Moradores de Jesus de Nazareth voltam a denunciar violência policial na comunidade
Os últimos dias não têm sido fáceis para a comunidade do bairro Jesus de Nazareth, em Vitória. Após a morte dos jovens Bruno Vieira Lopes da Silva, de 24 anos, e Vinicius Alves de Jesus, de 20, nessa segunda-feira (24), alvejados durante uma ação da Polícia Militar (PM), os relatos são de que a violência da corporação ainda está muito presente, com policiais atirando a esmo, fazendo ameaças e entrando nas casas sem mandado. “Queremos paz, não é porque moramos na favela que somos bandidos”, ressaltam os moradores, que preferem não se identificar por medo.
Bruno foi enterrado na manhã desta sexta-feira (27). Antes da saída do corpo para o cemitério, afirmam moradores, dois policiais ficaram atrás de um poste, um com um fuzil e outro com uma pistola, apontando para a igreja na qual o corpo estava sendo velado. Não chegaram a atirar, contudo, ameaçaram. “Quando foram soltar fogos em homenagem ao Bruno, disseram ‘cuidado na hora de soltar os fogos, e o fuzil disparar e atingir qualquer um”, denunciam.
“Eles entram aqui de qualquer jeito. Quando a gente não deixa entrar nas nossas casas, arrombam a porta, entram mesmo assim, xingam moradores. Fizeram uma quadra aqui no bairro para as pessoas usarem, mas elas não podem, por medo de serem mortas pela PM”, descrevem. Além do ocorrido na igreja durante o velório, na hora que as pessoas foram para o ônibus que as levaria para o cemitério, uma viatura passou, os policiais riram e mandaram as pessoas “tomar naquele lugar”.
A frequência escolar das crianças também tem sido afetada. Os moradores relatam que os pais temem deixar os filhos saírem de casa e as próprias crianças também preferem ficar recolhidas em suas residências por causa do medo. “Antes elas viam a Polícia e davam tchau. Agora não querem chegar perto”, contam.
A morte dos dois jovens resultou em uma manifestação na noite dessa quarta-feira (25), do ponto final do bairro até a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp). A versão da PM é de que os policiais se depararam com cerca de seis homens em um beco, que dispararam, dando início a um confronto no qual Bruno e Vinicius foram vitimados. Contudo, a comunidade apresenta uma outra versão. Moradores relatam que Bruno tinha acabado de sair do campo de futebol rumo a sua casa. Ao passar pelo beco, foi cercado por policiais.
“As pessoas que testemunharam disseram que ele caiu, mas não foi a polícia que derrubou. Talvez tenha se assustado. Com a queda, disse que tinha machucado o braço e começou a pedir ajuda. Aí os policiais atiraram na testa dele”, afirmam, destacando que o jovem, levado ao Hospital São Lucas pela PM, morreu na hora. “Levaram somente para disfarçar. Tiraram o corpo do local para não haver perícia. Desfizeram a cena do crime”, denunciam.
Os moradores classificam o ocorrido como “um ato covarde, desumano”. “Interromperam uma vida que estava apenas começando”, dizem. De acordo com eles, a violência policial é comum na região e normalmente não há apuração dos casos, que ficam impunes. “Se considera somente a palavra da PM, porque nós somos pobres, negros e da periferia”, lamentam.
No caso de Vinicius, ele tinha acabado de sair de casa depois de deixar o trabalho em um supermercado, onde era estoquista, para ir ao campo de futebol, quando foi alvejado. Os moradores não têm detalhes do crime, mas garantem que não houve confronto, pois o rapaz estava desarmado.
Com a ação policial em Jesus de Nazareth, sobe para sete o número de jovens mortos pela PM em Vitória no mês de setembro. No dia 19, Esmael dos Santos Lopes, de 21 anos, foi baleado na praça do Morro do Macaco, em Tabuazeiro. Foi internado no Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), mas veio a óbito dois dias depois.
O comandante-geral da Polícia Militar (PM), Douglas Caus, disse, na ocasião, que a corporação recebeu a informação de que traficantes estavam processando drogas “em um parquinho, em via pública, na frente dos moradores”. Por isso, prossegue, foram separadas duas tropas de força tática, fazendo com que fugissem para uma área de mata. Uma equipe que cercava a região e a força tática, segundo o comandante, foram recebidas a tiros e “houve o pronto revide, legítima defesa”.
Douglas Caus apontou, ainda, que o jovem estava com uma arma israelense 9 mm. Entretanto, moradores da região negam a versão da PM, afirmando que Esmael não estava armado e que a Polícia chegou atirando. Ele foi baleado exatamente uma semana depois da morte de outros dois jovens de Tabuazeiro: Maycon, de 16 anos, e Rafael Cardoso Moreira, de 23, vitimados fatalmente dentro de casa, também a tiros.
Moradores afirmam que ambos estavam dormindo quando policiais militares entraram na casa, os sufocaram com travesseiro e depois deram os disparos. A ação policial motivou uma manifestação na comunidade no dia 13 de setembro.
Os outros dois mortos pela PM foram Breno Passos Pereira da Silva, de 23 anos, e Matheus Custódio Batista Quadra, de 26, alvejados em São Benedito no dia 9 de setembro. Breno, de acordo com o morador do bairro São Benedito, Luiz Adriano Rodrigues, foi assassinado em um beco, quando a polícia chegou atirando. Matheus foi alvejado cerca de 30 minutos depois, quando, ao fugir da polícia, entrou na casa de uma moradora. Os policiais, então, adentraram a residência, o algemaram e disparam contra ele.
Após a morte das quatro primeiras vítimas, o vereador de Vitória, André Moreira (Psol), juntamente com sete organizações da sociedade civil, encaminhou ofícios ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e para a Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, solicitando a atuação imediata nos recentes casos de violência policial ocorridos na Capital. As entidades são Conexão Perifa, Coletivo Beco, Mocambo, Instituto Elimu, Educafro, Unidade Negra Capixaba e Círculo Palmarino.