Enquanto a população tenta retomar a normalidade – saindo às ruas para atividade de lazer ou para fazer compras após quase uma semana com o comércio fechado –, o governo e o movimento de mulheres travam uma batalha de nervos nos bastidores. As autoridades da segurança pública “vendem” a sensação de tranquilidade à população, que começa a observar o retorno discreto dos militares às ruas. Nos bastidores, trabalha para enfraquecer o movimento, estimulando um “racha” dentro da tropa – entre os PMs que estão se apresentando em convocações externas e aqueles que se recusam a voltar ao trabalho.
Já o movimento de mulheres resiste, evitando ceder às pressões do governo que tenta desmobilizar o protesto – que hoje não tem qualquer canal aberto de diálogo. Outro ponto é a ameaça de “uso da força” para desobstrução da porta dos quartéis. Essa possibilidade teria sido levantada na reunião entre autoridades estaduais e federais, realizada nesse sábado (11). Uma intervenção das Forças Armadas seria a última possibilidade, de acordo com o jornalista Josias de Souza, da Folha de S. Paulo, que fez uma postagem em seu blog com os bastidores do encontro.
Nas redes sociais, o assunto foi alvo de mensagens de áudio que circularam no sábado, dando conta de uma possível “teatralização” por parte das tropas federais em frente dos batalhões. A mensagem – cuja autoria não foi confirmada – alega que a atitude teria somente o objetivo de desestabilizar as mulheres e amigos de PMs, que estão há mais de uma semana em frente dos quartéis. O confronto deste tipo seria a atitude mais gravosa prevista no plano da Operação Capixaba, das Forças Armadas, que deve permanecer com mais de três mil homens atuando até o fim do motim da PM.
De acordo com a Secretaria estadual de Segurança Pública (Sesp), mais de 800 policiais responderam ao chamado operacional feito pelo comandante-geral da PM, coronel Nylton Rodrigues, que ordenou a apresentação dos militares diretamente na rua para atividade de policiamento à pé. Nas informações repassadas à parte da imprensa – a reportagem de Século diário entrou em contato com a assessoria da Sesp, que se recusou a comentar sobre efetivo –, 250 policiais responderam ao chamado na Grande Vitória, 275 na região sul e 350 no norte.
Desde o início do movimento paredista foram registrados 138 homicídios, de acordo com o Sindicato dos Policiais Civis (Sindipol). Além dos crimes contra a vida, a crise na segurança pública também resultou em centenas de casos de roubos, furtos e saques ao comércio. Atualmente, mais de três mil homens da Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e da Força Nacional estão fazendo o policiamento nas ruas. Os militares que voltaram ao serviço estão atuando em seus municípios de origem.
A pauta do movimento das mulheres de PM exige o cumprimento da revisão anual dos salários, com a reposição das perdas com a inflação nos último anos, além de melhoria nas condições de trabalho dos policiais. Desde o início das negociações, o governo nunca acenou com a possibilidade de concessão do reajuste sob justificativa da falta de orçamento. Na última sexta-feira (9), o governo e as associações militares chegaram a assinar um acordo, prevendo uma anistia parcial aos policiais que aderiram ao movimento e a possibilidade de reajuste no futuro, porém, as mulheres não reconhecem a legitimidade das entidades para negociar.
A “greve velada” da Polícia Militar foi declarada ilegal pela Justiça estadual no início da semana. O Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES) estuda a possibilidade de responsabilização financeira das associações militares e dos familiares de PMs pelos gastos do envio das tropas federais ao Estado. O comando da Polícia Militar instaurou 703 procedimentos contra os policiais pela chamada “revolta armada”, cuja pena pode chegar a até 20 anos de reclusão e a expulsão dos quadros da corporação, de acordo com o Código Penal Militar.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, declarou, na sua passagem pelo Estado, que estuda pedir a federalização do crime de motim – tipo de sanção menos gravosa do que a de revolta. Ele afirmou que a estratégia poderia evitar o “aquartelamento das forças estaduais”. O movimento iniciada pelas mulheres de PMs no Espírito Santo ameaça se espalhar pelo restante do país, cujos militares também sofrem com a defasagem salarial e falta de condições de trabalho. Já foram registrados protestos semelhantes na porta de quartéis nos estados do Rio de Janeiro e Pará.
O governador em exercício, César Colnago (PSDB), garantiu o funcionalismo normal do transporte público a partir desta segunda-feira (12). Nesse domingo, a operação do sistema Transcol acontece das 7h até as 17h, apenas com linhas troncais (que operam de terminal a terminal, sem entrar na maioria dos bairros). A expectativa do governo é pela retomada das atividades comerciais e dos serviços públicos (escolas, hospitais e repartições dos demais Poderes).