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Policial penal denuncia tortura em Curso de Operação de Táticas Prisionais

Erika Rodrigues Câmara registrou Boletim de Ocorrência, em que relata agressões físicas e verbais

A policial penal Erika Rodrigues Câmara registrou Boletim de Ocorrência (BO) para denunciar que foi torturada durante o 3º Curso de Operação de Táticas Prisionais (COTP), promovido pela Secretaria Estadual de Justiça (Sejus) em parceria com a Escola Penitenciária (Epen), e administrado pela Diretoria de Ações Táticas. Trata-se de um curso de especialização que abre possibilidade de ingresso dos servidores na diretoria.

Erika relata que ela e outros colegas sofreram agressões físicas e psicológicas, e que já no primeiro dia do curso, em 1º de agosto, “houve uso indiscriminado de gases para quem não queriam que concluísse o curso”. Entre esses gases estava o Max, que, conforme explica, é mais forte, infectando todo o ambiente.

Arquivo Pessoal

Por isso, afirma, logo no primeiro dia, algumas pessoas “bateram o sino”, ou seja, desistiram do curso. “Um colega foi jogado no chão com uma rasteira, recebeu bicudas. Falaram para levantar. Ele pediu atendimento médico, que foi negado. Depois ele tomou banho e bateu o sino”, conta.

Os instrutores, recorda Erika, se dirigiram a outro colega e disseram “a gente não quer você, pede para sair, se não vai ficar desmoralizado. Depois disso, mandaram ele fazer flexão e jogavam spray de pimenta a cada flexão feita”, relata.

Erika narra que, durante o curso, o grupo foi levado para um rancho na zona rural, em Jabaeté, Vila Velha. Nesse local seria feito um treinamento aquático, durante o qual uma policial penal perdeu o coturno na água, tendo que buscá-lo junto com Erika e outro colega. Entretanto, os instrutores disseram que deveria ser feita uma nova travessia, apesar de já terem cumprido essa tarefa. “Nesse reinício, ela se cansou e ficou sem condições de nadar. Mesmo assim, eles diziam para continuar, e eu dizia que ela não tinha que continuar, tinha que salvar a vida dela. Comecei a tentar tirar ela da água, os instrutores ficavam olhando e só um tempo depois foram ajudar”, recorda.

Durante esse episódio, Erika perdeu na água a calça de uniforme, se apresentando apenas com o uniforme de Treinamento Físico Militar (TFM). Isso motivou instrutores a mandarem que ficasse no chão em posição de punho cerrado, sendo agredida com dois golpes de coturno nas nádegas. Antes disso, relata, em outro momento do curso, ela já havia levado duas ripadas na mesma região, mas não conseguiu ver quem as desferiu, pois era noite, estava escuro, e se levantasse a cabeça para tentar observar a fisionomia da pessoa, levaria spray de pimenta nos olhos.
Arquivo Pessoal

Em uma nova prova de resistência física, afirma Erika, o agrupamento, ou seja, alunos do curso, foram imersos na água fria em um brejo de madrugada. Ela não foi e, como forma de punição, teve que ficar observando, ouvindo dos instrutores que “o agrupamento estava sendo prejudicado, porque ela não conseguia dar voz de comando”. “Eu não conseguia porque eu estava com dor, cansaço, raciocínio lento por causa da escassez de comida e água”, afirma.

“A todo momento deixei claro que meus valores morais eram mais importantes do que o curso e até mesmo do que a minha própria carreira. Os instrutores estavam fazendo um churrasco, me chamaram para comer. Eu falei: ‘se eu vou comer, quero dividir com meu turno’, e eles negaram. Tudo a gente dividia, até mesmo uma mariola, quando alguém conseguia levar algo escondido”.

Erika acabou desistindo do curso e abrindo mão do sonho de fazer parte da Diretoria de Ações Táticas. “Me sinto desvalorizada como ser humano, desrespeitada como mulher. Entendi que a política da tortura está em nosso meio. Reproduziram o que algumas pessoas fazem com internos do Sistema Prisional. Se replicaram nos próprios colegas, imagine o que fazem com quem está encarcerado, quando não tem ninguém vendo?”, questiona.

Quanto ao sonho de fazer parte da Diretoria de Ações Táticas, Erika afirma, chorando, que já havia tentado uma vez, mas que pensa em tentar novamente, porém, em outro estado, “não na minha instituição, onde não sou respeitada como ser humano e mulher”.

A policial penal, em virtude das dores, procurou auxílio médico nesta quinta-feira (11), tendo que tomar medicação intravenosa. No Relatório de Evolução feito pelo médico que a atendeu, consta que, em virtude do espancamento, a paciente “tem equimose e hematoma em região glútea, interno da coxa da perna direita e esquerda, bem como equimose nos membros superiores, levando a parestesia de mão e dedos, dificuldade de apreender objetos, dor de forte intensidade e região glútea, dormência nos membros inferiores, levando a dificuldade deambular”.
O curso ainda está em andamento, pois tem duração de 60 dias. Erika teme pela vida das pessoas que ainda permanecem. “O que eu queria é que nos vissem de forma humanizada. Ali tem pai e mãe de família, que estão trabalhando e não merecem receber em troca assédio moral e desrespeito, mas valorização como ser humano”, lamenta.

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