direitos Humanos (Sedh), bem como os conselhos das secretarias de Saúde do Estado e de Cariacica.

Questionada por Século Diário sobre quais são os planos para essas pessoas no processo de desinstitucionalização, a Sesa disse apenas que “cada caso será avaliado individualmente e os pacientes serão encaminhados para ressocialização familiar, residências terapêuticas ou residências inclusivas, de acordo com seu perfil clínico”.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado (TJES), a Sesa está em processo de contratação de equipe multiprofissional para avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei (EAP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A Sejus, por sua vez, indicará um centro de detenção provisória como unidade de referência para custodiar o interno que estiver sob avaliação psiquiátrica.

“A Secretaria da Justiça já vem trabalhando o processo da desinternação há algum tempo, em conjunto com os demais órgãos envolvidos, para cumprir o prazo estabelecido para o fechamento da unidade. Nenhum paciente será solto sem o devido laudo da equipe de saúde multidisciplinar informando a possibilidade da desinternação, e isto somente poderá ocorrer através de decisão judicial”, afirmou o secretário de Estado da Justiça, Rafael Pacheco, ao Século Diário.

CNJ baixou manual de instruções’

Em participação no programa Entrevista do Século, da TV Século, Haroldo Caetano, doutor em Psicologia e promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás, reputou como falsa a ideia de que o fechamento dos manicômio é uma decisão precipitada ou sem estudos anteriores. No estado de Goiás, no qual trabalha, há uma política consolidada há 18 anos, sendo que, dentre mais de mil pessoas que passaram por esse processo, houve apenas três casos de reincidência em crimes graves.

“O próprio Conselho Nacional de Justiça, na Resolução 487, dá instruções, e depois o CNJ baixou um manual de orientações de como deve acontecer o fechamento. E a política de atenção em Saúde Mental nos estados e municípios é que vai ser chamada a responder a esses casos – assim como, insisto, já acontece aqui no estado de Goiás há 18 anos”, comentou Haroldo Caetano, que defende que os manicômios representam uma política ultrapassada e de viés racista.

Durante o programa, o promotor de Goiás também explicou que, segundo a lei, os internos de manicômios judiciários foram declarados inocentes, uma vez que foram considerados inimputáveis, ou seja, incapazes de responder por seus atos criminosos devido a transtornos psiquiátricos. Na prática, porém, essas pessoas estão condenadas a passar a vida inteira trancafiadas.

O programa também ouviu Rafael Dias Valencio, psicólogo, professor universitário e integrante do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial no Espírito Santo. Rafael destacou que há um histórico de cidades do Estado com instituições de “depósito de pessoas”, como Cariacica e Cachoeiro de Itapemirim.

“Apesar da Lei 10.216, da Reforma Psiquiátrica, ser de 2001, a desinstitucionalização das pessoas só começou a acontecer em meados de 2010 e 2012. Quer dizer, 10 anos após a Lei Antimanicomial. Então, a gente tem um hiato gigantesco para conseguir desinstitucionalizar e implementar serviços substitutivos, que são os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e a Atenção Primária, que são as Unidades Básicas de Saúde”, disse Rafael.

O psicólogo também citou no programa que esteve na UCTP em uma inspeção, há poucos anos atrás, e presenciou internos em situação precária.

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