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Prisões de policiais militares denotam viés político

Três dos quatro policiais militares suspeitos de incitar o movimento de mulheres que parou a PM por 22 dias no Espírito Santo já se apresentaram à Corregedoria e estão detidos no Quartel do Comando Geral (QCG) de Maruípe, Vitória. 
 
O tenente-coronel Carlos Alberto Foresti e o sargento Aurélio Robson Fonseca da Silva se apresentaram ainda no sábado (25), mesmo dia em que os quartéis, batalhões e unidades da PM foram liberadas pelas mulheres, após a celebração de um acordo-provisório com representantes do governo, mediado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-ES). já o oficial da reserva e ex-deputado federal Lucínio Castelo de Assumção, o Capitão Assumção, se apresentou nessa terça-feira (28). O presidente da Associação Geral dos Militares do Espírito Santo (Agem-ES), soldado PM Maxson Luiz da Conceição, o único que continuava foragido, se apresentou no QCG no final da tarde desta quarta-feira (1).
 
As ordens de prisão foram expedidas pelo juízo da Vara da Auditoria Militar, onde tramitam os inquéritos policiais militares (IPMs) contra os envolvidos. Segundo o jornal A Gazeta, que recebeu as informações com exclusividade da Secretaria de Segurança Pública (Sesp) – registre-se, um desrespeito do governo com os demais veículos de comunicação -, as investigações se fundamentaram em conteúdos publicados pelos militares nas redes sociais. 
 
Ainda de acordo com o jornal, os militares “participaram intensamente da articulação, coordenação, promoção e divulgação do movimento grevista da Polícia Militar. Alguns deles, inclusive, ajudaram ainda a incentivar o aquartelamento”. 
 
O documento ao qual a reportagem de A Gazeta teve acesso ainda inclui um quinto nome, do ex-policial militar Walter Matias Lopes, que também estaria sendo investigado pela Polícia Federal. Lopes é casado com uma ex-assessora do deputado federal Carlos Manato (SDD), Izabela Renata Andrade Costa, que teria sido demitida por Manato após o nome dela aparecer envolvido no movimento de mulheres.
 
O jornal, sempre se referindo ao documento que fundamentou as prisões, confirma que a “investigação se baseou nas declarações feitas por eles em vídeos e áudios divulgados nas redes sociais. Neles, destaca o texto, “é possível verificar sempre uma postura proativa por parte daqueles acima citados, no sentido de incentivar, buscar articular, promover e até defender o movimento”.
 
A reportagem de Século Diário, que não teve o privilégio de acessar o documento “exclusivo”, como a Gazeta, navegou pelos perfis dos acusados no Facebook, que foram usados como material de prova contra eles, para avaliar o teor das postagens. De maneira geral, predominam as críticas à posição do governador Paulo Hartung (PMDB) em se manter refratário às negociações. A propósito, essa foi uma crítica que muitos observadores de dentro e de fora do Estado também fizeram a Hartung durante a crise na segurança pública. 
 
O Capitão Assumção, que tem uma história antiga de rusgas com Hartung do período em que esteve na Câmara dos Deputados, é um crítico contumaz do governo. O então deputado se tornou conhecido entre os policiais por defender bandeiras da categoria na Câmara e criticar a política de segurança de Hartung, que mantinha Rodney Miranda (DEM) no comando da pasta. No movimento de mulheres, até por ser uma das referências entre os militares, Assumção acabou se expondo mais. 
 
Nas postagens, em texto e em vídeos, o capitão da reserva procurava incentivar os familiares a manter o movimento. Há também uma preocupação do capitão em frisar que o movimento é uma iniciativa dos familiares e, portanto, “legítimo e legal”. Ele também reage duramente às estratégias empregadas pelo governo para criminalizar a PM. Assumção foi um dos que pediram a cabeça do secretário de Segurança André Garcia. Ele também criticou a atitude de coronéis que foram cooptados pelo governo e acabaram se voltando contra o movimento.
 
Capitão Assumção também se sentia na obrigação de esclarecer aos familiares e policiais que o governo estava manipulando a mídia capixaba com o intuito de desmobilizar o movimento. Numa das postagens ele dispara: “Governo capixaba soberbo insiste em não atender às justas reivindicações dos familiares dos policiais militares. #sustenta”.
 
O tenente-coronel Foresti ficou conhecido durante o movimento pela crise nervosa que o levou para o hospital. O oficial surtou ao saber que policiais que faziam o policiamento ostensivo a pé haviam sido baleados. Ainda sob forte emoção, ele fez circular um áudio na internet que chocou quem ouviu. Um verdadeiro desabafo sobre a situação de opressão à qual os policiais estavam sendo submetidos.
 
No sábado (25), data do encerramento do movimento, Foresti postou um texto no qual se mostra surpreso com a decretação de sua prisão. “Não me informaram o motivo até o momento, mas parece ser relativo ao movimento das esposas dos policiais militares”. Nessa segunda-feira (27), a advogada do oficial ingressou com dois pedidos de liberdade no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-ES). Ambos foram negados pelo desembargador William Silva. A advogada do tenente-coronel se queixou que não teve acesso ao Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado contra seu cliente. E acrescentou que ainda não tem conhecimento sobre o teor das acusações.
 
