Vítima foi atendida no Hospital Antônio Bezerra de Faria. Caso alerta para realidade da população de travestis e mulheres trans
Uma travesti foi esfaqueada na altura da Praia de Itaparica, em Vila Velha, na madrugada dessa quarta-feira (7). O suspeito não foi identificado e a ocorrência ainda está em fase de investigação pela Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) do município. A Polícia Civil do Espírito Santo (PCES) não confirma a informação preliminar de que as facadas foram em resposta a uma tentativa de assalto.
De acordo com a PC, o crime foi registrado como tentativa de homicídio por arma branca e seguirá sob investigação. Já a Polícia Militar informou que o suposto assalto não consta no boletim de atendimento e a travesti não disse aos militares quem desferiu as facadas. Ela foi encaminhada ao Hospital Antônio Bezerra de Faria, no mesmo município.
O Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes) foi acionado na madrugada dessa quarta, com informações de que uma pessoa tinha se deslocado a um posto de combustível na Rodovia do Sol, após ter sido esfaqueada. De acordo com a Polícia Militar, uma ambulância da Rodosol esteve no local para socorrer a vítima, mas o órgão não tem informações sobre o estado de saúde dela.
“A Polícia Civil destaca que a população tem um papel importante nas investigações e pode contribuir com informações de forma anônima através do Disque-Denúncia 181, que também possui um site onde é possível anexar imagens e vídeos de ações criminosas, o disquedenuncia181.es.gov.br. O anonimato é garantido e todas as informações fornecidas
são investigadas”, informou.
Trans, travestis e o perigo das ruas
Em uma país onde 90% da população de travestis e mulheres trans precisa recorrer à prostituição como fonte de renda, como apontam dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o caso lança holofotes para os riscos que essas pessoas correm todos os dias.
A coordenadora de ações e projetos do Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), Deborah Sabará, salienta que esse é um processo que começa na infância e adolescência. Muitas dessas pessoas não são aceitas pela própria família e decidem sair de casa, mesmo sem nenhuma estrutura para se sustentar.
Em busca de melhores condições de vida, partem em direção à Grande Vitória. Sabará explica que a maioria dos casos de mulheres trans e travestis em situação de rua é de pessoas que saíram do interior do Espírito Santo, ou de outros estados do Brasil. O perfil também é composto, principalmente, por pessoas pretas.
“Elas não têm acesso ao trabalho, a outras tarefas de emprego, então a única coisa que resta ainda é a prostituição. Por isso, a gente luta pela empregabilidade e geração de renda, para que elas tenham outra opção”, ressalta.
Assistência e acolhimento
Essa é uma das ações desenvolvidas pelo Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold). Durante a pandemia do coronavírus, a associação tem captado recursos para distribuir kits-lanche para a população em situação de rua em Cariacica, Vitória e na Serra. Durante o ano, o projeto oferece vagas de cursos de capacitação para esse público e também planeja ofertar atendimento psicossocial futuramente. “Nós também precisamos, urgentemente, pensar em uma casa que atenda à população LGBT em situação de rua e em drogadição”, alerta.
A ativista relata que, muitas vezes, quando é acolhido em clínicas de tratamento comuns, o público LGBT precisa lidar com os estigmas daquele espaço. Quando se trata de locais religiosos, por exemplo, mulheres trans e travestis não são nem tratadas pelo nome social.
“Um travesti esses dias me ligou e falou: ‘Deborah, muito obrigada. Você me indicou para aquela clínica, eu fui, mas lá eu só podia dormir separadamente. Não respeitavam meu nome social, me chamavam pelo nome de registro. Eu fiquei lá, mas é um espaço que eu não me senti 100% acolhida”, declara.
Sabará acredita que as ações de acolhimento a essas pessoas deveriam partir do próprio poder público, em mobilização com a sociedade. “Precisa ser criada uma rede com o movimento social para que, ali, LGBTs possam visitar, dialogar e levar capacitação para aquela população”, enfatiza.