Dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) apontam que, no ano passado, 102 mulheres foram assassinadas no Espírito Santo. Trata-se de um aumento de 12%, considerando dados da mesma pasta referentes a 2019, que apontaram 91 mortes, segundo informou o Fórum de Mulheres (Fomes). A entidade prepara um manifesto para o Dia Internacional da Mulher, na próxima segunda-feira (8), e cobra, além de punição aos agressores, a efetivação de políticas públicas, há anos “estacionadas”.
O total da Sesp, divulgado pelo Ministério Público do Estado (MPES), aponta 101 casos, mas o Fórum considera 102, incluindo um inquérito encerrado recentemente.
Do total de assassinadas, o MPES aponta que 26 foram vítimas de feminicídio em 2020, ou seja, são mulheres que foram mortas simplesmente por serem mulheres, ou por se encontrarem em situação de violência doméstica e familiar praticada por companheiros, conforme estabelece a legislação.
Já o Fórum informa que, entre as 102 que tiveram suas vidas ceifadas, 34,31% eram pardas; 9,8% brancas; 6,96% pretas e, em 49% dos casos, não há esse tipo de informação. E, ainda, que 56 assassinatos foram por arma de fogo, 31 por arma branca, oito não informados, e sete concretizados por outros meios.
A integrante do Fomes, Edna Martins, aponta que em alguns processos não são reveladas as reais condições de morte da mulher, sendo possível, portanto, que o número de feminicídios seja maior. Ela questiona, por exemplo, casos de assassinatos por parte de parceiros que camuflam o crime cometendo latrocínio, e de mulheres envolvidas com o tráfico, mas que foram assassinadas não como consequência disso, mas por companheiros igualmente envolvidos, como traficantes e os chamados “aviões”.
‘As políticas públicas estacionaram’
Para Edna, é comum restringir a prevenção da violência contra a mulher à punição dos agressores, esquecendo-se da necessidade de políticas públicas em diversos setores. “No Espírito Santo, as políticas estacionaram”, denuncia.
Ela recorda que a última campanha de combate à violência contra a mulher feita pelo poder público estadual foi em 2012. As campanhas, defende a integrante do Fórum, são necessárias para a mulher pensar na situação em que está vivendo, pois a sociedade normalmente restringe violência a agressões físicas, fazendo com que as agressões psicológicas não sejam vistas como violência doméstica.
Edna denuncia que o Espírito Santo carece de casas de acolhimento provisório, já que tem somente para mulheres em risco de morte. As de acolhimento provisório seriam para aquelas que precisam de um espaço onde possam fazer um período de transição até que possam reconstruir sua vida em outro lugar, longe do agressor. A militante do Fomes também critica a precariedade no atendimento em espaços como os Centros de Referência de Atendimento à Mulher Vítima de Violência e as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
Em ambos, segundo Edna, muitas vezes a mulher é culpabilizada pela violência que sofreu. Além disso, em lugares como São Mateus, norte do Estado, a mulher tem que se dirigir a uma delegacia normal para registrar Boletim de Ocorrência, para depois ir na Delegacia da Mulher. “Nesses casos não há uma delegacia da mulher de fato, o que existe é um posto de atendimento, que a Sesp chama de delegacia”, diz.
Subnotificações
A assistente social e integrante do Fomes, Emilly Marques, aponta para a realidade de subnotificações dos casos de violência contra a mulher no Espírito Santo. Um problema histórico e estrutural, motivado, por exemplo, pela não valorização da gravidade das violências sofridas por mulheres. “Há despreparo da força policial e da sociedade como um todo, para compreender o fenômeno o que dificulta seu enfrentamento e tipificação. Há necessidade de acolhimento, prevenção, e capacitação de todos os setores envolvidos e inclusão dessa pauta em políticas educacionais”.
A diretora da Associação de Mulheres da Serra (Amus), integrante do Fomes e do Conselho Estadual da Mulher, Eusabeth Vasconcelos, acredita que os casos de maior subnotificação são no interior, já que o acesso aos equipamentos públicos é mais difícil nessa localidade e, até mesmo, a repercussão dos fatos é menor. Ela aponta como um dos fatores que pode fazer com que a violência à mulher aumente, a maior facilidade de acesso às armas de fogo.
Edna atribui isso à política nacional de incentivo à violência, promovida pelo governo Jair Bolsonaro, e faz criticas também aos municípios, por omissão na atenção às políticas de combate à violência contra a mulher.