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‘Teleflagrante’ desrespeita Lei Maria da Penha, afirma Iriny Lopes

Deputada questiona como o Estado investe R$15 milhões em fuzis israelenses e diz não ter recursos para cumprir a lei

Uma priorização equivocada da aplicação dos recursos da Segurança Pública tem afastado ainda mais o Espírito Santo do pleno cumprimento da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Ao invés de investir no acolhimento integral da mulher vítima de violência, especialmente a negra e pobre, o Estado, por meio da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), tem optado por reduzir os investimentos, transferindo o atendimento às ocorrências dessa natureza para a Central de Teleflagrante da Polícia Civil, como ocorreu em maio último.

“Não é razoável que um Estado que investe R$ 15 milhões em mais de 800 fuzis israelenses diga que tem dificuldades em implantar a Lei Maria da Penha, por falta de recursos”, avalia a deputada estadual Iriny Lopes (PT), que é Procuradora Especial da Mulher na Assembleia Legislativa, à luz das comemorações dos 17 anos de criação da lei, que foi atualizada em abril, por meio da Lei nº 14.250/2023.

Lucas S.Costa/Ales

Alinhada com a denúncia feita pelo Fórum Estadual de Mulheres Negras Capixabas (Femnc) em manifesto lançado no dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha, a parlamentar afirma que a pasta, comandada pelo secretário Coronel Alexandre Ramalho, peca em não reconhecer a prioridade deste público. “Há uma evidente prioridade da Sesp em investir nas mortes, no confronto nas periferias como solução de problemas e não na prevenção e no atendimento à população, especialmente a que mais precisa”.

A Lei 14.541/2023, sublinha, ratifica essa prioridade, ao afirmar a necessidade de que os municípios tenham Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) que funcionam initerruptamente, “24h, sete dias da semana, inclusive domingos e feriados e de forma presencial, não por teleconferências como tem feito o governo do Estado”.

A razão dessa especificidade exigida na lei decorre da realidade das mulheres, explica. “Vítimas de violência passam por situação de grande sofrimento e ir até uma delegacia às vezes é constrangedor, para muitas delas, e até um impeditivo econômico, especialmente para mulheres das periferias, em sua maioria negras. Esse tipo de atendimento [teleflagrante] é desqualificado e desmotiva ainda mais a mulher a prestar queixas de agressões, ameaças e tentativas de violências”.

Iriny Lopes afirma ainda que o aumento da violência contra a mulher demanda um imediato ajuste das prioridades de investimentos por parte do Estado, e não o contrário. “Os números crescentes de violência contra a mulher indicam a necessidade de se investir na proteção e acolhimento pelo sistema de Justiça. A lei existe para ser cumprida e isso não exclui o poder executivo de responsabilização em caso de desrespeito”.

O alerta foi feito durante audiência pública em referência aos 17 anos da Lei Maria da Penha, realizada nessa terça-feira (8) na Assembleia, que reuniu representantes da Sesp, do Ministério e da Defensoria Pública (MPES e DPES), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e entidades da sociedade civil.

Lucas S. Costa/Ales

Invisibilidade do feminicídio negro

Uma das palestrantes foi a professora e doutora em Ciências Jurídica e Social Rosely Pires, coordenadora do programa de extensão e pesquisa da Ufes Fordan: cultura no enfrentamento às violências, que reforçou o posicionamento da deputada e procuradora especial da Mulher na Ales.

“Solicitamos que o teleflagrante do estado do Espírito Santo seja revisto. Que as delegacias tenham os delegados, os escrivãos, à disposição para um atendimento humanizado e não por tela”, rogou, relatando um dos casos acompanhados de perto pelo programa de extensão e pesquisa. “Nós tivemos uma mulher nossa que levamos à delegacia às duas horas da tarde e saímos de lá somente às nove da noite, porque o sistema [do teleflagrante] estava fora do ar e ela quase não consegue fazer o que era necessário, que era prender o agressor, que estava na iminência de assassiná-la”.

As especificidades da mulher periférica e negra, reforçou, precisa ser enxergada pelo Estado, até porque é sobre elas principalmente que recai a subnotificação dos casos de feminicídio. “Existe uma invisibilidade do feminicídio negro, porque a subnotificação se dá em cima dos corpos das mulheres negras. O Anuário de Segurança Pública mostra isso”, afirma, citando o trecho do documento com essa denúncia: “Levanta-se a hipótese de que as autoridades policiais enquadram menos os homicídios de mulheres negras enquanto feminicídio. Ou seja, mais mulheres negras, mesmo sendo mortas pela condição de ser mulher, são incluídas na categoria de homicídio doloso e não feminicídio, o que parece acontecer menos com as mulheres brancas”.

Lucas S. Costa/Ales

Outros dados oficiais apontam que “a cada três mulheres assassinadas no Brasil, duas são negras” e que “no Espírito Santo, tivemos aumento de 46% de feminicídio em 2021 a 2022, e 85% delas são negras”, relata. “Isso diz para nós, da universidade, que existe um público que está gritando por uma política pública específica”, exclamou a professora.

Durante a audiência pública, Rosely apresentou o projeto de um aplicativo para a denúncia da violência doméstica sofrida por mulheres negras e pobres, que está em desenvolvimento com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) etem previsão de lançamento nacional este ano, com apoio do Ministério da Igualdade Racial.

“O aplicativo vai ser fundamental para fazer a denúncia, mas dificilmente vai conseguir fazer com que a polícia chegue a tempo para salvar as mulheres se não houver investimento nas DEAMs. É preciso pensar em política de segurança pública efetiva para salvar a vida das mulheres. É urgente usar a verba do Ministério da Justiça para salvar vidas ao invés de comprar fuzis”, explanou. “As delegacias precisam de atendimento presencial e humanizado e formação contra o racismo e a misoginia institucional”, conclamou.

O teleflagrante

Conforme noticiado pela PCES, desde o dia nove de maio último, as ocorrências entregues no Plantão Especializado da Mulher (PEM) passaram a ser processadas na Central de Teleflagrante da PCES. “A mudança acompanha o processo de otimização de recursos e redistribuição de efetivo policial, iniciado em 2021”, afirma.

Divulgação/PCES

“Com a integração da unidade ao Teleflagrante, as ocorrências de violências doméstica e familiar registradas na Região Metropolitana da Grande Vitória continuarão sendo entregues na Delegacia do PEM, localizada na Ilha de Santa Maria, em Vitória. Policiais militares, guardas municipais ou outros agentes de segurança deverão se dirigir à Delegacia, conduzindo as partes envolvidas, como sempre ocorreu”, explica.

“Na Central de Teleflagrante da PCES, um delegado e um escrivão farão o atendimento remotamente, ouvindo os conduzidos por meio de videochamada e adotando as providências cabíveis. Caso haja autuação em flagrante, o detido permanecerá no PEM, aguardando a transferência para a unidade prisional, conforme já ocorre atualmente”, acrescenta a PCES, informando ainda que “com a entrada do PEM, a Central de Teleflagrante passa a reunir todas as Delegacias de Polícia Civil que funcionam em regime de plantão 24 horas”.

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