Iniciativa foi motivada pelas oito mortes registradas em ações policiais em setembro
Com as oito mortes em ações policiais registradas no mês de setembro em Vitória, as comunidades do Território do Bem, Jesus de Nazareth e Tabuazeiro, onde os crimes ocorreram, se uniram para criar o Fórum Estadual de Insegurança Pública. A ideia começou a ser discutida no dia 25 de setembro, após uma manifestação em decorrência do assassinato de Bruno Vieira Lopes da Silva, de 24 anos, e Vinicius Alves de Jesus, de 20, em Jesus de Nazareth. Os primeiros passos para traçar as estratégias do fórum serão nesta quarta-feira (8).
Serão convidados para participar do Fórum organizações ligadas à defesa dos direitos humanos, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES). O presidente da Associação de Moradores de Jesus de Nazareth, José Antônio Gomes, informa que uma das principais reivindicações do grupo será uma conversa com o governador Renato Casagrande (PSB).
O termo insegurança no nome do fórum, de acordo com ele, é porque não existe segurança pública nas comunidades periféricas. “O secretário de Segurança Pública [Leonardo Damasceno] disse na imprensa que não há um plano de combate à violência. Existem pessoas à margem da lei? Tem. Se dissermos que não tem, seremos coniventes com o crime. Só que nós pensamos na comunidade, porque não dá para falar de segurança pública sem falar da comunidade. Não queremos que simplesmente subam o morro para matar os jovens”, diz.
O líder comunitário afirma não ter “nada contra o trabalho das forças de segurança, mas tirar a vida dos jovens não é a solução”. Ele destaca que muitos mortos nem ao menos são envolvidos com o crime, mas morreram quando viram pessoas correndo na rua e, no susto, fizeram o mesmo, sendo alvejadas. Para José Antônio, falar de segurança pública é muito mais do que a presença das Forças Armadas, é falar de “inclusão, arte, esporte, lazer, cultura e encaminhamento ao emprego”.
As primeiras das oito vítimas da violência policial em setembro foram Breno Passos Pereira da Silva, de 23 anos, e Matheus Custódio Batista Quadra, de 26, alvejados em São Benedito no dia 9. Breno, de acordo com moradores do bairro São Benedito, foi assassinado em um beco, quando a polícia chegou atirando. Matheus foi alvejado cerca de 30 minutos depois, quando, ao fugir da polícia, entrou na casa de uma moradora. Os policiais, então, adentraram a residência, o algemaram e disparam contra ele.
Em Tabuazeiro foram mortos também Maycon, de 16 anos, e Rafael Cardoso Moreira, de 23, vitimados fatalmente dentro de casa, a tiros. Moradores afirmam que ambos estavam dormindo quando policiais militares entraram na casa, os sufocaram com travesseiro e depois deram os disparos. A ação policial motivou uma manifestação na comunidade no dia 13 de setembro. No dia 19, também em Tabuazeiro, Esmael dos Santos Lopes, de 21 anos, foi baleado na praça do Morro do Macaco. Foi internado no Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), mas veio a óbito dois dias depois.
O comandante-geral da Polícia Militar (PM), Douglas Caus, disse, na ocasião, que a corporação recebeu a informação de que traficantes estavam processando drogas “em um parquinho, em via pública, na frente dos moradores”. Por isso, foram separadas duas tropas de força tática, fazendo com que fugissem para uma área de mata. Uma equipe que cercava a região e a força tática, segundo o comandante, foram recebidas a tiros e “houve o pronto revide, legítima defesa”. Douglas Caus apontou, ainda, que o jovem estava com uma arma israelense 9 mm. Entretanto, moradores da região negam a versão da PM, afirmando que Esmael não estava armado e que a Polícia chegou atirando.
No caso de Bruno e Vinicius, de Jesus Nazareth, a versão da PM é de que os policiais se depararam com cerca de seis homens em um beco, que dispararam, dando início a um confronto no qual os dois foram vitimados. Contudo, a comunidade apresenta uma outra versão. Moradores relatam que Bruno tinha acabado de sair do campo de futebol rumo a sua casa. Ao passar pelo beco, foi cercado por policiais.
“As pessoas que testemunharam disseram que Bruno caiu, mas não foi a polícia que derrubou. Talvez tenha se assustado. Com a queda, disse que tinha machucado o braço e começou a pedir ajuda. Aí os policiais atiraram na testa dele”, afirmaram, destacando que o jovem, levado ao Hospital São Lucas pela PM, morreu na hora. “Levaram somente para disfarçar. Tiraram o corpo do local para não haver perícia. Desfizeram a cena do crime”, denunciaram. No caso de Vinicius, ele tinha acabado de sair de casa depois de deixar o trabalho em um supermercado, onde era estoquista, para ir ao campo de futebol, quando foi alvejado. Os moradores não têm detalhes do crime, mas garantem que não houve confronto, pois o rapaz estava desarmado.
A última morte foi de Davi, de 16 anos, conhecido na comunidade como Dan, que levou um tiro na cabeça ao sair de casa para comprar refrigerante. Moradores, que preferem não se identificar por medo, afirmam que não houve confronto com a corporação. Os relatos são de que, por volta das 17h, as viaturas rondavam a parte de baixo do bairro Bonfim. Depois subiram a Escadaria do Trabalhador, foram para o Bairro da Penha e São Benedito. Alguns policiais se esconderam na mata. Ao ver as viaturas, um grupo de jovens correu. Davi, que tinha saído para comprar refrigerante, acabou correndo também. Foi quando os policiais que estavam na mata dispararam vários tiros em direção aos rapazes, acertando a cabeça de Davi.
Pessoas da comunidade, então, foram até o local, onde, afirmam, avistaram policiais com o pé na cabeça do rapaz. Elas relatam que pediram para enviar Davi para o hospital, mas os PMs ameaçaram atirar contra os moradores que estavam ali. “Quando pegaram o corpo e desceram com ele na escadaria, a cabeça batia nos degraus. Uma parte do cérebro do menino caiu. Jogaram no camburão como se fosse um lixo”, denunciam. O ocorrido motivou manifestações nas comunidades de Consolação, Gurigica e Bairro da Penha.
Por causa das mortes, o vereador André Moreira (Psol), juntamente com sete organizações da sociedade civil, encaminhou ofícios ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e para a Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, solicitando a atuação imediata. Nesta terça-feira (8), o Ministério notificou a Corregedoria da PM para investigar os crimes.