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Número de pastores candidatos no Estado reforça a ‘Teologia do Domínio’

Nas eleições municipais deste ano, ainda na esteira do bolsonarismo, há 88 pastores concorrendo no Espírito Santo, uma redução de 21,6% quando comparada aos 107 nomes há quatro anos, com um diferencial: em 2020, não houve nenhum pastor evangélico na disputa ao cargo de prefeito, enquanto neste ano são três, em Cariacica, Aracruz (norte do Estado) e Ecoporanga (noroeste), segundo registros da Justiça Eleitoral.

Os candidatos são filiados a partidos de direita e extrema direita, têm seus redutos nas igrejas, e abraçam a política para exercerem o poder. A maioria é vista como “massa de manobra” de velhos grupos políticos e, sem sequer saber do que se trata, servem à “Teologia do Domínio”, com estratégias definidas a partir da criação desse movimento em 1916, nos Estados Unidos. Seguem ideias que apontam para a construção de uma “Nação Cristã”, do filósofo Rousas John Rushdoony.

Os escritos desse historiador e teólogo da direita foram acolhidos pela elite branca estadunidense e trazidos para o Brasil por instituições religiosas que cultuam o americanismo, e introduzidas nas igrejas, por meio de cursos, seminários e pregações. Encontraram terreno apropriado para expandir-se no Brasil com empresários da fé tipo Edir Macedo e Silas Mafalaia, com influência em congregações por todo o país, ampliando o contingente de agentes políticos com tendências entreguistas, autoritárias e antidemocráticas.

Em 2020, dos 107 candidatos, a maioria concorreu na Serra (14), Cariacica (7), Itapemirim (6), Guarapari (5), Vitória (4), Vila Velha (4) e Cachoeiro de Itapemirim (4). Neste ano, os números apontam nove pastores na Serra, seguido por Cachoeiro de Itapemirim (4), Vitória (3), Cariacica (3) e Colatina (3). Familiares também tentam entrar na disputa e colocam o nome de urna afirmando que é filho, esposa ou tem algum parentesco com um pastor.

Os registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam aumento para os cargos de vice-prefeito entre 2020 e 2024. Enquanto no pleito municipal de quatro anos atrás foram quatro pastores disputando o cargo, nesta eleição são sete, em Ecoporanga, Guarapari, Ibiraçu, Nova Venécia, Pinheiros, Piúma e Viana.

Dos 88 pastores que concorrem às eleições deste ano no Espírito Santo, apenas 12 declararam para o TSE que têm como único rendimento o salário que recebem das igrejas evangélicas a que pertencem, informando como profissão “Sacerdote ou Membro de Ordem ou Seita Religiosa”. Outros 76 não fizeram essa observação ao TSE.

A maioria dos pastores começou a sair dos púlpitos para a arena política em 2014, dois anos antes do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Em 2016, o movimento ganhou maior estímulo com o surgimento na cena do então desconhecido deputado federal Jair Bolsonaro, no governo de Michel Temer. Apresentado como político antissistema, sendo ele próprio aproveitador desse mesmo sistema, juntou-se a líderes evangélicos e passou a ser idolatrado por multidões.

“Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” foi a frase dita por ele ao declarar o voto em favor do impeachment. No centro dessa estratégia, as pautas de costumes, com palavras de ordens racistas, machista, contra o aborto, a homossexualidade, as religiões de matriz africana, os movimentos socais e o comunismo, apontado como “ideologia do demônio”.

Inaugurou-se, desse modo, um retrocesso social, cultural e teológico, em meio à liberação de armas e discursos de ódio a professores e intelectuais, à ciência e ao conhecimento, com casos de corrupção, nos mesmos moldes de práticas fascistas da Europa no século passado, bastantes conhecidas e praticadas ainda hoje. Formou-se um contexto que explodiu nos atos terroristas de 8 de janeiro, ápice de uma movimentação que durou mais de dois meses, com acampamento em ruas e áreas de quartéis das Forças Armadas no país, incluindo Vila Velha.

Na base desse discurso, a “Teologia do Domínio”, uma interpretação literal da Bíblia, hoje com espaços cada vez maiores em grupos extremistas de direita em vários países. Seus adeptos, seguidores de Bolsonaro, pregam uma espécie de colonização cristã dos povos e a expansão territorial da fé, ignorando a justiça social, cerne da doutrina de Cristo.

O impacto desse grupo de religiosos nas eleições presidenciais no Brasil e no Espírito Santo foi decisivo em 2018, que elegeu Jair Bolsonaro presidente do país, com 69% dos votos entre os evangélicos, nos termos da pesquisa de intenção de votos do DataFolha. Em 2022, este mesmo candidato à reeleição, apesar da derrota, conquistou quase 70% dos votos, de acordo com a pesquisa realizada pelo Ipespe.

O Espírito Santo tem lugar destacado nesse campo evangélico distanciado da doutrina cristã. Não por acaso, portanto, o TSE, em 2022, registrou 58,04% dos votos para Jair Bolsonaro (PL), quando foi derrotado no País pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ficou com 41,96% no Estado. Hoje, ele está inelegível e indiciado por crimes como roubo de joias, falsificação de cartões de vacinas e tentativa de golpe de Estado.

Para contrapor esse cenário, existem grupos de pastores que lideram ações em defesa da democracia e do evangelho, como a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que promove neste sábado (7) e domingo (8), o evento “A Cruz e a Justiça”, na Nossa Igreja Brasileira, no Centro do Rio de Janeiro. “Serão abordados temas fundamentais para a fé e nossa luta por justiça no Brasil”, afirma o comunicado do grupo.

Entre o preletores, Usiel Carneiro, pastor da Igreja da Praia, localizada na Praia do Canto, Vitória, recentemente alvo de ataques de grupos de fieis bolsonaristas que queriam o controle da congregação, para justamente impor esse discurso distorcido da Bíblia, que apresenta Jesus, também, como ativista e preso político, condenado injustamente à pena de morte.

Além de Usiel, são preletores Ariovaldo Ramos, Magali Cunha, Lyndon Araújo, Sérgio Dusilek, e Márcio Simão, que abordarão temas como Evangelho e sua mensagem de justiça; Aliança entre fundamentalismo bíblico e extremismo político; Caminhos entre o Evangelho e a cultura; A cruz e a justiça; e Proposta de Jesus: humanidade.

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