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‘O Estado não deixou nem ele mudar de vida’ 

Protesto em Vitória voltou a denunciar execução e violência nas periferias 

Assessoria/Ana Paula Rocha

“O Estado não deixou nem ele mudar de vida. Ele tinha saído do crime há cinco anos, trabalhava como operador de máquinas, mas tentaram atribuir a ele um crime que aconteceu em outro bairro, apenas para executá-lo”, denuncia a mulher de Anderson Andrade Bento, o Andinho, identificada apenas como Amanda. Ele foi morto pela polícia no dia do seu aniversário de 32 anos, no último sábado (26), no bairro São Benedito, em Vitória, após sair de casa acompanhado pela filha de 14 anos, como relata a família.

A polícia justificou a morte com a alegação de confronto e que Anderson teria entrado em luta corporal com um militar, sendo então baleado. O comandante-geral da PM, Douglas Caus, afirmou, ainda, que ele integrava o Primeiro Comando de Vitória (PCV) e teria um mandado de prisão em aberto desde 2023, por homicídio. A versão é contestada, porém, por moradores.

Em vídeos gravados pela comunidade, Anderson é abordado por dois policiais militares e rendido. Um dos agentes diz para “dar um tiro nele” e, em seguida, ordena por duas vezes “atira!”, até que o disparo é efetuado. A esposa de Anderson relatou que implorou para que fosse prestado socorro, mas os médicos informaram que ele já chegou sem vida ao hospital. “Ele morreu na minha frente”, afirmou. Anderson deixou duas filhas, de 14 e 7 anos, e Amanda, que está grávida de oito meses. 

A morte gerou indignação no bairro e provocou um protesto com moradores, familiares e movimento sociais na noite dessa segunda-feira (31), de São Benedito até a Reta da Penha, para denunciar a “violência sistemática” e “a criminalização do Território do Bem”, onde se localizam ainda os bairros Da Penha, Itararé, Bonfim, Consolação e Gurigica, e as comunidades de Jaburu, Floresta e Engenharia, entre as Avenidas Leitão da Silva, Vitória, Marechal Campos e Maruípe e a Rua Carlos Alves, na Capital capixaba.  

Os manifestantes pediram o fim da violência à juventude negra; a implementação de uma Ouvidoria externa para o controle da atividade policial; e a instalação de câmeras nas fardas da Polícia Militar e Guarda Municipal. Na ocasião, Amanda pediu justiça pelo marido. “Foi uma ordem de execução, porque em nenhum momento ele tentou tirar a arma de alguém”, ressalta.

Assessoria/Ana Paula Rocha

Segundo ela, Anderson havia sido ameaçado porque se movimentava para denunciar o que considerava perseguição e ação arbitrária da polícia. Agentes teriam entrado no local de trabalho dele, como Amanda afirma, e lançado gás lacrimogêneo e o agredido junto com outros funcionários. Durante essa ação, no ano passado, Anderson teria gravado um vídeo afirmando “estar cansado” e que a polícia “quer ver traficante para matar”. 

Na semana passada, dois ônibus foram incendiados na orla de Camburi e em Jardim da Penha, em Vitória, e em Jacaraípe, na Serra, ações que teriam relação com a morte, como afirma a PM. Só neste ano, já foram registradas seis mortes causadas por policiais, todas justificadas como resultado de confrontos, observa Amanda. “Se as câmeras fossem fixas e não pudessem ser desligadas, muita coisa não estaria acontecendo. Se houvesse confronto de fato, estaria provado”, argumentou.  

Redes Sociais

Diante da perda, Amanda diz que pretende buscar justiça por Anderson e suas filhas. “Falam tanto que a criança tem o direito de ter o pai, mas o Estado tirou esse direito delas. Pelo menos, nem que fosse preso, poderiam vê-lo e saber que ainda tinham um pai”, enfatizou.

Ela relata que, durante a manifestação dessa segunda, policiais riram enquanto uma das filhas chorava pela morte, o que considera ” reflexo da violência sistêmica que atinge os moradores das periferias”. Para Amanda, “somos vidas, independente da história, todo mundo tem família, e temos o direito de viver”, finalizou. 

Outros casos

Diante das sucessivas mortes registradas no Território do Bem, foi criado, no ano passado, o Fórum Estadual de Insegurança Pública, que deliberou por dar início a um observatório de pesquisa sobre a violência policial. A ideia é fazer uma checagem de dados para averiguar se os números divulgados pelo Governo do Estado condizem com os elencados pelo fórum.

Em setembro de 2024, foram oito mortes em ações policiais na Capital, três delas no Território do Bem. As primeiras vítimas foram Breno Passos Pereira da Silva, de 23 anos, e Matheus Custódio Batista Quadra, de 26, alvejados em São Benedito. Breno, de acordo com moradores do bairro, foi assassinado em um beco, quando a polícia chegou atirando. Matheus foi alvejado cerca de 30 minutos depois, quando, ao fugir da polícia, entrou na casa de uma moradora. Os policiais, então, adentraram a residência, o algemaram e disparam contra ele.

A última morte de setembro foi de Davi, de 16 anos, conhecido na comunidade como Dan, que levou um tiro na cabeça ao sair de casa para comprar refrigerante. Moradores, que preferiram não se identificar por medo, afirmaram que não houve confronto com a corporação. Os relatos são de que, por volta das 17h, as viaturas rondavam a parte de baixo do bairro Bonfim. Depois subiram a Escadaria do Trabalhador, foram para o Bairro da Penha e São Benedito. Alguns policiais se esconderam na mata. Ao ver as viaturas, um grupo de jovens correu. Davi, que tinha saído para comprar refrigerante, acabou correndo também. Foi quando os policiais que estavam na mata dispararam vários tiros em direção aos rapazes, acertando a cabeça de Davi.

Pessoas da comunidade, então, foram até o local, onde, afirmam, avistaram policiais com o pé na cabeça do rapaz. Elas relataram que pediram para enviar Davi para o hospital, mas os PMs ameaçaram atirar contra os moradores que estavam ali. “Quando pegaram o corpo e desceram com ele na escadaria, a cabeça batia nos degraus. Uma parte do cérebro do menino caiu. Jogaram no camburão como se fosse um lixo”, denunciaram. O ocorrido motivou manifestações nas comunidades de Consolação, Gurigica e Bairro da Penha.

Dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), operado pelo Ministério da Justiça, apontou um aumento de 25% no número de mortes por intervenção policial no Espírito Santo em 2024. No ano passado, foram registrados 73 casos, 15 a mais do que em 2023, quando foram notificadas 58 mortes. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a mortalidade de pessoas negras em intervenções policiais é 289% superior à taxa verificada entre pessoas brancas.

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