Apesar dessa postagem sobre o pedido de prisão, o oficial parece ter retirado alguns conteúdos do ar. Há vários espaços em preto ou com fotos repetidas do policial, provavelmente temendo novas represálias. 
 
A última postagem do soldado PM Maxson Luiz sobre o movimento também é do dia 25. O presidente da Agem faz críticas abertas ao governador Paulo Hartung. “Não poderia deixar de reconhecer a garra e a vontade de lutar contra um governo intransigente e que reacendeu o debate sobre as condições às quais os militares estão sendo subordinados”. Ele também diz desconhecer o motivo do pedido de sua prisão. “No mesmo dia de encerramento do movimento das esposas, familiares e amigos, a Vara da Auditoria Militar entendeu por emitir um Mandado de Prisão em meu desfavor alegando perigo para a ordem pública, isso em um Inquérito Policial Militar do qual não tivemos conhecimento ainda”. 
 
Em outra postagem, ele cutuca novamente o governador. “Ei! Pesquise aí no Google: Hartung + Desvio #compartilhe”. Durante a greve, muitas pessoas circularam pelas redes sociais informações sobre o pacote de renúncia fiscal concedido pelo governador a empresários instalados no Estado. Os conteúdos queriam mostrar à opinião pública que Hartung só abria o cofre para os grupos de seu interesse.
 
No perfil do Facebook do soldado Robinho, como é conhecido, não há mais nenhuma postagem sobre o movimento. Se havia foi retirada. Há apenas mensagens de apoio de amigos e familiares desejando força e criticando a prisão do PM.
 
Viés político
 
Basta observar a lista de amizades dos quatro militares em seus perfis no Facebook para confirmar que todos, em tese, se relacionam com lideranças da classe política capixaba e formadores de opinião. Não só pelas amizades, que seria uma base subjetiva, mas pelos posicionamentos, todos demonstram capacidade de formulação e reflexão. O que, naturalmente, os coloca como nomes de referência na categoria. 
 
Isso, porém, não quer dizer que os militares presos lideravam o movimento. Nesses 22 dias de paralisação da PM, a reportagem de Século Diário ouviu dezenas de interlocutores, entre policiais e familiares. Todos os policiais ouvidos pela reportagem, veladamente, lamentavam a falta de estratégia do movimento e fato de a organização ser horizontal. A maioria sentia falta de uma liderança, para que o movimento pudesse se fortalecer e obter resultados mais efetivos. 
 
Os policiais também repetiam que o movimento pertencia às mulheres e que a decisão final era sempre delas. Essa parece ser até uma narrativa confortável para os policiais, já que eles não podiam assumir o comando do movimento por questões legais. 
 
Mas os repórteres que trabalharam na cobertura, independentemente do veículo, devem ter enfrentado dificuldade para obter informações com as mulheres. Quando se conseguia, as informações eram desencontradas, truncadas. Isso deixava patente que o movimento apresentava traços bastante amadores de organização, típico de pessoas que não tinham histórico de manifestação tampouco rodagem para enfrentar mesas de negociações complexas, como as que se armaram ao longo da crise. Parecia que a todo o momento faltava uma liderança, um núcleo pensante que pudesse dar suporte e rumo ao movimento. Sobraram às mulheres garra, fibra e perseveraça para resistir 22 dias a uma dura queda de braço com o governo, mas faltou estratégia.
 
Prova desse amadorismo foi o processo de desmobilização do movimento no último sábado (25). As mulheres queriam encerrar o movimento mas não sabiam como. Elas não tiveram uma estratégia para começar e tampouco tinham uma para sair. O acordo prévio só saiu porque a Central Única do Trabalhadores (CUT-ES) costurou uma audiência de conciliação com o Ministério Público do Trabalho (MPT-ES). O impasse pedia um mediador que pudesse organizar as demandas de ambos os lados de maneira imparcial. O governo e as mulheres tardaram a entender esse preceito tão básico de uma negociação. Precisou a CUT acordar os dois lados.
 
Mais uma vez restou patente que se os policiais estavam de alguma maneira apoiando o movimento era veladamente. Pelo menos não pareceu à reportagem de Século Diário que havia um grupo de policiais dando suporte às mulheres. Se estavam, como apontam as investigações, esses militares foram um tanto negligentes ou omissos com as mulheres. 

 

As prisões dos militares denotam viés político porque o governador Paulo Hartung precisa, nesse momento, entregar cabeças na bandeja. O espetáculo serve de aviso aos demais policiais ao mesmo tempo em que é uma demonstração de força à sociedade de um governo que saiu fragilizado dessa crise.

Nomes conhecidos, identificados como lideranças para a Corporação, poderiam dar peso a essa encenação. Quatro cabeças “famosas” valem mais que a prisão de 40 praças anônimos, com todo o respeito aos praças. Sem contar que o governador se livrou de lideranças com capacidade política que podem ameaçá-lo a qualquer momento. 

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